Autoridades e convidados descerram a placa alusiva à restauração da “Praça dos Expedicionários”
Publicado em: 30 de janeiro de 2023 às 21:24
Sérgio Fleury Moraes
Emocionante. Esta foi a palavra usada por aqueles que participaram da reinauguração da praça José Eugênio Ferreira — conhecida como “Praça dos Expedicionários” — na noite de quinta-feira, 26, em Santa Cruz do Rio Pardo. O espaço no final da rua Euclides da Cunha foi totalmente revitalizado e reformado. Agora, porém, ganhou painéis com fotos da Segunda Guerra Mundial e até dos soldados santa-cruzenses.
O evento teve a participação do “Quinteto de Metais” do Conservatório de Tatuí, apresentação da cantora lírica Elaine Proença e de bailarinos do Balé Municipal. Mas a solenidade também contou com parentes dos soldados da Força Expedicionária Brasileira que partiram de Santa Cruz do Rio Pardo para os campos de batalha da Segunda Guerra Mundial, na Itália.
São oito soldados homenageados naquele espaço desde 1968, quando a praça passou a ser conhecida como “Expedicionários” — Antônio Vidor, Antônio Inácio da Silva, Biécio de Britto, Edson Dias Brochado, José Bernardino de Camargo, Oswaldo Carquejeiro, Salatiel Dias e Valdomiro Elizeu do Nascimento.
Filha do ex-combatente Antônio Vidor, que morreu em 2017, Suzette Vidor fez questão de participar da reinauguração. Ele chegou a ser entrevistado pelo jornal dois anos antes de falecer, quando contou sua saga de servir no primeiro batalhão na Itália – “o mais perigoso”, segundo ele. Com a patente de tenente, o soldado alcançou o Monte Castelo com as tropas brasileiras, considerada a maior vitória da FEB contra o nazifascismo.
Antes da revitalização da praça, Suzette chegou a denunciar o descaso com o monumento aos soldados expedicionários no período em que o espaço foi totalmente tomado por barracas de alimentação. O monumento servia como suporte de sacos de lixo. Hoje, também revitalizado, ele voltou a adornar o centro da praça.
“Esta obra é de extrema importância para resgatar a memória de Santa Cruz do Rio Pardo. É uma homenagem justa àqueles que representaram o Brasil e nossa cidade”, disse. Suzette, que hoje mora em Santo André, veio a Santa Cruz com outros parentes. “Viemos em três gerações — eu, meu filho e minhas netas”, disse.
Outro filho de ex-combatente de Santa Cruz é Boanerges de Britto, cujo pai foi o inspetor de alunos Biécio de Britto, também homenageado com o nome da escola estadual do distrito de Caporanga.
Biécio foi provavelmente o pracinha com maior visibilidade entre os santa-cruzenses. Ele apareceu no filme “A Estrada 47”, nas imagens da tropa brasileira sendo cumprimentada pelo general estadunidense Mark Wayne Clark, já em solo italiano. A cena foi filmada em 1944 e Biécio aparece com olhar distante e, de repente, vira o rosto para o alto, no momento em que aviões cruzavam os céus.
Boanerges guarda até hoje objetos usados pelo pai na Segunda Guerra e recortes de jornais. Um deles é o capacete de Biécio, que ainda tem marcas de estilhaços de granada. Um dos jornais é dos Estados Unidos, com a foto de Biécio na capa. O soldado santa-cruzense, entretanto, nunca viu as imagens do filme, que permaneceram inéditas durante anos. Ele morreu em 1982.
O filho do ex-combatente elogiou a reforma da “Praça dos Expedicionários”, lembrando que há alguns anos não era possível sequer ver o monumento aos soldados, que ficou escondido no meio de barracas de alimentação. Boanerges, inclusive, ajudou na restauração da placa original aos oito “pracinhas” da FEB, instalada em 1968 pelo então prefeito Carlos Queiroz.
Filho do ex-combatente Salatiel Dias, José Carlos Barcellos Dias mora em Vargem Grande Paulista e fez questão de comparecer à solenidade de reinauguração da praça. Ele foi convidado para representar todos os ex-combatentes no palanque das autoridades.
Nascido em Santa Cruz do Rio Pardo, José Carlos disse que o pai Salatiel só contava histórias da guerra quando era provocado. “Ele não gostava muito de falar porque foi uma situação muito triste. Ele perdeu não apenas colegas de farda, mas muitos amigos. Um deles era noivo do primo da minha mãe e tudo isto fez com que meu pai não gostasse de reviver aquela época”, contou.
Ele lembra que o pai não gostava nem de festas juninas por causa dos rojões. “Acho que o barulho relembrava os campos de batalha”, disse.
Prefeito destaca heróis da guerra;
secretária analisa troca de nome
Praça nunca fio conhecida pelo nome original, “José Eugênio Ferreira”
O prefeito Diego Singolani dividiu o palanque com vereadores, representante dos ex-combatentes e servidores públicos. Pelo menos dois militares estiveram presentes — o sargento Magno Feckner, do Tiro de Guerra, e Paulo Henrique de Souza, da Associação de Veteranos de Pirassununga.
Diego destacou que procura, em seu governo, demonstrar o respeito pela história e a cultura de Santa Cruz do Rio Pardo. “Hoje se resgata uma história dos pracinhas que lutaram heroicamente pelo Brasil num momento de fragilidade do mundo. Com bons santa-cruzenses, foram à luta e voltaram, e esta memória não pode ser esquecida”, afirmou.
“Talvez por causa da luta deles, estamos aqui hoje fazendo esta homenagem”, disse. O prefeito elogiou não apenas a secretária de Cultura Renata Sartori, mas o antecessor Frednes Botelho, que iniciou o projeto de reforma da “Praça dos Expedicionários”.
Aliás, a secretária Renata Sartori confirmou que a administração está estudando a possibilidade de trocar o nome da praça. É que ela nunca foi conhecida popularmente com o nome original, que homenageou o fazendeiro José Eugênio Ferreira, mas como “Expedicionários”, principalmente a partir de 1968, quando Carlos Queiroz fez a homenagem aos combatentes da Segunda Guerra.
Ao longo dos anos, o próprio Poder Público se referia ao espaço como “Praça dos Expedicionários”, como consta em antigos decretos do ex-prefeito Aniceto Gonçalves e em cartões postais de Carlos Queiroz.
“Estamos estudando esta possibilidade, mas é um assunto delicado que envolve também o jurídico”, disse. Se a troca for possível, o nome de José Eugênio Ferreira será transferido para outro logradouro público da cidade.
Renata lembrou que há informações sobre um antigo obelisco aos combatentes da Revolução Constitucionalista de 1932 que teria sido instalado no mesmo espaço. “Nós pensamos em fazer uma homenagem aos constitucionalistas, mas em outro local”, revelou.
Em entrevista depois da cerimônia, o prefeito Diego Singolani lembrou a trajetória do projeto de revitalização até a reinauguração do espaço. Em 2020, por pouco o monumento em homenagem aos soldados não foi destruído. É que o ex-prefeito Otacílio Parras havia autorizado a remoção do monumento para instalação de uma nova barraca de lanches. A “remoção”, pelas características do monumento, causaria sua destruição.
Na época, o Ministério Público resolveu agir, proibiu o ato do prefeito e instaurou um inquérito. Otacílio desistiu da ordem e no início de 2021 já no governo de Diego Singolani, o município firmou um acordo com os comerciantes e com o Ministério Público para a retirada de todas as barracas. O objetivo era impedir a instalação de barracas, mas permitir que os mesmos comerciantes pudessem posteriormente atuar como “food trucks” na calçada, em dias determinados.
“A retirada dos vendedores foi traumática, mas queríamos algo diferente. Hoje, temos uma praça que conta toda a trajetória dos nossos soldados da Segunda Guerra, num espaço em que as crianças podem aprender história”, disse. Segundo Diego, a promessa de dar prioridade aos antigos comerciantes será cumprida. “Existe este compromisso, caso os donos das barracas optassem pelo food trucks. Por enquanto, estamos aguardando algum deles solicitar a licença”, disse.
Alegria do fim da guerra
terminou numa tragédia
Os oito soldados que partiram de Santa Cruz do Rio Pardo para o campo de batalha da Segunda Guerra Mundial em terras italianas deixaram um país tropical para lutar numa temperatura de até 20 graus negativos, com sensação térmica de -40. Mesmo assim, a FEB foi vitoriosa na luta contra o nazifascismo.
Os soldados santa-cruzenses embarcaram para a Itália em julho de 1944, dois anos depois de o Brasil declarar guerra ao Eixo — Alemanha, Itália e Japão. Eles viajaram a bordo do navio “General Meigs”, dos EUA. A maioria ainda era muito jovem — Antônio Vidor, por exemplo, tinha apenas 19 anos de idade.
Biécio de Britto, inspetor de alunos durante décadas na escola “Leônidas do Amaral Vieira”, também era jovem. É ele quem aparece num filme sobre a Segunda Guerra Mundial, nas imagens em que um general dos Estados Unidos recebe a tropa brasileira.
Os soldados voltaram ao Brasil em 1945. A rendição da Alemanha, entretanto, causou uma tragédia em Santa Cruz.
Quando o anúncio de que a Alemanha se rendeu chegou a Santa Cruz do Rio Pardo, através das ondas do rádio, a população saiu às ruas em passeata, comemorando o fim da guerra.
Foi quando o estudante Maurício Andrade tentou subir na carroceria de um caminhão em movimento e foi atropelado. Ele morreu na hora e as festividades foram canceladas.
Em Santa Cruz, também houve processos contra pessoas que faziam apologia ao nazifascismo. Numa ação do início da década de 1940, Matias Negrão, gerente da Companhia Telefônica da cidade, foi acusado de ser simpatizante do nazismo.
Os documentos sobre o processo estão disponibilizados no Arquivo Nacional, inclusive o inquérito policial com declarações de testemunhas.
Todas confirmaram que Matias Negrão não escondia sua preferência pelo regime nazifascista e se posicionava publicamente em apoio às forças do Eixo, lideradas por Hitler. O processo foi encaminhado ao Tribunal de Segurança Nacional.
Negrão chegou a ser preso e posteriormente condenado a dois anos de prisão pelo Tribunal de Segurança presidido por Eronides de Carvalho, ex-governador de Sergipe no governo de Getúlio Vargas.
Dois meses depois, o mesmo tribunal acolheu recurso e absolveu Matias Negrão.
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