Oficialmente, Maria Gabriel tem 93 anos, mas ela diz que os pais demoraram para fazer o registro: "Pelos meus cálculos, já tenho 97"
Publicado em: 23 de junho de 2023 às 01:20
Atualizado em: 23 de junho de 2023 às 02:00
Sérgio Fleury Moraes
Seu nome é Maria Gabriel da Silva Batista, a “dona Maria”, como é conhecida pelos sócios do Icaiçara, o clube mais tradicional de Santa Cruz do Rio Pardo. Ela é a “xerife” do clube, responsável por fiscalizar os jovens no setor das piscinas. Basta um olhar para que a ordem seja estabelecida. Com fama de “durona”, ela conseguiu impor o respeito ao longo de décadas.
Maria é funcionária do clube há quase 60 anos. Quando entrou, a piscina grande havia acabado de ser inaugurada. “Aqui é a minha vida”, diz, dispensando a aposentadoria e continuando na ativa aos 93 anos. Aliás, ela garante que tem mais, já que morava num sítio em São Pedro do Turvo e os pais demoraram muito para registrar a filha. “Pelos meus cálculos, eu completei 97 no dia 10”, diz.
O Ica faz parte de sua rotina diária. Na pandemia quando foi obrigada a ficar em casa — e não contraiu a Covid-19 —, “dona” Maria teve até um princípio de depressão. “Eu não aguento ficar longe do clube. Não via a hora de voltar”, diz.
Era tão ligada ao clube que uma diretoria antiga cedeu um imóvel como residência para Maria Gabriel. Ela só saiu da casa muitos anos depois, quando o imóvel foi derrubado para a construção de uma quadra de areia.
Apesar da idade avançada, ela diz que tem a saúde em ordem. “Eu só tenho um pouco de cansaço”, diz. Em casa, é ela quem faz a limpeza e o almoço. “Só quando preciso de uma faxina mais forte, com a necessidade de arrastar móveis, é que contrato alguém”, explica.
Viúva há mais de 40 anos, Maria teve uma vida difícil. Apanhava da madrasta na ausência do pai, no sítio de São Pedro onde nasceu, e decidiu sair de casa para tentar um emprego na cidade. Em Santa Cruz do Rio Pardo, foi faxineira durante muitos anos até encontrar um caminhoneiro por quem se apaixonou. Teve os filhos Antônio Carlos e Luiz Augusto. “Eu tive sorte. Meu marido era muito bom”, diz, lembrando que nunca quis se casar novamente.
Um dia, foi convidada para fazer faxina no Icaiçara. E não saiu mais. Ou seja, ela é um caso raro de alguém que não sabe o que é ficar desempregada.
“Eu fiz de tudo. Subia em escada para limpar os vidros do segundo andar e entrava na piscina até para limpar os azulejos”, lembra. “O piso ao lado do salão era taco e, certa vez, ficou tão brilhante que algumas mulheres escorregaram”, conta, rindo.
Dona Maria não teve oportunidade de frequentar escola e, por isso, praticamente não sabe ler e nem escrever. Mas como ela fazia, então, quando ficava na portaria para vigiar a entrada de sócios durante os bailes? “Era só dar o nome que eu sabia de cor”, garante.
Hoje, tem satisfação em reencontrar crianças e adolescentes que levaram muitas broncas dela há décadas, e que hoje levam os filhos no clube.
Nada escapa da “xerife”. Nos bailes, ela percebia quando a carteirinha não era de quem estava tentando entrar. Certa vez, escutou jovens falando sobre drogas e não teve dúvidas: comunicou a secretaria que, imediatamente, convocou os pais. Por sorte, era apenas uma brincadeira de adolescentes.
Entrar nas instalações do Icaiçara na companhia de Maria Gabriel é um exercício de paciência. A todo instante, pessoas abraçam e beijam a idosa, tamanho o carinho que ela despertou nos sócios. “Não deixo ninguém falar nem palavrão”, diz.
Ela conheceu a geração da “velha guarda” do Icaiçara e, inclusive, fazia o café noturno para as reuniões dos líderes do clube, geralmente pertencentes ao grupo político dos “azuis”. Maria se lembra que o terno para a primeira comunhão dos filhos — hoje ambos com mais de 60 anos — foi comprado num crediário na antiga Casa Brasileira, cujo dono era o ex-presidente José Maria Santos. “Hoje, meu patrão é o filho dele”, lembra, citando o atual presidente João Marcelo Santos.
A maioria dos antigos diretores já não estão neste mundo. No entanto, eles sempre brincaram que “Dona” Maria já era um patrimônio do clube. “Eles diziam que, quando eu morrer, iriam me enterrar debaixo da escada que dá acesso às piscinas. Mas foram embora antes”, afirmou.
* Colaborou Toko Degaspari
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