CULTURA

Dois capitães: um de verdade, outro de araque

A incrível história de um capitão que salvou milhares de pessoas da morte num plano macabro da ditadura militar

Dois capitães: um de verdade, outro de araque

Marechal Henrique Lott, um democrata que impediu golpes militares e garantiu a posse de Juscelino

Publicado em: 27 de agosto de 2022 às 06:51
Atualizado em: 13 de setembro de 2022 às 17:47

Miguel Abeche
Especial para o DEBATE

 

Eu não bato palma para maluco dançar. O Marechal Lott e o Capitão Sérgio Macaco também não batiam.

O primeiro acabou com a arruaça promovida por Carlos Lacerda e a sua base militar encastelada no governo Café Filho vice-presidente imposto por Ademar de Barros a Getúlio e eleito com os votos desse a vice-presidente. Com o suicídio de Getúlio, assume a vice-presidência Café Filho, já aliado com os inimigos do “velho” que o elegerá.

As eleições de 1955 lembram muito as eleições que se aproximam. Queriam proibir a candidatura de Juscelino Kubitschek para presidente e João Goulart para vice, cujo acordo entre JK e Jango havia sido costurado por Oswaldo Aranha e Tancredo Neves na granja São Vicente em São Borja, propriedade e residência de Jango, logo após o enterro de Getúlio Vargas.

Café Filho havia dito que JK e Jango não deveriam ser candidatos. Ao contarem a Juscelino o que o presidente havia dito, o então governador de Minas respondeu com outra pergunta: “Quem disse isso? O café vegetal ou o animal?”. Provocou risos e ajudou a desanuviar o ambiente.

 

Marechal Lott durante evento diplomático

 

Com a vitória da dupla JK-Jango em outubro de 1955, militares ligados a Lacerda iniciaram um movimento para impedir a posse dos eleitos. Havia um obstáculo: o então Ministro da Guerra (era este o nome do Ministério do Exército), Marechal Henrique Teixeira Lott, que defendeu a integridade das urnas e da vontade popular que queriam fraudar, duvidando da lisura das eleições.

Lott acabou com a baderna promovida por círculos políticos, militares e da imprensa que endossava o golpe contra o pronunciamento popular. Através de uma ação rápida e estratégica, abortou o golpe apoiado pelo então presidente Café Filho e uma ala das Forças Armadas que não aceitavam a volta de figuras ligadas à Getúlio Vargas ao poder e a derrota do candidato por ele apoiados, o Marechal Juarez Távora.

Lott foi o guardião da democracia e da vontade popular. Não batia palmas para malucos dançarem e garantiu, com o movimento de 11 de novembro, a posse dos eleitos pelo voto.

 

Juscelino visita Santa Cruz do Rio Pardo e é recebido pelo deputado Leônidas Camarinha, que não o apoiou

 

Em 1960 foi candidato a presidente da República, e derrotado pela “vassoura” de Jânio Quadros, aceitou o resultado com a maior tranquilidade, vivendo até o seu último dia entre seu apartamento em Copacabana e seu sítio em Teresópolis. Nunca houve um militar como Lott, o primeiro em tudo.

Em 1968 o Brasil foi varrido pelo inconformismo de uma geração que via a liberdade ser cultuada e vivenciada em parte do mundo ocidental e vivia a contradição de ver sua liberdade cerceada através da censura, prisões e exílios.

Sem eleições para presidente e governador e tudo em nome do combate ao comunismo, reproduzindo aqui tudo que os regimes ditos comunistas faziam onde estavam instalados. Era o nazifascismo para combater o comunismo, uma estupidez total. Contrariando tudo o que já havia sido vivenciado, suprimia-se o voto para não permitir que a população escolhesse livre e soberanamente seus governadores e presidentes.

A ditadura tinha medo do povo, como todos os regimes autoritários e totalitários.

 

Em reunião com o general Márcio de Souza Melo, ministro da Aeronáutica (centro da foto), o brigadeiro Burnier, que tentou simular um ataque terrorista, está à direita

 

Em 1968 o Brigadeiro Burnier convocou vários coronéis da Aeronáutica para uma trama macabra desenvolvida em várias etapas. A primeira delas era criar um clima de terror com a finalidade de um fechamento total do regime instalado com o golpe militar-empresarial de abril de 1964.

Para isso, era necessária uma ação de proporção gigantesca com grande impacto em toda a população. O Brigadeiro Burnier reuniu uma quantidade de militares da tropa da elite da aeronáutica e expôs seu plano: explodir o gasômetro do Rio de Janeiro no horário do trânsito pesado, às 18 horas, o que levaria a morte de mais de 50 mil pessoas. Colocariam a culpa em grupos de esquerda, haveria clamor popular, e a linha dura das Forças Armadas exigiria um regime ultra fechado.

Em seguida, teria início a segunda fase do plano: o assassinato de todos os inimigos, inclusive pessoas que participaram do golpe de 1964, como Carlos Lacerda — que se afastou do regime ao se aliar a JK e Jango na construção da Frente Ampla. Juscelino seria jogado de helicóptero em alto mar, enquanto Jango e Brizola seriam mortos no Uruguai onde estavam exilados. Enfim, o objetivo era criar um estado de terror e viveríamos em um regime de horror.

O capitão Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho, o “Sérgio Macaco”, ouviu o plano e confrontou o Brigadeiro Burnier com coragem e clareza: “Entrei nas Forças Armadas para defender o Brasil e sua população. Não sou bandido para provocar um banho de sangue em pessoas inocentes, com a finalidade de criar um regime de terror. Isso é um ato contra o Brasil, contra sua gente e contra todos os princípios que norteiam a Aeronáutica do Brasil. Não participo de uma covardia e crueldade como essa”. O capitão Sérgio denunciou o golpe, inclusive ao Brigadeiro Eduardo Gomes, evitando que essa chacina se concretizasse.

O capitão Sérgio Macaco foi cassado pelo Ato Institucional número 5 (AI-5).

O Brigadeiro Eduardo Gomes lutou pela anulação do ato que o expulsou da Aeronáutica e pela volta dele aos quadros da Força Aérea. Não conseguiu.

O herói que salvou dezenas de milhares de vidas perdeu o cargo, patente, salário e a vida. Ernesto Geisel acreditava que o capitão Sérgio falava a verdade, mas não conseguiu reconduzi-lo novamente à Aeronáutica Brasileira. Um capitão de verdade que não batia palma para maluco dançar.

 

Sérgio ‘Macaco’ morreu sem usufruir da indenização concedida pelo governo federal. Cassado pelo AI-5, perdeu a carreira, os salários e a patente militar

 

Hoje temos um ex-capitão na presidência, que foi expulso do Exército acusado de planejar explodir bombas nos quartéis, matar pobres recrutas, colocar a culpa na esquerda e com isso viabilizar a implantação de uma ditadura. A descoberta do croqui do plano e a sua prisão desmantelou as ideias malucas que depois negou.

Eleito presidente depois de defender a tortura, uma guerra civil e outras loucuras, abandonou o país para andar de motocicleta e jet ski. Definitivamente, não gosta de trabalhar. Fez um governo estúpido e ridículo, sem qualquer compromisso com os interesses do Brasil e dos brasileiros. Preocupou-se em armar a sua claque, sem nenhuma preocupação com a pandemia que nos levou quase 700 mil brasileiros. Deu uma banana para os que vivem com salário mínimo, reconduzindo o seu valor a menos do que uma cesta básica. Deixou a inflação e a miséria se alastrar e a pouco mais de um mês da eleição tenta ganhar o voto dos que abandonou com um mísero 600 reais. Agora tenta trazer as Forças Armadas para um estragégia de emparedar a Justiça, numa tentativa de “venezuelização” do Brasil.

As Forças Armadas não são de direita, esquerda ou centro. São guardiãs das nossas fronteiras e da nossa defesa contra qualquer agressão externa. Pertencem e são mantidas pelo povo brasileiro. Não cabe a ela sair em defesa ou apoiar qualquer candidato. Se o fizer, deixam de ser as Forças Armadas e se transformam numa guarda pretoriana ao estilo das republiquetas bananeiras.

O Sete de Setembro é de todos os brasileiros, e não de um ex-capitão maluco com complexo de ditador. O ex-presidente Ernesto Geisel, perguntado sobre Jair Bolsonaro, respondeu: “Foi um péssimo militar”. E acrescento: um péssimo presidente.

 

O capitão Sérgio com Cláudio Villas Bôas, irmão do santa-cruzense Orlando: profunda admiração

Sertanistas Villas Bôas
admiravam o capitão Sérgio

 

Sérgio Fleury Moraes

O capitão Sérgio Ribeiro  Miranda de Carvalho foi um verdadeiro herói brasileiro, porém esquecido. Sua atitude de recusar o plano terrorista do brigadeiro Burnier, num dos mais violentos períodos da ditadura militar, salvou mais de 50 mil vidas — alguns estimam 100 mil, já que a explosão do gasômetro provocaria outros incêndios em cadeia, inclusive dentro de residências. Além de dizer “não” a um brigadeiro, Sérgio “Macaco” — apelido que ganhou entre os militares paraquedistas — denunciou tudo à sociedade.

O plano de Burnier era macabro. Além de explodir o gasômetro, haveria atentados contra as lojas Sears, a embaixada dos EUA e a sede do Citibank. Além disso, seriam sequestradas e mortas personalidades como Juscelino Kubitschek, Carlos Lacerda e até o bispo católico dom Helder Câmara. E a culpa de tudo seria dos “comunistas”.

O capitão Sérgio foi um dos criadores do “Para-Sar”, grupo especial de paraquedistas que atuava em missões especiais, inclusive no auxílio de tribos indígenas.

Os índios adoravam Sérgio, tanto que o chamavam de “Nambiguá caraíba” — “homem branco amigo”.

Aliás, foi na selva que ele e tornou amigo dos irmãos sertanistas Cláudio e Orlando Villas Bôas — este último nascido em Santa Cruz do Rio Pardo e tinha confiança total no capitão Sérgio. Além dos famosos sertanistas, também eram grandes admiradores de Sérgio “Macaco” personalidades como o médico Noel Nutels e o antropólogo Darcy Ribeiro.

SANTA CRUZ DO RIO PARDO

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