
HISTÓRIAS DO MAGÚ
O alface
Beto Magnani
— Crer ou não crer? Eis a questão.
— É “ser ou não ser” a frase do Hamlet. Não é crer ou não crer.
— Tem como ser sem crer?
— Tem.
— Sem fé não dá.
— Dá sim. Sou como São Tomé. Preciso ver para crer.
— Não se engane, é preciso crer para ver.
— Eu penso diferente. Sinto que as pessoas ficam cegas quando creem demais. Não enxergam a realidade.
— Pensa ou sente?
— Penso, sinto, sei lá. Tanto faz. Qual a diferença?
— Você pensa, logo existe; ou sente, logo existe?
— A frase do Descartes é “Penso, logo existo”.
— O Alface não pensa e existe.
— Mas também não sente.
— Quem te disse que o Alface não sente?
— Planta não sente.
— Como ela cresceria em direção à luz se não a sentisse? Como suas raízes cresceriam se não sentissem a terra?
— Aí você já tá falando de outro tipo de sentir.
— Que outro tipo?
— Ela não sente dor, alegria, tristeza, medo e outras tantas coisas que a gente sente.
— Como você sabe?
— Eu sei porque a ciência já provou isso.
— E você acredita na ciência?
— Claro.
— Você viu e acompanhou pessoalmente todas as pesquisas cientificas feitas com as plantas até hoje?
— Claro que não.
— Então você acredita sem ver.
— Você quer comparar a minha crença na ciência com a sua fé?
— Só tô dizendo que tudo acaba na questão de crer ou não crer.
— Cada um tem o direito de crer no que quiser.
— E de ser o que quiser.
— Sim.
— Existir não é fácil.
— É, é complicado.
— Tem que acreditar.
— Tem. Mas tem que saber enxergar antes de acreditar.
— Tem é que saber o que sente antes de acreditar no que enxerga.
— Talvez.
— No fim tem é que acreditar no que sente. Primeiro a gente sente. Todo o resto vem depois.
— No fim não resta é nada.
— Creio que sim.
— Ou não.
Peguei o meu Alface e saí de perto um tanto quanto confuso com a conversa. Ouvi, não resisti, enquanto escolhia o pé mais bonito para o jantar de final de ano. Não sei se era ou não era de fato o mais bonito, mas acabei ficando com ele. Sinto que sim. Era. Creio. (Magú)
- Publicado na edição impressa de 1º de janeiro de 2021