Publicado em: 28 de outubro de 2023 às 17:37
Atualizado em: 28 de outubro de 2023 às 17:44
Sérgio Fleury Moraes
Era o primeiro semestre do ano de 1990, quando Dom Pedro Carlos de Saboya Bourbon Y Parma D’Orleans e Bragança chegou a Ourinhos. Se apresentou como príncipe e herdeiro da família real brasileira e logo cativou a sociedade ourinhense. Viveu três meses de glória, até ser desmascarado como um falsário cujo nome verdadeiro era Milton Portugal.
A impressionante história do suposto herdeiro do imperador brasileiro enganou muita gente, especialmente da alta sociedade. O príncipe chegou a dar aulas na FIO (antiga Faculdades Integradas de Ourinhos e atual Unifio), tendo sido convidado pelo diretor da instituição na época, Péricles Zanoni, com o apoio do então vice-presidente da Fundação Educacional Miguel Mofarrej, Nildo Ferrari.
Na FIO, inclusive, o suposto Dom Pedro D’Orleans e Bragança ministrou a aula inaugural de “Materiais”, para alunos do 4º ano do curso de Administração. Ele também encantou os alunos da escola “Horácio Soares” ao ser convidado para uma palestra. Todos teriam ficado surpresos com a retrospectiva da trajetória do príncipe e pelo fato de ser extremamente culto.
O farsante enganava facilmente as pessoas. Antes de Ourinhos, ele morou em Ponta Grossa, no Paraná, onde conheceu o tapeceiro Júlio César Duarte, que pretendia instalar um comércio na cidade. Os dois se encontraram numa pensão e ambos procuravam vagas para morar. Em junho de 1988, os planos comerciais deram errado e Júlio retornou a Ourinhos.
Em depoimento à polícia na época, Júlio contou que sempre desconfiou da história de Milton Portugal ser, na verdade, um descendente de do Pedro. Em maio de 1990, porém, Milton apareceu na casa de Júlio e disse que iria morar em Ourinhos e assumir a condição de herdeiro da família real brasileira.
Em razão da amizade firmada no Paraná, Milton passou a morar nos fundos da tapeçaria de Júlio. Ele andava pelas ruas de Ourinhos com um Volkswagen Voyage branco, com uma placa que, depois, a polícia descobriu ser adulterada. No porta-luvas, havia um emblema metálico indicando que o veículo pertencia à família imperial brasileira. Foi o próprio Milton quem confeccionou o reluzente objeto.
Mas o “príncipe” conquistou a sociedade. Foi homenageado em vários clubes e recepcionado em jantares especiais promovidos pela elite. Nestas ocasiões, era o próprio “D. Pedro” quem encaminhava os protocolos, indicando o cardápio, qual a posição dos talheres e a necessidade do público se levantar quando ele entrava ou saía do salão. Tudo era seguido à risca. Os aplausos ao representante da família real eram intensos.
O protocolo, aliás, tinha o timbre da “Casa Imperial de Bragança”, assinado por um suposto Osório Affonso de Queiroz, com todas as normas segundo as quais as pessoas deveriam se dirigir ao “príncipe” e o cardápio recomendado.
Documentos, por sinal, não faltavam para legitimar o “príncipe” que estava em Ourinhos. Na FIO, por exemplo, ele apresentou diplomas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, University Of Maine (EUA), Mid State College (EUA), Saint Vicent College (EUA) e muitos outros. Tudo impressionava, mas não passavam de falsificações.
Nos corredores da faculdade de Ourinhos havia um orgulho daqueles que se intitulavam amigos do “príncipe”. Teve gente que se gabava desta amizade, proferindo frases de deboche em relação à professora Adelheid Chiaradia, que lecionava História Natural na mesma instituição e era a mulher do então prefeito Clóvis Chiaradia. “Ela pode ser primeira-dama, mas eu sou amigo do príncipe”, diziam alguns.
Talvez por isso o prefeito Chiaradia foi um dos poucos que não caiu no “conto do vigário”, possivelmente alertado pela própria esposa. Assim, um dos poucos locais não visitados pelo “príncipe” foi o gabinete do então prefeito. Na verdade, o médico Clóvis Chiaradia não gostava de badulações.
Na época, o jornalista Yuri Félix Araújo — que também era chargista — publicou várias charges sobre Milton Portugal, expondo a elite da sociedade ourinhense ao ridículo. Hoje morador na Bahia, Yuri dá gargalhadas quando se lembra do caso do “príncipe”.
A jornalista Rose Pimentel também se lembra de como o “príncipe” era tratado em Ourinhos. “Ele foi homenageado em jantares de gala em Ourinhos e Salto Grande”, disse.
Tudo começou a ruir para Milton Portugal quando o delegado Francisco José Hial resolveu investigar a autenticidade do “príncipe”. A partir de uma denúncia sobre carro roubado com a placa adulterada, ele chegou ao endereço do suposto integrante da família real.
Era uma residência humilde da vila Odilon, nos fundos da tapeçaria de Júlio César Duarte, o que aumentou anda mais as suspeitas. Afinal, como um Orleans e Bragança vivia num casebre em Ourinhos?
“Dom Pedro” foi preso e se apresentou como sendo Michael John Mallory, um cidadão dos Estados Unidos que teria fugido daquele país por causa de problemas com o imposto de renda. Este nome, inclusive, estava no passaporte que ele apresentou ao delegado.
Era outra mentira, que logo foi descoberta. O veículo Voyage, na verdade, não havia sido roubado e a placa adulterada fora feita pelo próprio Milton Portugal. O carro foi retirado de uma locadora em Blumenau/SC, onde foi alugado por 300 dólares e não mais devolvido.
Na casa do “príncipe”, policiais encontraram um grande arsenal de materiais usados para falsificar documentos. “Ele é um ótimo falsário”, disse na época o delegado Francisco Hial. A cédula de identidade, por exemplo, expedida em Santa Catarina, era mesmo oficial, expedida depois que Milton falsificou e tirou cópia do documento que alegou ter perdido.
As investigações também descobriram que o falsário deu aulas numa faculdade de Avaré e chegou a participar da inauguração de uma creche em Florianópolis, onde foi recebido como “Sua Alteza Imperial”. Havia a suspeita de que, em outras cidades, ele teria aplicado golpes no comércio e até em bancos.
Condenado, Milton Portugal cumpriu parte da pena na cadeia pública de Ourinhos. Muitas vezes, não ficava sequer atrás das grades. Com uma boa conversa, afável e educado, o prisioneiro tinha a deferência de ficar numa sala.
Aliás, consta quele alfabetizou alguns colegas na cadeia, escrevia ou lia cartas para presos e conquistou uma grande simpatia no presídio. Ele até conseguiu autorização para trocar o nome das celas por “apartamentos”, numa iniciativa para “humanizar” o local.
Depois, Milton simplesmente desapareceu. Não há nem sequer registros do nome dele na internet.
Grupo de Ourinhos pode
gravar um curta-metragem
A inusitada história da presença de um “príncipe” imperial em Ourinhos pode ser contada em um curta-metragem. Um grupo ligado à cultura de Ourinhos está finalizando o projeto que deverá ser apresentado pela “Lei Paulo Gustavo” para fins de incentivo e financiamento.
O grupo ligado ao Soarte optou por idealizar uma narrativa de ficção baseada em fatos reais. O motivo é óbvio. “Seria muito difícil realizar um documentário com entrevistas de pessoas que testemunharam o fato ou interagiram com o personagem, porque elas foram enganadas por um estelionatário e certamente não desejariam assumir”, explicou o fotógrafo Rafael Lefcadito, que integra o grupo.
O ator que vai interpretar o “príncipe” já está até escolhido e o elenco terá a participação de poucas pessoas. “Se o projeto for um dos escolhidos, a ideia é fazer a pré-produção até dezembro ou, no máximo, janeiro. Neste caso, a produção começaria em fevereiro, com previsão de edição e finalização em maio ou abril”, explicou Rafael.
O projeto do curta-metragem de aproximadamente 15 minutos terá a inclusão de jornais da época, com reportagens sobre a história do “príncipe”. “Pretendemos utilizar um narrador, como se fosse um jornalista sensacionalista, para dar as notícias. A ideia é que, entre as cenas da produção, surjam o locutor sensacionalista e as matérias da época”, disse o fotógrafo.
O projeto será entregue até o dia 27, último prazo para acesso aos benefícios da “Lei Paulo Gustavo”.
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