CULTURA

Geraldo Machado: 'Pense em mim, chore por mim'

Geraldo Machado: 'Pense em mim, chore por mim'

Publicado em: 09 de dezembro de 2018 às 21:03
Atualizado em: 30 de março de 2021 às 08:52

Pense em mim, chore por mim

“Sê deste mundo como

o martim-pescador,

que mergulha e volta a sair

da águas sem ter

molhado as plumas.”

Geraldo Machado

Temos todos, olhos de ver e olhos de chorar. A dor nos faz chorar, a alegria e a tristeza, também. Ao nascer, choramos num prelúdio da birra. Acostumamos com a luz e choramos no claro. Tropeçamos, caímos, cortamos o dedo e procuramos a mãe para chorar. Assoprar o ferimento dizendo, carinhosamente: “antes de casar sara”. Casamos e não sara. Vêm alegrias e sofrimentos. Choramos outras vezes. Rimos muito.

Meu pai era um homem feliz, muito alegre. Nunca o vi doente. Morreu do coração, já idoso. Minha mãe deixou, morrendo, uma tristeza profunda, insustentável no coração do companheiro. Lembro-me das histórias do Joãozinho e da Maria, contadas pela minha mãe, para nos embalar para o sono fácil do menino de sítio, que pulava o dia todo “naquelas tardes fagueiras”. Nos trechos tristes da história infantil, desciam lágrimas dos olhos de minha mãe. Lembro-me até hoje o quanto sofreu meu pai, do quanto ele chorou ao me deixar, com treze anos, no Colégio Interno, em Botucatu. Com a Maria, minha irmã, foi mais difícil. Vendo-a chorar à porta do Colégio dos Anjos, na mesma Botucatu, ele esteve por pouco para trazê-la de volta. E meu pai era um homem rijo.

Tenho acompanhado com muito sentimento, pois sou também (herdado dos meus bons pais), muito sensível às manifestações da alma, a perda de grandes homens da música popular. Já ficamos sem o Nelson Gonçalves, o Frank Sinatra e, então, o Leandro do Leonardo. Grande provação para ele. Grande tristeza para nós que temos a graça de sermos sentimentais e românticos. Chorou em uníssono todo o Brasil. Do campo à cidade, de joelhos de tanta dor. A televisão tem o condão de universalizar os sentimentos, do alegre ao triste; da comédia ao drama; do riso às lágrimas. Quantas mocinhas a chorar de emoção diante do palco. Choraram de comoção ao vê-lo partir, moço ainda, com um futuro tão largo para encantar.

Quero lembrar para os meus leitores, que se comoveram como eu pelo desaparecimento do Leandro, um trecho de leitura sempre atual: “Este mundo não é senão uma ponte. Tranpõe-na, mas não construa nela a tua morada”. “Sem casa nem telhado que o albergue, o homem aparece no mundo como um emigrante, como um nômade”.

Eu, que na tristeza sei ser lacônico, aproveito a oportunidade desta dorida recordação — sem sair da sabedoria hindu — para contar outra história de leitura ao meu bom leitor. São lições de vida, de grande e exemplar sabedoria.

“Havia em Benares um farmacêutico que tinha a fama de ser um grande sábio. Um de meus amigos indianos, filho da cidade, passava todos os dias diante da farmácia com respeito. Mais tarde entrou para compras, mas jamais ousou formular sua pergunta. Finalmente, quando já contava trinta anos, decidiu-se:

— O que aprendeu o senhor da vida? – indagou.

— Que vivo – respondeu-lhe o farmacêutico. E nada mais disse.”

É, também, o que aprendi até hoje. Por isso, por saber tão pouco em tão longo viver, valho-me da leitura e, com ela, empresto o viver dos outros mais vividos do que eu, melhores do que eu. Noutros tempos aconselharia os moços para o hábito da leitura e da convivência com aqueles que tiveram o privilégio da sabedoria. Hoje não ouso esse aconselhamento. Nem aos filhos, nem aos netos. Não aceitam interferência. Como vai ser triste para eles envelhecerem um dia, sozinhos sem ter do que rir, do que chorar. Vendo “paisagens” da Lua e de Marte...

Termino, orando com Miguel de Unamuno:

“Mate-me, Pai Eterno, em teu peito, misterioso lar, dormirei ali, pois venho desfeito do duro brigar”.

* Publicado em 2011
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