CULTURA

Pascoalino S. Azords: 'Divina dama'

Pascoalino S. Azords: 'Divina dama'

Publicado em: 17 de dezembro de 2020 às 12:50
Atualizado em: 29 de março de 2021 às 20:55

Divina dama

Pascoalino S. Azords

CRÔNICA A chamada grande imprensa de São Paulo (que não esconde a sua preferência na disputa pela Presidência da República) deu destaque à recusa de Barack Obama para visitar o Brasil. Vou começar de novo para ver se consigo me expressar melhor. A chamada grande imprensa da capital paulista, essa senhora de 400 anos que retoca a maquiagem no reservado do Jóquei Clube achando que com isso se rejuvenesce editorialmente, noticiou com indisfarçável prazer a recusa do presidente dos EUA para vir ao Brasil neste ano. A grande imprensa quatrocentona, que acha que com mais uma camada de pó-de-arroz sobre seu esqueleto centenário pode ficar novinha em folha, tenta minimizar as pesquisas que colocam o seu candidato preferido no devido lugar: perdendo para aqueles que colocaram o Brasil de pé sem precisar tirar os sapatos ao chegar aos países do chamado Primeiro Mundo.

A recusa de Barack Obama em visitar o Brasil despertou em mim uma pontinha de saudade. A passividade bovina da grande imprensa me fez sentir saudade de dona Neuma da Mangueira; eu que só a conheci de longe, de ler e ouvir contar. Quem conheceu dona Neuma é Hermínio Bello de Carvalho. No livro Sessão Passatempo (Ed. Relume Dumará), Hermínio conta divertidas histórias de gente grande, como Pixinguinha, Tom Jobim, Drummond, Chico Buarque e outras personalidades. De Dona Neuma da Mangueira, essa lendária primeira dama verde e rosa, Hermínio conta mais de uma história, todas cheias de graça e palavrões. Se as reproduzisse nesse espaço, minha crônica ficaria interessante, como quando baixa o Nelson Rodrigues (sem as devidas aspas) nas crônicas do Jabor. Resisto à tentação em consideração ao original e respeito aos leitores mirins deste semanário.

Mas tem uma história que eu não li nem me contaram; eu vi com meus próprios olhos, na TV. Dona Neuma era presidenta da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, em 1997, quando Bill Clinton veio ao Brasil. O sorridente presidente manifestou desejo de subir o morro e o escolhido não podia deixar de ser o morro da Mangueira, mais precisamente, a quadra da Escola de Samba fundada em 1928 por Cartola e Saturnino, pai de dona Neuma. Um exército secreto estudou a operação. Milhares de barracos, janelas e vielas para todos os lados. Uma gente estranha, que não fala inglês, em uma infinidade de botecos e biroscas. Resumindo: a segurança do presidente americano voltou com o rabo entre as pernas, opinando pelo cancelamento da mui arriscada visita à quadra da Mangueira, que, aliás, ensaiava o enredo campeão do Carnaval de 1998.

O cancelamento já era dado como certo. Os americanos só precisavam encontrar uma desculpa para oficializar a desistência. Nesse meio tempo, uma equipe do Jornal Nacional foi saber o que Dona Neuma pensava do assunto. “Senhor presidente – disse a franzina setuagenária desbocada — se o senhor quiser nos visitar, o senhor será muito bem recebido pela comunidade. Agora, se o senhor não quiser, não tem importância nenhuma. A vida aqui continua a mesma”. A entrevista foi ao ar e Bill Clinton preferiu subir o morro. Viu o ensaio da escola, arriscou umas embaixadas (uns balõezinhos, para que não paire dúvida nessas questões diplomáticas), foi recebido pela comunidade de dentes brancos e sorrisos francos liderada por Dona Neuma e Dona Zica, viúva do Cartola.

Hoje, Barack Obama não quis nos visitar, mas o Sol nasceu redondo do mesmo jeito, no Brasil e no resto do mundo. Obama disse que não vem e a Lua não parou de crescer para Cheia durante toda a semana. Obama não virá e nem por isso cai a venda de pastel na feira livre, como não cai o preço do álcool nos postos de Ourinhos. Que falta faz Dona Neuma para colocar esses meninos no seu devido lugar. Decidida, despachada, sem meias palavras, e rindo!

* Publicada em 30/05/2010 e reproduzida na edição impressa de 6 de dezembro de 2020
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