CULTURA

Educandário 'O Lar da Criança' surgiu há 70 anos em Santa Cruz do Rio Pardo

Educandário 'O Lar da Criança' surgiu há 70 anos em Santa Cruz do Rio Pardo

Publicado em: 04 de janeiro de 2021 às 18:09
Atualizado em: 30 de março de 2021 às 12:06

Inicialmente criado por um grupo da religião espírita, instituição cuidou de milhares de crianças durante décadas

Sérgio Fleury Moraes

Da Reportagem Local

As primeiras atas manuscritas ainda estão arquivadas na instituição. A pioneira mostra que no dia 19 de novembro de 1950 um grupo de pessoas resolve fundar o educandário “O Lar da Criança” para acolher crianças abandonadas e cujo prédio seria construído na vila Saul. O terreno havia sido doado pela primeira presidente, Jacira Ferreira de Sá. A ata diz que o objetivo era dar “educação e instrução necessárias, nos moldes dos ensinamentos espíritas, baseadas no Evangelho de Jesus Cristo”. Setenta anos depois, a entidade é uma das mais importantes de Santa Cruz do Rio Pardo.

Mas foi uma trajetória com muitas lutas. Não há informações sobre o motivo pelo qual a diretoria do educandário não construiu seu prédio no terreno doado da vila Saul, onde havia um campo de futebol. Porém, esta decisão se mostrou providencial anos depois.

Em agosto de 1960, através de uma lei do então prefeito Onofre Rosa de Oliveira, o educandário “O Lar da Criança” recebe em doação do município uma enorme área de 13.640 metros, onde fica a instituição. A lei diz que a doação era exclusivamente para fins de construção do educandário.

A construção, em fase adiantada de conclusão



O fato foi saudado pela imprensa de Santa Cruz de uma maneira, digamos, constrangedora. O jornal “A Folha” publicou reportagem afirmando que finalmente “os pequenos vira-latas teriam um lar”.

A obra começou a ser levantada logo em seguida, mas demorou uma década para ser entregue. Afinal, é um prédio grande, um dos maiores de Santa Cruz do Rio Pardo, com vários quartos, salas, espaços para visitas, refeitório, cozinha e áreas de lazer. A sede do educandário “O Lar da Criança” foi entregue oficialmente em outubro de 1970.

HISTÓRIA — A ata de fundação do educandário, manuscrita em 17 de novembro de 1950 na residência de uma das primeiras diretas



No início, como estabeleceu a primeira ata da instituição, o educandário teve dirigentes ligados à religião espírita, mas nunca exigia esta doutrina de seus funcionários ou assistidos. Além da primeira presidente, Jacira Ferreira de Sá, personalidades importantes de Santa Cruz participaram da fundação ou das primeiras diretorias, como Luiz Marchesi, Pedro de Almeida Silos, Ludovico Gonçalves, José Garcia, Agostinho Aloe, Nelson Fleury Moraes e outros. Com o passar dos anos, pessoas de outras religiões passaram a fazer parte da instituição.

O terreno da vila Saul, o primeiro doado à entidade, voltou à cena nos anos 1980, quando o presidente do educandário era Vilmar Ferreira Dias. Onofre Rosa era novamente o prefeito e a prefeitura tinha interesse na área para construir uma escola estadual. Após uma polêmica que ganhou as páginas do DEBATE durante semanas, um acordo possibilitou uma permuta entre o terreno e o prédio onde se localiza o Conservatório Musical Osvaldo Lacerda, na praça Carlos Queiroz.

Imagem de crianças do educandário brincando ao lado de carroça de hortaliças



Hoje, no terreno da vila Saul está localizada a escola “Zilda Comegno Monti”, enquanto o prédio do conservatório é de propriedade do educandário, gerando renda com o aluguel.

Em 2015, o aposentado Fernando Ortega Garcia lançou um livro sobre a história do educandário. Ele foi voluntário na gestão de Vilmar e conta sobre a construção da enorme caixa d’água para a horta que estava sendo implantada e a criação de uma fábrica de calçados que serviria para profissionalizar os próprios internos. A pequena indústria chegou a lançar a linha “Dular” e a renda financiou a instalação de estufas na horta.

Porém, crises econômicas e novas leis que limitavam o trabalho dos adolescentes inviabilizaram os projetos. A fábrica fechou e a horta foi arrendada. Bancário aposentado, Ortega foi diretor do educandário durante mais de dez anos.

A sede foi totalmente reformada e a instituição conseguiu até um carro próprio



A instituição se voltou novamente para doações e promoções de bazares beneficentes. No entanto, sempre teve pessoas beneméritas em torno do educandário, como a santa-cruzense Darcy Martin Casanova, casada com um estadudinense e filha do ex-deputado Lúcio Casanova Neto. Todos os anos, durante décadas, Darcy patrocinava um Natal para as crianças da entidade.

Há cinco anos, houve uma nova revolução interna, quando Mário Manfrim assumiu a direção do educandário. O empresário da Special Dog implantou uma meta ambiciosa: dotar o educandário de renda própria. Foi, então, que a instituição usou parte de sua área para construir casas e pontos comerciais. Além disso, criou o “Arraiá do Lar”, um evento anual promovido com ajuda de empresários e que leva milhares de pessoas à praça São Sebastião nos tempos de festa julina. Porém, 2020, o ano da pandemia, não teve a festa.




Em foto do ano passado, Mário Manfrim comanda a coordenação do ‘Arraiá’



Instituição constrói ‘vila’

para ter renda definitiva

Na gestão de Mário Manfrim, educandário ganha casas e pontos comerciais para alugar

Há cinco anos na presidência do educandário “O Lar da Criança”, o empresário Mário Manfrim impôs uma nova política empreendedora na instituição. Ao perceber que o educandário vivia de doações e que muitas vezes elas não eram constantes, Mário teve a ousadia de iniciar a construção de uma pequena “vila” nos fundos do terreno que dá acesso à rua José Ephifânio Botelho. O objetivo é dotar a instituição de uma renda própria constante.

“Quando assumi, percebi que o terreno do educandário é tão grande quanto as despesas da entidade. Foi então que iniciamos o projeto para que o educandário tenha uma renda própria”, disse Mário.

Funcionárias da instituição mostram quarto especial para abrigar bebês; abaixo, o espírito natalino no interior do prédio



As despesas são muitas porque o educandário não é uma simples creche, que não funciona à noite e aos finais de semana. As crianças são internas e em regime integral, com direito à várias alimentação diárias, lazer, período escolar e repouso. Por isso, há 21 funcionários e voluntários à disposição todos os dias.

Quase todas são encaminhadas pelo Juizado da Infância e Juventude. São crianças — às vezes bebês — que foram abandonadas pela família ou cujos pais perderam o pátrio poder por alguma razão grave. Há casos em que a família se reestrutura e recupera o filho depois de um período. Porém, a maioria das crianças é adotada por outras famílias.

Segundo Manfrim, o educandário recebe algumas verbas dos poderes municipal, estadual e federal. “Isto representa em torno de R$ 12 mil, mas nossas despesas passam de R$ 27 mil, inclusive com roupas para as crianças”, explicou.

Um dos quartos para as crianças internas, com uma impecável limpeza



O industrial, então, pediu ajuda a outros empresários e criou o “Arraiá do Lar”, a única festa beneficente de “O Lar da Criança” a cada ano. Mário lidera a coordenação do evento, que reúne várias empresas e geralmente é feito num final de semana. A renda gira em torno de R$ 50 mil. Em 2020, porém, o “Arraiá” foi suspenso por causa da pandemia.

Além disso, ele renegociou os valores da horta arrendada e construiu um barracão onde hoje funciona uma floricultura.

Com esta renda, a direção iniciou a construção dos imóveis para alugar. Hoje, há três casas prontas e mais alguns pontos comerciais.

‘CONDOMÍNIO” — As primeiras casas do projeto de geração de renda para o educandário, já concluídas



O plano é construir cerca de 28 residências e 12 pontos comerciais. Quando concluída, a “vila” — que vai funcionar como um condomínio particular, inclusive com ampla segurança e entrada privativa — poderá tornar o educandário autossuficiente economicamente.

Mário não gosta de falar, mas é claro que ele coloca a mão no bolso para o empreendimento.

Entre as crianças do educandário, há cinco com deficiência mental. Pelo menos dois internos com problemas deverão morar definitivamente na instituição, que deverá construir uma ala própria para acomodá-los. O projeto já está em planejamento para 2021 e vai dividir a entidade em duas: o educandário e a “casa de acolhimento” para 10 deficientes. Trata-se de uma exigência legal.

A última reforma feita pela atual diretoria trocou móveis e tornou todos os espaços mais arejados e confortáveis



Outra renda adotada novamente pela instituição são carnês de contribuições mensais.

Há dois anos, a atual diretoria realizou uma ampla reforma no prédio do educandário, inclusive com troca dos móveis e uma modernização da cozinha e demais dependências. Agora existem amplas áreas de lazer para crianças, inclusive numa varanda externa, além de um espaço para reunião com as famílias candidatas à adoção.

Para o presidente Mário Manfrim, o apoio da população ao educandário significa que há muito mais do que recursos para a manutenção da entidade. Enfim, é o amor ao próximo que move uma das mais antigas instituições de caridade de Santa Cruz do Rio Pardo.



  • Publicado na edição impressa de 25 de dezembro de 2020


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