CULTURA

A primeira bandeira do DEBATE foi se opor à censura da Câmara

Câmara proibiu este jornal de tirar fotos ou gravar sessões durante mais de 4 anos

A primeira bandeira do DEBATE foi se opor à censura da Câmara

Editorial publicado na primeira edição do DEBATE, em 1977

Publicado em: 10 de abril de 2021 às 02:18
Atualizado em: 12 de abril de 2021 às 12:21

André Fleury Moraes

A primeira edição do DEBATE já anunciava a postura combativa que o jornal adotaria para sua eternidade. “Jornal, em cidade pequena, é atividade temerária, principalmente como o nosso, quando não temos a subvenção dos órgãos oficiais, apoio de alas políticas e esta publicação terá de subsistir a mercê dos seus próprios méritos”. disse um editorial publicado na capa em 17 de setembro de 1977.

Por isso mesmo, embates com autoridades não tardariam a acontecer. E vieram logo nos primeiros dias do jornal.

Em comemoração ao Dia do Jornalista, que aconteceu na quarta-feira, 7, o DEBATE relembra o primeiro atrito com a Câmara de Santa Cruz do Rio Pardo, que aconteceu em 1977.

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João Capistrano de Paula era vereador pela Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido aliado da ditadura militar e, naturalmente, avesso a qualquer veículo de imprensa independente. O DEBATE estava na edição número 3 ou 4 — Sérgio Fleury Moraes, seu diretor-fundador, não se lembra ao certo. E era entregue nas ruas pelo próprio jornalista responsável, muitas vezes acompanhado de amigos que o ajudavam. Na rua Conselheiro Antônio Prado, em frente ao Palácio da Cultura Umberto Magnani Netto, Sérgio Fleury Moraes foi chamado por Capistrano.

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— Vi que você montou um jornal. Quero parabenizá-lo pela publicação, é um jornal muito bom. Sou vereador e professor. Não se admire se um dia eu me levantar na Câmara e falar sobre o seu jornal.

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Fleury agradeceu. Até aquele momento, o jovem jornalista jamais havia comparecido à Câmara Municipal para acompanhar as sessões. Mas falava-se muito na época sobre a ociosidade do Legislativo. “O senso comum era, como é até hoje, o de que vereador não faz nada”, diz Sérgio.

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Na edição número seis, então, o adolescente desenhou uma charge em que figurava um homem, deitado sobre uma rede, usando óculos escuros enquanto tomava bons drinques, lendo uma revista Playboy. Logo atrás, anunciado numa placa, lia-se “Câmara Municipal”. Houve revolta.

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— Me avisaram que algum vereador iria falar sobre o jornal na Câmara. Eu decidi ir ao prédio, que ficava na esquina da rua Farmacêutico Alziro de Souza Campos. Para minha surpresa, quem falou foi o próprio Capistrano.

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Com um discurso inflamado, o vereador da Arena pediu o microfone e criticou duramente o jornal. Sérgio sacou seu gravador — na época um Aiko, cujo tamanho se equipara ao de um tijolo – e passou a gravar o que Capistrano dizia. Entre outros termos, o vereador chamou o DEBATE de “Pasquim”, “Jornaleco”, e disse que a charge publicada pelo então decenário era “uma afronta aos vereadores que ocupam esta Câmara”.

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Críticas aceitas, Sérgio Fleury desligou o gravador e se pôs a sentar novamente. Naquele instante, vereadores pararam a sessão e anunciaram que o espaço estava sendo indevidamente gravado. O presidente da casa era o radialista e advogado José Eduardo Catalano, que anunciou a apreensão do gravador de Fleury.

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— Mas, senhores, isto aqui é a casa do povo. Eu tenho o direito como cidadão de gravar o que bem quiser aqui dentro — reclamou Sérgio. Os parlamentares suspenderam a sessão para uma rápida reunião. Ao voltarem, coube a Catalano anunciar a decisão tomada.

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— Como o jornalista não solicitou por escrito o pedido de gravação, a fita será desgravada. — disse Catalano. E de fato foi. A afirmação sobre a necessidade de solicitar ao presidente a gravação era esdrúxula. Tanto que, nas semanas seguintes, Sérgio fez o procedimento. E a solicitação lhe foi negada. Só haveria autorização em 1983.

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É que na Câmara, em 1977, também havia vereadores do Movimento Democrático Brasileiro, o MDB. Seu principal expoente, Jorge Araújo, passou a discursar contra a censura imposta ao DEBATE em praticamente todas as sessões. E isto se tornou uma bandeira da campanha emedebista. Um dos parlamentares, Israel Benedito de Oliveira — o Nenê Mamona —, também aderiu ao movimento. Eleito presidente da Câmara em 1983, no entanto, ele próprio censurou o jornal e negou a solicitação de Fleury para gravar as sessões.

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Mas já eram outros tempos. O presidente era João Figueiredo e a ditadura estava próxima ao fim. Todos os vereadores, à exceção de Mamona, assinaram um documento exigindo permissão a Fleury e a todos os outros para que pudessem gravar e fotografar as sessões legislativas.

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— Não vou nem colocar em plenário. Como trata-se de todos os vereadores, o jornalista está autorizado a gravar e tirar fotografias.

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Fleury levantou-se após anos de censura. Os que estavam presentes o aplaudiram de pé. Apesar dos anos, a primeira bandeira do DEBATE havia sido consolidada. Era a primeira vitória por um jornal que sempre lutou pela democracia e se engajou na luta das Diretas Já. 

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