CULTURA

Integralistas espalharam violência em Ipaussu

História de fanatismo e violência foi narrada em livro pela professora Maria Luiza Egreja, que morreu aos 94 anos

Integralistas espalharam violência em Ipaussu

“DEUS, PÁTRIA E FAMÍLIA” — O integralismo se tornou um movimento de fanáticos que agitou o Brasil nos anos 1930: saudação era semelhante ao nazismo

Publicado em: 12 de fevereiro de 2022 às 02:30
Atualizado em: 16 de fevereiro de 2022 às 21:08

Sérgio Fleury Moraes

A discussão sobre a possibilidade ou não de se permitir manifestações nazistas no Brasil tomou o debate público na semana passada. Primeiro, o apresentador Bruno Aiub, conhecido como “Monark”, defendeu a legalização de um partido nazista no Brasil, depois de questionar se “racismo era mesmo crime”. Em seguida, o ex-BBB Adrilles Jorge, que virou “analista político” da TV Jovem Pan, fez uma saudação semelhante ao “Sieg Heil”, cumprmento nazista, depois de defender o apresentador Monark.

Ambos foram demitidos ante a repercussão negativa dos gestos, mas os episódios não são isolados. Apenas mostram publicamente que a extrema-direita está mais viva do que nunca. Afinal, os dois perderam o emprego menos pelas declarações e mais pela reação das comunidades judaicas — que retiraram publicidade dos veículos — e de autoridades brasileiras.

 

Na foto, Plínio Salgado está no centro, com o uniforme e a legra Sigma: saudação "anauê!" era muito semelhante à nazista

 

O movimento neonazista reaparece muitas décadas depois dos anos 1930 e ligado a um governo extremista. Nos anos 1930 já existiu o Partido Nazista no Brasil, uma das representações que o ditador Adolf Hitler mantinha em 83 países. O Brasil, porém, tinha o maior grupo de filiados fora da Alemanha — quase 3.000 — espalhados por 17 estados.

O Partido Nazista convivia ao lado da Aliança Integralista Brasileira, outro movimento de extrema-direita inspirada no fascismo italiano e cujo principal líder foi Plínio Salgado. Seu lema era “Deus, Pátria e Família”. Os integralistas usavam um uniforme militar verde, com a letra grega sigma como emblema no lugar da suástica. Marchavam nas ruas, muitas vezes com fanfarras ufanistas e bandeiras, bradando “anauê!”, uma saudação muito próxima do nazismo porque era feita com o braço estendido.

Nazistas e integralistas colaboravam entre si, inclusive em espionagens no Brasil. Eram tão próximos que, no Rio Grande do Sul, os partidos Nazista e Integralista dividiam a mesma sede. Na verdade, a Aliança Integralista Brasileira criou uma legião de fanáticos de Norte a Sul.

Escritor e fundamentalista católico conservador, Plínio Salgado foi deputado estadual por São Paulo (1928-1930) e federal por quatro mandatos, de 1959 a 1974. Seu livro mais destacado foi “A Vida de Jesus”, já que ele usava a religião não apenas como concepção de vida, mas também para arregimentar multidões. Não é mera coincidência qualquer comparação com os dias atuais.

Os integralistas agitaram o Brasil com ideias fascistas e, militarista, o movimento queria eleger um “duce” no País. Durou até 1938, quando foi considerado clandestino pelo presidente Getúlio Vargas, o mesmo que implantou o Estado Novo com o apoio dos integralistas.

“DEUS, PÁTRIA E FAMÍLIA” — O integralismo se tornou um movimento de fanáticos que agitou o Brasil nos anos 1930

 

Em 1955, Plínio Salgado candidatou-se à presidência da República e ficou em quarto e último lugar, mas com surpreendentes 8,28% dos votos. O eleito foi Juscelino Kubitschek, com 35,68%.

Mas na região Plínio Salgado tinha forte apoio. Em Santa Cruz do Rio Pardo, foi o terceiro mais votado, com 964 votos, à frente de Juscelino com 491. O candidato vencedor na cidade foi Ademar de Barros, com 3.127 votos.

Em Ipaussu, Plínio Salgado também foi o terceiro colocado, com 508 votos — o último foi Juscelino Kubitschek com 498. E era justamente neste município que a Aliança Integralista foi muito forte.

A professora Maria Luiza Egreja Alves Lima, que morreu no dia 1º de fevereiro aos 94 anos, deixou um texto sobre os integralistas publicado no livro “Memórias de Ipaussu”, lançado em 1995 pelos historiadores Geraldo Peres Generoso e Vitório Maistro. Nele, a filha do ex-deputado Sylvestre Ferraz Egreja conta sobre a formação da “Frente Negra” em Ipaussu e os embates com os integralistas de Plínio Salgado.

O curioso é que a cúpula da “Frente Negra Brasileira” (FNB), talvez a primeira organização negra do Brasil, fundada em 1931, apoiou durante anos os integralistas. Mas houve dissidências que não concordavam com os ideais dos “galinhas verdes”, como pejorativamente eram chamados os integralistas, principalmente porque outro de seus líderes, Gustavo Barroso, era antissemita e racista.

FERRAZ EGREJA — O deputado por Ipaussu Sylvestre Ferraz Egreja (segunda da direita para a esquerda) no Icaiçara Clube, com Aquino Rosso, o então governador Roberto Costa Abreu Sodré, Onofre Rosa e Amaury César

 

No texto reproduzido no livro, que foi publicado originalmente na década anterior no jornal “Ilha Grande”, Maria Luiza Egreja conta que a “Frente Negra” foi muito ativa em Ipaussu e puxava o carnaval de rua da cidade cantarolando a marchinha “preta, pretinha, este ano tu serás rainha”.

“A Frente foi, talvez, o primeiro clube organizado de Ipaussu. Possuía sede (onde hoje foi construído o Salão Paroquial), diretoria e estatutos registrados. Além de ser um clube social, possuía seu time de futebol”, escreveu “Mariinha”.

Segundo ela, o criador da “Frente Negra” foi Manoel Roque, considerado “um mulato inteligente”. Era alfaiate e queria elevar o nível social do negro na cidade. Por isso, as festas e bailes promovidos pela organização eram impecáveis, sem incidentes. Segundo escreveu Maria Luiza, a Frente contava com o apoio de seu pai, o então prefeito Sylvestre Ferraz Egreja. Como não especifica datas, é possível situar os acontecimentos, pois Egreja foi prefeito de 1934 a 1937.

Como em todo lugar, o grupo integralista de Ipaussu era formado por fanáticos fascistas. “Tão certo estavam de sua vitória que, arrogantes, pretendiam exercer o poder antes mesmo de conquistá-lo. E esta atitude prepotente provocava as brigas e desavenças”, contou Maria Luiza Egreja. Segundo a professora, eram também racistas.

No Rio Grande do Sul, sedes do Partido Nazista e da Aliança Integralista funcionavam no mesmo local

 

Em Ipaussu, os integralistas tinham como chefes as famílias Carmelingo e Bonfanti. Mas os adversários das ideias racistas e fascistas foram crescendo, como o próprio prefeito Sylvestre Ferraz Egreja, Breno Noronha e outros. “Mariinha” contou que o professor Júlio Mastrodomênico escrevia artigos “violentos” contra os integralistas e a tensão política aumentou.

Nas manhãs de domingo, os “camisas verdes” entravam na igreja marchando, cantando o hino integralista e portando bandeiras. No “momento da elevação”, uma das partes da missa católica, o grupo cantava o hino nacional.

Jornal com propaganda eleitoral da campanha de Plínio Salgado

 

Mas um dia um dos líderes dos integralistas, Hugolino Bonfanti, declarou que “preto não era gente”. Os membros da “Frente Negra” resolveram agir num comício programado pelos “camisas verdes” na sacada do antigo Cine Orion. Os integralistas chegaram ao local triunfantes, marchando com sua fanfarra e a bandeira brasileira. A “Frente Negra” chegou em seguida e aguardou o primeiro discurso.

Foi quando o líder negro Mané Roque gritou: “Companheiros, vamos arrancar a bandeira brasileira das mãos destes covardes”. Em seguida, tomou a bandeira e o tumulto se transformou no maior “quebra-pau” da história de Ipaussu.

Segundo contou “Mariinha” em seu texto, a briga feriu muitas pessoas, inutilizou instrumentos da fanfarra e provocou a prisão de integrantes de ambos os grupos. No entanto, era apenas o início de um período tenso em Ipaussu durante a efervescência integralista.

O prefeito Sylvestre Ferraz Egreja pediu e conseguiu a libertação de todos os membros da “Frente Negra”, que foram acompanhados até suas casas para garantir a segurança.

Dias depois, a sede dos integralistas em Ipaussu foi invadida e todos os papéis foram jogados na rua e incendiados. Um inquérito policial não chegou aos culpados, mas nas ruas, segundo Maria Luiza Egreja, a voz do povo indicava que os “heróis” seriam o líder da Frente, “Zé Morte”, e membros do Partido Constitucionalista, do prefeito municipal.

Mas os integralistas revidaram e quase mataram o secretário da prefeitura, o conhecido Siqueira. Ele tinha um porte físico semelhante ao do professor Júlio Mastrodomênico e foi alvejado na rua, com o tiro rasgando seu paletó. O autor do disparo foi Hugolino Bonfanti, que imaginava ter atirado no professor Júlio. O criminoso fugiu imediatamente, pulando quintais e se escondendo atrás de uma mangueira.

Porém, o integralista foi encontrado por Anselmo Bueno, que o trouxe para a rua “aos supetões”. Uma multidão avançou sobre Bonfanti, que certamente seria linchado não fosse a intervenção de Cristiano Rodrigues da Silva. Em seguida, o atirador foi entregue à polícia. Ficou pouco tempo preso e a família sumiu de Ipaussu. Mas não foi só. Enquanto o integralista estava escondido, a multidão invadiu o “Bar dos Bonfanti”, com o apoio da “Frente Negra”, e tudo foi depredado. Desta vez, o prefeito Sylvestre Ferraz Egreja correu para acudir a família ameaçada pelo povo. A polícia também tentou intervir e houve tiros, pancadarias e correrias. “Os integralistas brigavam com todo mundo”, resumiu Maria Luiza Egreja.

Em todo o País, a agitação não era diferente. Em 7 de outubro de 1934, os seguidores de Plínio Salgado marcaram um comício na Praça da Sé, em São Paulo, para comemorar os dois anos do “Manifesto Integralista”.

Grupos rivais antifascistas, entretanto, entraram em confronto com os “camisas verdes”, numa violenta batalha que culminou com sete mortos — um estudante, três integralistas, dois agentes policiais e um guarda civil —, além de 30 feridos. Os integralistas fugiram, abandonando suas camisas verdes pelas ruas para evitar mais agressões. O episódio ficou conhecido como “a revoada dos galinhas verdes”.

Pancadaria e mortos em 1934, na “revoada dos galinhas verdes” em plena Praça da Sé, em São Paulo

 

Em 1938, A Aliança Integralista Brasileira foi extinta pelo presidente Getúlio Vargas e seu líder Plínio Salgado foi preso e, um ano depois, enviado para Portugal num exílio que durou seis anos.

E a “Frente Negra” de Ipaussu? Ela ainda durou alguns anos, principalmente como clube social. “A Frente foi um marco na história de Ipaussu e sempre será um acontecimento inapagável em nossa memória”, escreveu Maria Luiza Egreja no livro “Memórias de Ipaussu” de 1995. 

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