CULTURA

Coluna de Pascoalino S. Azords - Edição de 25/02/2018

Coluna de Pascoalino S. Azords - Edição de 25/02/2018

Publicado em: 27 de fevereiro de 2018 às 20:12
Atualizado em: 29 de março de 2021 às 08:38

Não sabe escrever?

Pascoalino S. Azords

Da equipe de colaboradores

Se fosse convidado a dar aula de formação literária, Bukowski obrigaria seus alunos a assistir corridas de cavalo uma vez por semana e apostar pelo menos 2 dólares em cada páreo. Conforme iam se tornando escritores, os alunos se veriam cada vez mais mal vestidos e talvez até tivessem que ir a pé pra faculdade — mas teriam o que dizer. Para Bukowski, “um dia no hipódromo pode ensinar mais que quatro anos de universidade”. Ele também citava como exemplo um de seus mestres, Hemingway, que ia às touradas para escrever. Eu lembraria o Dráuzio Varela, que frequenta presídios como médico voluntário, e de lá já tirou três grandes livros.

Se me convidassem para dar umas aulinhas de redação, qual seria o meu programa nessa terra sem hipódromos, sem praças de touros e carente de presídios? Obrigava meus alunos a frequentar a casa de uma rezadeira, pelo menos uma vez por semana.

A rezadeira atende de porta aberta, como certos médicos. Se você não se fizer de surdo, não se entreter com outra coisa, acaba ouvindo tudo. A primeira consulta começa com um breve questionário. Assim, a rezadeira fica sabendo se o visitante lhe traz um problema seu ou de um parente próximo. Se o problema é de saúde, de emprego, ou sentimental. Se trouxe alguma fotografia ou uma peça de roupa da outra pessoa. Não trouxe? Pode voltar amanhã ou quando quiser. Na rua, sete carros estacionados, algumas placas de cidades distantes, e o balé das andorinhas sob o olhar de um único bem-te-vi no alto do poste. Um corredor estreito leva à varanda dos fundos, onde sete pessoas adultas e duas crianças de colo aguardam. A próxima senha de atendimento é a de número 45. Quarenta e quatro pessoas já passaram por ali hoje, e ainda são 9h25 da manhã! Nenhuma roupa no varal. Varal de sete fios de arame. Quatro bambus para esticar o varal e apenas um prendedor. Um filtro de barro com uma caneca plástica e roxa. Muitos vasos de flor, mas nenhuma flor entre as folhagens que um dia foram orquídeas, antúrios, flores-de-maio...

João Vitor tem um ano e quatro meses, usa moletom preto com distintivo do Corinthians e ainda mama no peito. Mesmo sem querer, são essas coisas que se fica sabendo na fila de espera, se você não quiser prestar atenção na conversa da rezadeira que vem lá de dentro da sua sala acanhada. A porta entreaberta, produtos de limpeza e mantimentos que depois serão distribuídos para famílias pobres — é o preço da consulta, se você quiser pagar.
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