CULTURA

Os frutos literários de uma árvore em Ourinhos

Os frutos literários de uma árvore em Ourinhos

Publicado em: 26 de janeiro de 2021 às 18:12
Atualizado em: 30 de março de 2021 às 00:43

Moradora cria biblioteca ao ar livre em árvore na própria calçada

André Fleury Moraes

Da Reportagem Local

Marta Cunha Felipe nasceu em São Paulo, mas passou 40 anos de sua vida em Santa Cruz do Rio Pardo. Vendeu livros nos últimos 15 anos de sua vida e, pelo ofício, ficou conhecida como ‘Marta dos Livros’. O apelido era comum à boca pequena e, de porta em porta, ela garantia o sustento de sua família.

Há alguns anos decidiu se mudar para Praia Grande em busca de melhores oportunidades de vida. Pelo tamanho da cidade, afinal, o mercado para compra e venda de livros era maior. A pandemia, no entanto, obrigou Marta a retornar à região. Se instalou em Ourinhos há cerca de seis meses.

Mãe e avó, Marta se viu impedida de sair às ruas para vender livros pelo risco de contaminação do novo coronavírus. Preferiu ficar em casa. Dividia o tempo entre orações — ela é religiosa — e os livros. Leitora contumaz, possui biblioteca extensa dentro de casa. Mas se incomodou com a vida pacata que passou a ter.

Marta mostra a "árvore dos livros" (Foto: André Fleury)



Marta conta que varria a calçada quando passou a observar a árvore que dá sombra à frente de sua casa. Viu que não dava fruto nenhum e se rebelou contra a própria rotina. “Vou pendurar livros nesta árvore”, decidiu. Isto aconteceu há cerca de dois meses.

Não hesitou. Entrou para casa e, na mesma hora, separou barbantes, prendedores e sacos plásticos. Começou a obra de arte. Ela possui um acervo com centenas de livros usados. Os estilos são muitos: desde religiosos até infantis. “Só não tem livro negativo, que deixa a gente triste”, diz. Separou alguns e pendurou na árvore.

Os frutos amadureceram e, como qualquer outro, chamaram atenção de leitores famintos que passam pelo local. Religiosa, Marta diz que o projeto foi uma visão que Deus deu a ela. “Deu certo”, comemora.

Os números variam, mas toda semana saem entre 30 a 50 livros da árvore. Os números mensais são animadores: cerca de 200. No bairro familiar Minas Gerais, os mais cobiçados são os infantis. “Crianças chegam a bater em meu portão quando acabam aqueles que pendurei”, conta.

Mas o público não se limita somente aos pequenos. Motos, carros e pedestres param para observar os livros. Cada pessoa escolhe aquele que está mais maduro a seu gosto. Certo dia um caminhoneiro parou sua carreta somente para retirar um livro. Mulheres e homens e de todas as classes sociais, não importa. Todos querem garantir a leitura.

"Árvore dos Livros" atrai pessoas de vários bairros (Foto: André Fleury)



Algumas pessoas chegam a atravessar Ourinhos para conhecer a biblioteca ao ar livre.

Mas as publicações não permanecem no local a todo momento. O rito de Marta, aliás, é sistemático. Começa a separar os livros pela manhã, quando acorda, e os pendura no mesmo período. Já à noite, às 20h, ela recolhe todos eles. “Meu medo são os temporais”, explica.

Os livros chegam até Marta através de doações. Os pontos de partida vão desde Sorocaba até Presidente Prudente. A última leva que ganhou contava com 400 publicações.

Quem mais gostou do projeto foram os vizinhos. Um deles, já aposentado, às vezes leva uma cadeira para a calçada e, embaixo da árvore, passa horas lendo.

A ideia de Marta para depois da pandemia é promover uma roda de leitura. Ela já fazia isso em Santa Cruz, mas para crianças carentes. Acontecia em toda tarde dominical. No momento, os únicos beneficiados com as histórias contadas são os netos de Marta. Mas o hábito de leitura não cobiçou seus filhos. Quem mais lê é a caçula, que faz faculdade em Bauru.

Não é difícil encontrar a árvore. A rua Orlando Azevedo é extensa, mas uma característica marcou para sempre o local. É que, logo no portão de Marta, uma faixa diz: “Pegue aqui seu livro gratuitamente”. E ainda dá o recado: “Boa leitura!”. 



  • Publicado na edição impressa de 17 de janeiro de 2021


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