O ditador nazista Adolf Hitler
Publicado em: 30 de outubro de 2021 às 03:11
Atualizado em: 09 de novembro de 2021 às 20:52
Sérgio Fleury Moraes
Na semana passada, um homem foi denunciado por portar um cartaz com uma suástica nazista durante um protesto de um grupo antifascista na Câmara de Porto Alegre. Na mesma cidade, populares denunciaram o desenho de uma calçada que fazia alusão à suástica. Há alguns anos, em Santa Catarina, drones capturaram a imagem do fundo de uma piscina, onde havia uma enorme suástica feita com ladrilhos. Não são gestos isolados, pois o Brasil vive um momento de surgimento de grupos neonazistas, incentivados pelas posturas do presidente Jair Bolsonaro.
Mas no passado as ações costumavam ser denunciadas por populares e os responsáveis, punidos severamente. Foi o caso de Matias Negrão, que fazia apologia ao nazifascismo durante a Segunda Guerra Mundial e chegou a ser processado e preso, antes de ser absolvido num último recurso.
O caso aconteceu em Santa Cruz do Rio Pardo no início da década de 1940 e os documentos foram disponibilizados pelo Estado, num processo de digitalização da memória brasileira que começou a ser implantada no governo de Luiz Inácio Lula da Silva pelo Arquivo Nacional. São milhares de importantes papeis que relatam ações contra pessoas durante a Segunda Guerra ou ditaduras militares que se instalaram no Brasil, especialmente a partir de 1964.
No caso de Negrão, que era o gerente da Companhia Telefônica de Santa Cruz do Rio Pardo, as denúncias partiram de políticos e moradores da cidade. Imediatamente a polícia remeteu as informações para o Governo Federal, que determinou a abertura de um inquérito no Tribunal de Segurança Nacional. Quase todos os documentos do processo foram disponibilizados pelo Arquivo Nacional.
Segundo o processo, Matias Negrão costumava se manifestar publicamente a favor das forças do Eixo — Alemanha, Itália e Japão — mesmo depois do Brasil romper as relações diplomáticas com estes países e entrar na guerra em 1942. O presidente era Getúlio Vargas, que havia adotado uma política de neutralidade quando o conflito foi deflagrado, em 1939. Entretanto, o afundamento de vários navios mercantes brasileiros por submarinos alemãs e italianos empurrou o País para a batalha.
As investigações contra Negrão começaram em agosto de 1942, através de portaria do delegado de Santa Cruz do Rio Pardo na época, Paulo de Oliveira Filho. A autoridade justificou que “chegou ao seu conhecimento” informações de que Matias Negrão teria “ideias favoráveis às potências do Eixo” e considerou o fato como “grave denúncia”. Em seguida, ele convocou como testemunhas Nelson Fleury de Moraes, Benedito Batista Bueno, Filadelfo de França Aranha, Renato Taveiros, Rafael Sandonato, Genésio de Bem, Octávio de Araújo, João Fleury, Angelo Nicolai, José Graco, Narciso Perin e Eça Taveiros.
Todos relataram que Negrão tinha simpatia pelo nazifascismo e não escondia sua preferência em bares e nas ruas de Santa Cruz. Nelson Fleury, por exemplo, que era gerente da antiga Companhia Luz e Força, disse que em pelo menos uma ocasião ouviu Negrão revelar um estranho entusiasmo às forças do Eixo, antes mesmo do Brasil declarar guerra a estes países.
O motorista Benedito Batista Bueno lembrou que foi amigo de escola de Matias Negrão e sempre o teve como um homem de “temperamento impulsivo e com ideias um tanto duvidosas a respeito do nacionalismo”. A testemunha disse que se afastou de Negrão quando este começou a fazer comentários a favor do nazifascismo.
Entretanto, Bueno contou que certo dia tomava café no bar “Pauliceia” quando Negrão entrou e começou a dizer que a declaração de guerra do Brasil contra o Eixo “era uma bobagem”. Dizendo-se um “exaltado patriota”, Bueno diz que se levantou e chamou o antigo colega de “quinta-coluna”. Em seguida, partiu em sua direção com o intuito de agredi-lo, não conseguindo porque Negrão fugiu.
O fazendeiro Filadelfo de França Aranha, que mais tarde seria vereador e candidato a prefeito de Santa Cruz, confirmou as declarações de Benedito Bueno, já que estava presente no estabelecimento.
O jornalista Renato Taveiros, diretor do jornal “A Cidade”, disse que Negrão costumava fazer comentários a favor das forças do Eixo em barbearias de Santa Cruz. Outras testemunhas relataram fatos semelhantes.
Já o acusado Matias Negrão admitiu que tinha ideias favoráveis ao Eixo, mas somente antes da declaração de guerra do Brasil. “Como bom brasileiro, afirmo que estas acusações são uma infâmia”, disse em declarações.
O delegado especializado de Ordem Pública de São Paulo, contudo, se convenceu de que Negrão cometeu crime contra a segurança nacional ao fazer declarações simpáticas “às potências europeias antidemocráticas, notadamente a Alemanha”. Em setembro, o Tribunal de Segurança Nacional do Rio de Janeiro abriu processo contra o santa-cruzense.
Preocupado, o gerente da Companhia Telefônica contratou os advogados Angelo Aloe e Maria Rita Soares de Andrade, apresentando várias testemunhas favoráveis, além de um abaixo-assinado com uma centena de assinaturas de moradores da cidade, declarando que jamais ouviram o acusado proferir declarações favoráveis ao nazifascismo.
Em janeiro de 1943, a defesa de Matias Negrão novamente negou as acusações e considerou que o gerente telefônico estaria sendo vítima de uma perseguição. Nesta linha de raciocínio, a defesa sustentou que até o delegado de polícia, que presidiu o inquérito, estaria se vingando de Negrão porque este negou instalar um “telefone de mesa” para a autoridade policial. “A denúncia tomou por base este inquérito, feito com esse espírito de vindita pessoal”, diz trecho do advogado do acusado.
Não adiantou. No dia 2 de fevereiro de 1943, o juiz especial Eronides de Carvalho — ex-governador de Sergipe no governo de Getúlio Vargas — condenou Matias Negrão a dois anos de prisão. Na sentença, o juiz disse que o processo mostrou que o acusado “manifestava-se publicamente a favor dos países totalitários, mesmo depois do rompimento das nossas relações diplomáticas com a Alemanha, Itália e Japão”.
O mandado de prisão foi remetido no mesmo dia para o secretário de Segurança Pública de São Paulo, que o enviou para cumprimento à polícia de Santa Cruz do Rio Pardo. Matias Negrão foi preso no dia 22 de fevereiro e recolhido à Casa de Detenção.
No entanto, ficou pouco tempo encarcerado. No dia 16 de março de 1943, o mesmo Tribunal de Segurança Nacional acolheu um recurso e absolveu o santa-cruzense por maioria de votos, sob a alegação de que os elementos dos autos não convenceram que ele tenha cometido delitos.
Desde então, não há mais informações sobre o antigo gerente da Companhia Telefônica de Santa Cruz do Rio Pardo. Seu nome, inclusive, não consta nos arquivos do cemitério da cidade, indicando que provavelmente Matias Negrão, o único santa-cruzense processado por apologia ao nazifascismo, mudou-se para outro município.
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