Vista de Santa Cruz em 1902
Publicado em: 23 de outubro de 2021 às 03:05
Sérgio Fleury Moraes
Manoel Francisco Soares, um dos fundadores de Santa Cruz do Rio Pardo juntamente com o padre João Domingos Figueira, foi praticamente esquecido na história da cidade. Bugreiro, ele chegou ao sertão por volta de 1851, certamente na caravana do bandeirante José Teodoro de Souza, quando cercou fazendas em terras de Santa Cruz. Anos depois, doou 100 alqueires para a formação do patrimônio. Porém, em 1872, quando Santa Cruz ganhou a condição de Freguesia, seu nome já não constava nas solenidades civis ou eclesiásticas. Manoel só voltou a ser lembrado como fundador em 1887, quando o “Almanach da Província de São Paulo” o reconheceu como primeiro nome da história do município.
As pesquisas sobre o pioneiro de Santa Cruz foram feitas de forma ampla pelos historiadores Celso Prado e Junko Sato Prado a partir dos anos 1990. E, segundo Celso, ainda não totalmente finalizada, já que é difícil encontrar documentos dos séculos 18 ou 19. No entanto, já se sabe que Manoel Francisco Soares nasceu em 1795 em Airuoca-MG.
Mas em 1962 o então prefeito Onofre Rosa de Oliveira homenageou o fundador com uma lei que instituiu uma pensão vitalícia ao bisneto de Manoel Soares, que vivia em Santa Cruz do Rio Pardo “em penosa situação financeira”, de acordo com o texto do projeto. A Câmara aprovou a lei que foi promulgada no dia do aniversário da cidade, em 20 de janeiro de 1962.
A norma dizia que a pensão a Manoel Eugênio Soares era “uma homenagem do município à família Soares, seus fundadores”. O valor era de 5.000 cruzeiros — a moeda da época —, equivalente a aproximadamente a pouco mais da metade do salário mínimo vigente.
O pagamento seria vitalício e o benefício era “para o casal”, mas não foi possível descobrir o nome da mulher. O pagamento só seria interrompido com a morte de ambos ou, no caso da morte de Manoel Eugênio, se a viúva se casasse novamente. Para as despesas da lei, o então prefeito Onofre Rosa determinou à diretoria de contabilidade da prefeitura que providenciasse a abertura de um crédito especial. Para os anos seguintes, os valores seriam consignados no orçamento municipal.
Porém, pelo menos em relação a Manoel Eugênio Soares, o benefício não durou muito tempo. Ele morreu em setembro de 1963, aos 87 anos.
Hoje, este tipo de concessão de benefício seria considerado improbidade administrativa. No início da década de 1960, entretanto, era um gesto até elogiado.
Não há notícias sobre a possibilidade de a pensão vitalícia ter sido transferida à mulher. O historiador Celso Prado diz que havia evidências de que Manoel Eugênio tinha uma companheira, mas não há registros sobre ela. Descendente direto de Manoel Francisco Soares, ele era filho de um neto do pioneiro que tinha o mesmo nome, algo comum na época.
Celso e Junko, aliás, se debruçaram nos últimos meses em pesquisas sobre o pioneiro Manoel Francisco Soares. E alguns aspectos da vida do pioneiro foram mudados. Imaginava-se, por exemplo, que Manoel havia morrido em São Domingos do Tupá, a comarca eclesiástica que desapareceu na região de Agudos, e sepultado no cemitério que atualmente é o único sinal de que naquele local existiu um povoado.
No entanto, há alguns meses os historiadores se depararam com um documento eleitoral oficial de 1878, com o nome de Manoel entre os votantes. O pioneiro teria, então, 83 anos de idade e os dados informados batem com todas as características de Soares: filho de Athanazio Soares e Joanna Maria de Chaves e nascido em 1795 em Aiuruoca — uma pequena cidade de Minas Gerais que começou a ser formada no final dos anos 1600.
Naquele 1878, o nome de Soares já não era citado em documentos de Santa Cruz, o que levou os historiadores a imaginarem uma fraude eleitoral, muito comum naqueles tempos em que grupos políticos usavam mortos como eleitores.
No entanto, Celso Prado se convenceu de que se tratava mesmo do pioneiro Manoel Francisco Soares quando aprofundou a pesquisa. “Por algum motivo que ainda não descobrimos, em 1878 ele estava praticamente esquecido em Santa Cruz”.
Nesta época, a cidade já experimentava um forte desenvolvimento, especialmente a partir de 1872, pelas mãos de Joaquim Manoel de Andrade, o fazendeiro que transformou um lugarejo incipiente em uma cidade em ascensão no sertão paulista.
Manoel deve ter morrido logo depois do processo eleitoral de 1878, pois seu nome já não constava na lista de votantes da eleição seguinte.
A descoberta muda a versão de que Soares teria sido sepultado em São Domingos do Tupá, onde também foi proprietário de terras. Com certeza, seus restos mortais devem ter sido enterrados no antigo cemitério de Santa Cruz do Rio Pardo, que ficava na quadra onde hoje está localizado o Fórum da comarca e a antiga Delegacia de Polícia.
O jazigo, porém, se perdeu com a mudança do cemitério para a vila Madre Carmem. Restaram os poucos registros sobre Manoel Francisco Soares, o bugreiro que doou as terras para a formação de Santa Cruz do Rio Pardo.
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