CULTURA

Geraldo Machado: "Sertão alegre - II"

Geraldo Machado:

Publicado em: 16 de maio de 2020 às 04:48
Atualizado em: 30 de março de 2021 às 02:20

Sertão alegre - II

Geraldo Machado *

“Mudam os rostos,

mas as marcas

serão eternas”

— Paulo Bonfim

Leitor da carta que não é minha, mas podia ser uma vez que eu, adulto, chamava a minha mãe de mamãe. “Leonardo (como eu também) era matuto da ribeira do Sitiá, no Quixadá. De menino ouvira e falara ele próprio a verdadeira língua do sertão que os de fora, interessados no falar do povo, tentam recolher e sempre reproduzem tão mal, pois em geral se preocupam com o vocabulário e desdenham a sintaxe, que é o essencial”.

Leitor, antes de copiar a segunda parte da “carta à mamãe”, cito um artigo do Roberto Damatta, A parte e o todo, verdade e mentira. Damatta diz: “Existem 6.909 línguas distintas ou singulares no planeta!”. “Do sertão (não da mata), da matuta da ribeira do Sitiá, Rachel de Queiroz, temos a verdadeira língua do sertão e vamos falar como eles, folcloristas”.

Vou continuar dada, a vênia ou com o perdão da palavra, a carta do “rapazelho semianalfabeto”, um estranho na cidade “monarca de grande” — vamos lá, que o DEBATE vai sair e me apressa. “Mamãe, a luz daqui é feita num tal de gazome, não precisa pavio nem trucida de algodão mode acender: é só distorcer uma torneira como quem tira cachaça de ancoreta e riscar um fosco que a luz acende biatamente e tão culara que faz é gosto! Se o cristão não acender mais que depressa, espalha um cheiro de cebola podre danada, diz que pru via de tal de carboreto.

“Mamãe, aqui tem um jogo chamado biá que não hái diabo que entenda, mas porem só joga nele gente de famia: é arredó duma mesa grande, forrada c’um pano, como baú de pregaria, e os jogador segurando uma vara mode empurrar umas bolas que é vê ôvo de ema. Quando estão jogando, de por visto dois mexedor de farinha num forno de barro, ajeitando o rôdo, mode não desmanchar o beijú.

“Mamãe, aqui tem um latejo invesive que é um tal de cinema. É só a musga tocar, aparece umas figura de gente, de animal e de rua, tudo prefeito, mesminho como estivesse vivo e bolindo. O cinema é um pano esticado parecido com vela de embarcação e é a coisa mais bonita e mais encantada que eu já vi.

“Mamãe, cheguei onte da Tutólia. Fui nas barcas da Companhia Busse mode trabaiá num vapor inguilês, ganhando dois minréis por dia e quatro por noite. Na Tutólia a gente vê o mar inté onde ele encosta nas paredes do céu. As barcas sacode a gente chega fazer dor de istambo e vontade de gumitar que nem urubu novo, tudo isso por via do desassossego do mar. O vapor inguilês é um paidégua de grande, maior do que a vante de fumo do compadre Domingo Prêto e mais alto que o pé de tamarina da porta lá de casa. Os porões de botar carga são tão fundo que escurece a vista do cristão que espia. O pessoal que mora no vapor são tudo branco rozagá, ôio azul e cabelo vermêio.

“A fala deles só pro diabo, não há quem entenda: é uma embruiada como de priquito em roça de milho novo. São danado por um papagaio e por cachaça: dão inté roupa de gazimira por um papagaio ou por uma garrafa de gerebita.Quando os inguilês falam uns cos outro é uma trapaiada direitinha a de tia Damiana, adispois que teve a moléstia do ar.

“Outra coisa engraçada que eu acho é os inguilês do vapor tudo se chamar piloto: mode coisa que os Padres da terra deles não batizam ninguém com outro nome. Mamãe pr’eu contar tudo diretamente não hái papel que chegue. Vou acabar porque já me dói às bonecas dos dedos de eu tanto escrever.

* Publicado originariamente em 2007

* IN MEMORIAM



  • Publicado na edição impressa de 10/05/2020


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