CULTURA

Café: símbolo de uma época pujante

Fazenda Palmeiras, de Ipaussu, tinha estação de trem, cinema, vendas e muitos colonos

Café: símbolo de uma época pujante

O imponente palacete da sede da fazenda Palmeiras em Ipaussu, moradia de Eliseu Teixeira de Camargo

Publicado em: 19 de junho de 2021 às 02:35
Atualizado em: 30 de junho de 2021 às 17:56

Sérgio Fleury Moraes

Visitar a fazenda Palmeiras, em Ipaussu, é fazer uma viagem ao passado. Na sede, parece que o tempo parou justamente na época áurea do café na região de Santa Cruz do Rio Pardo. Além do majestoso palacete do dono, hoje vazio, há muitas casas fechadas que antigamente abrigavam inúmeras famílias dos colonos, trabalhadores na colheita e preparação do café. Ainda existem tulhas, o enorme terreiro e até máquinas e equipamentos daqueles tempos.

O café perdeu espaço para outras culturas — na região, especialmente para a cana — e as grandes fazendas se transformaram em verdadeiros museus a céu aberto. Em São Paulo, há propriedades que oferecem passeios turísticos. Outras, foram compradas pelo Estado para fins de preservação e tombamento histórico.

A fazenda Palmeiras, uma das mais antigas da região, ficou conhecida como “Luiz Pinto” por causa da estação de trem e dos primeiros donos. Sim, a propriedade era servida pela ferrovia, inclusive para passageiros. Tinha, ainda, cinema — com sessões várias vezes na semana — e um intenso movimento, inclusive com bar e mercearia. Até os anos 1980, houve até um time de futebol.

Segundo o advogado Luiz Antonio Sampaio Gouveia, santa-cruzense radicado em São Paulo e colunista do DEBATE, o grande empreendedor da fazenda Palmeiras foi Eliseu Teixeira de Camargo, primo-irmão de sua avó paterna. “O Eliseu formou esta fazenda que, no início, tinha cerca de 400 mil pés de café. Como minha avó, ele pertence a uma família pioneira no cultivo de café, com várias fazendas na região de Campinas”, disse.

Gouveia contou que um dos descendentes de Eliseu é o alferes Joaquim Franco de Camargo, considerado o primeiro “rei do café” no Brasil. “Suas fazendas produziam em café tanto quanto era a receita de toda a Província de São Paulo, o que foi um fato fenomenal”, afirmou. O advogado disse que a antiga “Fazenda Luiz Pinto” tinha, ainda, criação de cavalos de raça.

Imensas palmeiras adornam a entrada da fazenda em Ipaussu, uma das mais antigas da região

O cinema, por exemplo, segundo informações, foi fundado em 1951 por Eliseu Teixeira de Carvalho e tinha capacidade para 500 pessoas. Ainda existem restos das baias dos cavalos. De acordo com Sampaio Gouveia, as antigas fazendas são parte do patrimônio nacional em relação à cultura cafeeira e requerem cuidados e atenções.

“É muito importante salientar esta história porque mostra a iniciativa dos homens do café, inclusive com relação a seus funcionários. Afinal, eles costumavam manter atividades culturais para seus empregados, além de médicos e farmacêuticos. Era uma empresa perfeita”, afirmou Sampaio Gouveia. “São modelos na cafeicultura, como foram as fazendas de nossos antepassados”.

A história da Palmeiras, porém, vai se perdendo no tempo. Poucos são os moradores antigos que se lembram da época áurea do café na propriedade. Até mesmo um dos donos, Francisco Eroides Quagliato Filho, o “Kiko”, em razão da idade, sabe da importância da cultura cafeeira na fazenda ouvindo histórias contadas pelo pai e tios.

“Kiko” morou pouco tempo na sede da fazenda. “O lugar na época devia ser maravilhoso. É uma história dos áureos tempos do café que ainda sobrevive”, disse. A família deixou a porteira aberta para apreciação da fazenda e é comum turistas da região, especialmente ciclistas, visitarem a fazenda aos finais de semana. É um paraíso para fotógrafos.

Cine “Alberto Dupas’ funcionou na fazenda a partir de 1951; abaixo, casa de colono, o terreiro e o local onde ficava a tela do antigo cinema

Gerente de Meio Ambiente da Usina São Luiz, o engenheiro agrônomo Manoel Andrade cuidou do plantio de milho na fazenda Palmeiras, logo que os cafezais foram extintos e antes das plantações de cana. A propriedade foi adquirida pelo grupo Quagliato no início dos anos 1980.

Manoel lembra que, logo após a aquisição da propriedade, a família Quagliato decidiu fazer uma última colheita de uma parte do café que ficou conservada, cerca de 60 mil pés. “Os símbolos daquela época ainda estão na fazenda. São coisas que não existem mais, como os gigantescos tijolos das construções. Além disso, há equipamentos para lavagem do café e as antigas tulhas usadas para conservar o produto seco e manter a qualidade”, disse.

o nome “Alberto Dupas” foi em homenagem a um cidadão de Ipaussu

“Era um processo praticamente artesanal, por isso a quantidade de pessoas que viviam na fazenda. O grupo guardou muita coisa, inclusive os velhos mobiliários da sede e alguns equipamentos. Infelizmente a estrutura da cana é outra, hoje totalmente mecanizada e com mão de obra pequena”, lembrou.

Outro santa-cruzense que conheceu a fazenda Palmeiras depois da época de ouro do café foi Darcy Pereira de Souza. Motorista de caminhão, ele fez várias viagens para a fazenda, mas já havia cana. “Quando eu era menino, ainda passava filmes no cinema da Palmeiras. A gente tinha um grupo que gostava de assistir aos filmes ou ver o trem parando na estação”, contou. “Nos anos 1990, ainda havia o antigo projetor, mas o cinema não funcionava mais”, afirmou.

Quando em operação, o cinema apresentava os grandes lançamentos de Hollywood. Tal fato era possível porque o dono da fazenda, Eliseu Camargo, também era proprietário de cinemas em São Paulo.

As bucólicas palmeiras que parecem dar as boas-vindas ao visitante, no longo corredor de entrada da fazenda, talvez sejam um dos últimos símbolos da pujança da cafeicultura em Ipaussu e região.

 

 

Cultivo de café valorizou terras de Santa Cruz já no final do século 19

O café começou a gerar riquezas em Santa Cruz do Rio Pardo ainda no final do século 19, quando a policultura — produção agrícola diversificada numa mesma propriedade — e a criação de porco ou gado foi dando lugar à cafeicultura. Na época, o território de Santa Cruz era imenso e grandes fazendas — inclusive a Palmeiras, de Ipaussu — pertencia ao município. Segundo consta, São Paulo se tornou o Estado mais poderoso do Brasil com auxílio do café.

Segundo o historiador Celso Prado, em 1887 José Custódio de Souza começou a investir na primeira lavoura de café na região de Santa Clara, que depois tornou-se conhecida como distrito de Clarínia. Ele foi seguido por outros investidores, a ponto de provocar uma sobrevalorização das terras de toda a região. Além do café e da especulação imobiliária, havia os investidores das linhas férreas, pois Santa Cruz do Rio Pardo seria beneficiada por dois projetos ferroviários, que iria transformar a cidade num entroncamento. Porém, somente um ramal ferroviário vingou.

Construção ainda abriga máquinas de café na fazenda Palmeiras

No livro “Ereções de Patrimônios e Capelas”, o autor Adriano Campanhole diz que no sertão de Campos Novos Paulista o alqueire passou a valer de 3$000 a 5$000 depois da cafeicultura. Nas propriedades próximas à área urbana, o preço subia para 25$000.

O novo “ouro” da lavoura levou o governo paulista a publicar uma resolução exclusiva para Santa Cruz do Rio Pardo em 18 de maio de 1889, estabelecendo critérios para que os animais não danificassem a cafeicultura. A norma determinava períodos em que os “animais de qualquer espécie” pudessem ser soltos, “à excepção dos porcos”. A resolução dizia que os animais encontrados em terrenos de lavoura seriam conduzidos ao “curral do conselho” e entregues ao fiscal. Todavia, se fossem porcos seriam abatidos e os proprietários, multados.

Celso Prado explica que no início do século 20 já existiam grandes fazendas com plantações de café em Santa Cruz. No entanto, houve uma crise em 1901, quando o governo de São Paulo estabeleceu novos impostos exatamente num momento de queda do preço internacional. Muitos produtores de Santa Cruz foram à falência e o colapso atingiu também o coronel João Baptista Botelho, chefe político do município.

O preço das terras também caiu e foi em 1903 que o coronel Antônio Evangelista da Silva, o “Tonico Lista”, comprou a fazenda Mandaguahy, que teve o maior cafezal de toda a região, com perto de um milhão de pés. Em 1922, Tonico vendeu a Mandaguahy para a Sociedade Moinho Santista por uma fortuna.

Nos ‘anos de ouro’ surgiram até concursos de “Rainha do Café”

 

Mas havia outras grandes fazendas, todas com milhares de pés de café. O médico e fazendeiro Francisco de Paula Abreu Sodré, por exemplo, era dono da fazenda Santo Antônio, que virou “Santa Gema” após ser vendida para Carlos Egydio de Souza Aranha. Depois, ela foi adquirida por José Maria Moreira de Moraes. Em seu início, a fazenda tinha vários imigrantes poloneses como trabalhadores na lavoura.

A fazenda Cocaes também teve uma forte plantação de café, mas o pioneiro José Custódio de Souza sucumbiu na crise econômica de 1901. A propriedade, então, foi adquirida em leilão pela credora inglesa Lidgerwood.

O café começou a desaparecer nos anos 1970, especialmente pelas “geadas negras” que praticamente devastaram as grandes plantações de Santa Cruz do Rio Pardo.

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