CULTURA

Arte solidária feita com pneus gera recursos para entidade de S. Cruz

Arte solidária feita com pneus gera recursos para entidade de S. Cruz

Publicado em: 20 de dezembro de 2020 às 20:10
Atualizado em: 30 de março de 2021 às 13:20

Artesanato é produzido pela entidade “Fraternidade Serviços de Maria”, que cuida de crianças com deficiências mentais

Débora mostra miniatura de poço



Sérgio Fleury Moraes

Da Reportagem Local

Fundada por Valdir dos Reis, 53, há mais de 18 anos, a comunidade “Fraternidade Servos de Maria” é um dos últimos refúgios em Santa Cruz do Rio Pardo para crianças com deficiências mentais graves, geralmente abandonadas pelas famílias ou vítimas de maus tratos e que precisam de uma dedicação exclusiva. É um local em que o amor e a solidariedade conseguem transformar vidas, dos pacientes aos voluntários.

A “Fraternidade” ainda não recebe dinheiro público e é mantida exclusivamente de doações da sociedade e da renda de um bazar de roupas. No entanto, a pandemia provocou uma queda significativa nas doações. Além disso, os dirigentes resolveram suspender o bazar para evitar o fluxo de pessoas. Afinal, as crianças assistidas são consideradas de alto risco para a covid-19.

E como enfrentar a crise? A solução veio por acaso, pelas mãos de Débora de Fátima Pussanai, 39, que passou a fabricar artefatos para enfeitar jardins a partir de pneus velhos. São vasos, cisnes, baldes, xícaras e até miniatura de poço, todos coloridos. Os artesanatos se transformaram, então, numa fonte de renda para a comunidade sobreviver em tempos de pandemia.

A ‘Fraternidade Servos de Maria’ atende crianças com deficiências mentais graves e sobrevive graças à doações da sociedade e obras de artesanato



A entidade está há dez anos numa chácara no bairro rural da Graminha, uma propriedade também doada e com amplo espaço para acomodar as crianças e permitir um tratamento adequado. As superações são visíveis, como o caso da pequena Lena, que chegou em 2015 como paralítica, além de deficiente mental, e agora já anda e consegue se comunicar.

Atualmente há dez crianças assistidas pela comunidade, sendo quatro cadeirantes e as demais com deficiências intelectuais. Geralmente elas são encaminhadas pelo Poder Judiciário e as famílias são proibidas de visitá-las pela situação degradante em que as crianças foram abandonadas. Um menino, por exemplo, dormia com os cachorros antes de ser resgatado e encaminhado à comunidade.

“Amor, carinho e cuidados são tudo os que elas precisam”, avalia Valdir dos Reis, o fundador da entidade que começou sua obra como um local para evangelização. Religioso, logo Valdir percebeu que estava recebendo um chamado para cuidar de crianças em situação grave.

Para Valdir dos Reis, o fundador da instituição, a arte de Débora (abaixo) gerou uma grande procura



Este “chamamento” também aconteceu com Débora Pussanai, que está na comunidade há 16 anos, praticamente desde o início, quando a “Fraternidade” ainda era um local para louvores e orações. “Era um grupo de pessoas que rezava e eu resolvi participar do movimento de evangelização. Comecei a ajudar nas atividades cada vez mais até que senti um chamado muito forte. Larguei tudo e resolvi servir a Deus”, contou.

Débora morava com os pais e demorou um tempo para a família compreender a situação. Neste momento de pandemia, ela acabou revelando seus dons artísticos. “Eu sempre gostei de costurar ou fazer artesanato. Mas nunca pensei em manusear pneus”, contou.

De repente, segundo contou Valdir, Débora estava na oficina da “Fraternidade” começando a criar formas usando pneus velhos. “Eu nem imaginei que ia dar certo. Vi algumas obras na internet e resolvi fazer. A partir daí, os vizinhos da Graminha observaram e começaram a encomendar peças”, disse.

Na crise da pandemia, o artesanato foi uma das soluções para gerar renda e manter a entidade



A Graminha é um bairro rural de Santa Cruz do Rio Pardo formado por pequenas chácaras de lazer, mas várias famílias moram no local. Percorrendo as pequenas ruas do local com ares de urbanização, é fácil encontrar peças fabricadas por Débora espalhadas em jardins. No entanto, os artesanatos também podem enfeitar residências na área urbana.

A partir daí, a produção não parou. Débora vai para a oficina depois do almoço, pois tem outras atividades no período da manhã. No final da tarde, precisa retornar porque é ela a responsável por providenciar o jantar de todos. No tempo curto dedicado ao artesanato, ela consegue produzir, em média, pouco mais de cinco unidades por semana.

Na tarefa, ela recebe ajuda da mãe, do irmão e até de Antônio, um dos acolhidos da “Fraternidade Servos de Maria”. Débora conta que há técnicas que aprendeu com a prática, como “virar” o pneu pelo avesso depois de cortá-lo. A “matéria prima”, por sinal, existia num barracão em pequena quantidade. Mas foi só entrar em contato com borracheiros e bicicleteiros da cidade para a comunidade começar a receber doações de pneus.

As peças podem ser usadas em residências rurais ou jardins urbanos



Além da renda, o trabalho ajuda o Meio Ambiente, pois o descarte de pneus velhos sempre foi um problema em qualquer lugar do mundo. A variedade de tamanhos é usada por Débora para moldar as peças. Uma xícara pequena, por exemplo, usa pneu de bicicleta; uma maior, é mesclada com pneus de moto e bicicleta.

“Eu aprendi na marra e hoje é minha paixão”, diz Débora, rindo, mostrando os calos na mão. Tudo é parafusado e algumas peças usam metais e madeira. Existem até alguns “macetes”, como virar o pneu pelo avesso. É uma das partes mais duras do trabalho, mas ganha uma certa facilidade quando a matéria prima é deixada no sol para amolecer.



No final da produção, as obras de arte são pintadas na mesma oficina, com tinta acrílica, na cor que o cliente preferir. “No caso do poço, por exemplo, a maioria prefere a cor marrom”, explicou. Os preços são acessíveis, variando de R$ 25 a R$ 100. Os interessados podem visitar a comunidade ou fazer pedidos pela página da comunidade no Facebook. As crianças assistidas pela “Fraternidade Servos de Maria”, de alguma forma, vão agradecer.



  • Publicado na edição impressa de 13 de dezembro de 2020


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