CULTURA

Um dos últimos campeões da Esportiva, atacante Bravo morre aos 78 anos

Um dos últimos campeões da Esportiva, atacante Bravo morre aos 78 anos

Publicado em: 26 de agosto de 2020 às 00:35
Atualizado em: 30 de março de 2021 às 15:59

Antônio Bravo foi um dos atacantes da Esportiva de 1963, campeã da Segunda Divisão do Campeonato Paulista

Em 1963, Bravo posa com o volante Suíngue



Sérgio Fleury Moraes

Da Reportagem Local

Um dos poucos remanescentes do “esquadrão” da Esportiva Santacruzense campeã paulista da Segunda Divisão, o atacante Antônio Bravo morreu na terça-feira, 18, em Santa Cruz do Rio Pardo. Ele tinha 78 anos e há algumas semanas sentiu-se mal e os médicos diagnosticaram um câncer. Bravo não teve tempo para o tratamento.

A doença surgiu inexplicavelmente e foi muito rápida. Antes da pandemia, por exemplo, Bravo ainda estava nos gramados, disputando o campeonato de veteranos.

Antônio Bravo nasceu no Mato Grosso do Sul, no município de Porto Murtinho, bem na divisa com o Paraguai. Aliás, ele era um “brasiguaio”, pois os pais eram paraguaios. No início de sua carreira como jogador, chegou a ter o apelido de “Paraguaio”.

Jogador com técnica apurada, Bravo jogou em times como Corinthians de Presidente Prudente, Barretos e Juventus da capital. Veio para Santa Cruz do Rio Pardo emprestado do Noroeste de Bauru. Com a camisa da Esportiva Santacruzense, acabou se apaixonando não apenas pela cidade, mas por uma mulher. Com Maria Inês Martins Bravo, teve os filhos Paulo, Antonio, Rubens, Daniela e Michele.

‘O ESQUADRÃO’ — Time que sagrou-se campeão paulista; atacante Bravo está entre os agachados, no centro



Viúvo desde o final de 2014, Antônio Bravo sempre enalteceu a acolhida que recebeu da família de Geraldo Vieira Martins, pai de Maria Inês e ex-prefeito de Salto Grande, além de empresário do ramo de tratores em Santa Cruz do Rio Pardo. Era comum Bravo se emocionar ao falar do sogro.

Na Esportiva, chegou no início da temporada de 1962, quando já se desenhava o grande time que seria campeão paulista. A torcida criticava a equipe, mas tudo começou a mudar com a chegada do técnico Beto Mendonça, ex-Mirassol. Vários reforços logo fizeram a cidade voltar a acreditar na Esportiva. Além de Bravo, chegaram Suíngue — que mais tarde brilharia no Corinthians e no Palmeiras, além de jogar pela seleção brasileira —, Mendoncinha, Milão e outros.

Em sua casa, Bravo tinha várias lembranças da Esportiva Santacruzense



Segundo quem conviveu com Bravo na época, ele mal falava português. “Na verdade, ninguém entendia o que ele dizia, mas aos poucos virou ídolo da garotada”, lembra o economista Miguel Abeche, que acompanhou quase todos os jogos daquela temporada vitoriosa. Na verdade, como filho de paraguaios, Bravo falava espanhol e até o guarani.

O campeonato que consagrou o melhor time de todos os tempos da Média Sorocabana foi tão longo que começou em 1962 e só terminou em setembro de 1963.

Segundo Miguel Abeche, o atacante da Santacruzense ainda protagonizou cenas memoráveis para a torcida. Certa vez, no estádio “Leônidas Camarinha”, fez um gol a “la Maradona”, com a ajuda da mão, sem que a arbitragem percebesse. Em outra ocasião, foi o responsável pelo massacre contra o rival Ourinhense, quando fez três gols e foi ovacionado durante a partida.

Chegada dos campeões à cidade em 1963: Bravo é o terceiro agachado, à direita



Artilheiro paulista

Bravo foi “descoberto” pelo Noroeste do treinador João Avelino. O atacante jogava por um time do Mato Grosso quando enfrentou, num amistoso, a equipe de Bauru. O Noroeste tinha em seu elenco craques como Milão, Batista e Toninho Guerreiro (que foi companheiro de Pelé no ataque do Santos um ano depois). Mas o grande destaque daquele jogo vestia outro uniforme: Bravo.

No final da partida, o técnico revelou seu entusiasmo com o atacante, que foi contratado pelo Noroeste. No entanto, segundo contou o ex-jogador Milão, Bravo era muito tímido e não se adaptou aos vestiários do clube de Bauru. Numa partida qualquer, foi observado pelo técnico Beto Mendonça, que procurava jogadores para reforçar a Esportiva.

Foi, então, que Bravo veio para Santa Cruz do Rio Pardo. E não só o atacante, como também Milão, que era igualmente do Noroeste. A eles se juntaram craques como Suíngue, Mendoncinha, Dido, Padaia, Nelson e tantos outros que fizeram da Esportiva um dos principais times do interior paulista.

Bravo é um dos poucos remanescentes daquele time campeão de 1963, considerado a melhor equipe que já existiu na Média Sorocabana



Campeão da temporada de 1962, que terminou em 1963, Bravo continuou na Esportiva Santacruzense depois do desmanche do consagrado time. Na primeira divisão, foi o artilheiro do Campeonato Paulista de 1966, com 18 gols. O time, aliás, ficou a um passo do acesso à Divisão Especial — a principal do futebol paulista naquele ano —, sendo vice-líder do grupo 1, atrás apenas da campeã Ferroviária. Naquela temporada, porém, apenas dois clubes subiram. A Esportiva foi a terceira colocada.

Porém, Bravo não escapou do pesadelo de todo jogador, quando uma grave lesão praticamente interrompeu sua carreira. Ele rompeu o ligamento cruzado do joelho e, sob os cuidados de um médico da seleção brasileira, voltou a atuar apenas em jogos amadores.

Aliás, ainda “brincava” nos campos em torneios amadores dos “sessentinhas”, já que não há competições para quem beirava os 80 anos.

Antônio Bravo foi sepultado na terça-feira, 18, no Cemitério da Saudade. Nas redes sociais, recebeu inúmeras homenagens de amigos e admiradores. Todas lembraram com emoção o jogador que foi campeão, dentro e fora dos gramados.




O acidente que matou 10 torcedores da Esportiva Santacruzense aconteceu no dia 15 de agosto de 1963, na rodovia Raposo Tavares; corpos chegaram à cidade de caminhão e foram velados no Santuário Nossa Senhora de Fátima. O enterro coletivo foi um dos maiores e mais comoventes da história de Santa Cruz



Triste coincidência: morte de Bravo

ocorreu no mês que marcou tragédia


Antônio Bravo morreu aos 78 anos no dia 18 de agosto, três dias depois de outra triste lembrança. Afinal, o dia 15 de agosto marcou o 57º aniversário do acidente que matou 10 torcedores da Esportiva Santacruzense, numa das maiores tragédias do esporte de Santa Cruz do Rio Pardo. Todos estavam numa Kombi que seguia para a penúltima partida da Esportiva válida pelo campeonato do qual levou o título.

O jogo foi em São Caetano do Sul, contra o Cerâmica. Porém, numa rodovia Raposo Tavares com um movimento intenso — não havia ainda a “Rodovia do Oeste”, atual “Castello Branco” —, a 20 quilômetros de Angatuba a perua Volkswagen bateu de frente com um caminhão FNM, que trafegava na contramão. Os dez ocupantes tiveram morte instantânea.

Após a tragédia, o motorista do caminhão FNM fugiu



Testemunhas contaram que o caminhão andava em velocidade excessiva e fazia manobras imprudentes. Algumas horas antes, o veículo de dez toneladas já havia sido parado numa base da Polícia Rodoviária por estar com um farol queimado. O motorista Hamilton Batista Serra e seu ajudante fugiram do local do acidente.

Os corpos de João Simão Ávila, José Biondo, Adelson Morandim, Sérgio Sartorato, José Cardoso, Otorimo Sartorato, Luiz Andrade, Adalberto Manzo, Antonio Benedito de Andrade e José Carlos de Andrade foram levados para o necrotério da Santa Casa de Itapetininga antes de serem liberados para serem transportados, num caminhão, para Santa Cruz.

O reconhecimento dos mortos esteve a cargo do então prefeito Onofre Rosa de Oliveira, que decretou luto oficial de três dias no município. A tragédia foi noticiada em rádios e jornais do País inteiro, sendo manchete de capa na “Folha de S. Paulo”.

Bravo estava no jogo em São Caetano, vencido pela Esportiva por 1x0. Por decisão dos dirigentes, os jogadores não ficaram sabendo do acidente antes do apito final. Nem mesmos os radialistas da Difusora, que estavam na cabine do estádio, foram avisados da tragédia. Eles transmitiram o jogo inteiro, sem saber que o sinal não estava no ar em Santa Cruz do Rio Pardo. A rádio transmitia, na verdade, apenas músicas fúnebres.

Mesmo abalados, os jogadores demonstraram profissionalismo. Além da vitória em São Caetano, o time arrancou um empate contra o Ituverava na semana seguinte e conquistou o título até hoje inédito. No último jogo, o uniforme teve uma faixa preta em sinal de luto pelos torcedores mortos.

* Colaborou Toko Degaspari



  • Publicado na edição impressa de 23 de agosto de 2020


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