CULTURA

Itália tem museu que mostra epopeia da FEB

Local foi visitado pelo santa-cruzense Plínio Rhigon, que mora na Itália; Montese foi palco da mais sangrenta batalha da FEB

Itália tem museu que mostra epopeia da FEB

Dona de hospedaria, Rosella mostra fotos de familiares na guerra

Publicado em: 19 de outubro de 2023 às 23:47

Sérgio Fleury Moraes

 

O santa-cruzense Plínio Rhigon descobriu que uma cidade da Itália tinha um museu com objetos e relatos da epopeia da FEB — Força Expedicionária Brasileira — na Segunda Guerra Mundial. Não teve dúvida alguma. Pediu para um amigo levá-lo até a cidade italiana, mas percebeu que não era temporada e quase tudo não funcionava, inclusive o museu.

Plínio mora atualmente em Pádova. Como a visita foi feita num período fora de temporada, não havia hotéis e nem restaurantes disponíveis. Na rua, perguntou para uma mulher sobre como se hospedar e contou que era brasileiro. De repente, todas as portas se abriram.

Uma hospedaria disponibilizou um quarto para o santa-cruzense, um restaurante abriu sua cozinha apenas para atender Plínio e o museu, que permanece fechado nesta época, permitiu que o artista e professor visitasse suas instalações. “Me senti um rei”, contou Plínio.

A dona do hotel chegou a declarar uma frase que emocionou Plínio. “Ela me disse que todos estão vivos graças aos soldados brasileiros, que lutaram por aquela cidade e deram de comer ao povo. Ela lembrou que nossos soldados salvaram Montese dos nazistas”.

 

Plínio Rhigon em Montese, ao lado da "linha gótica" sobre a Segunda Guerra Mundial
Plínio Rhigon e o diretor do museu, Ermínio Bernardi

 

Na verdade, Montese tem enorme gratidão pelo País que libertou a cidade durante a Segunda Guerra Mundial. Mais do que isto, os soldados brasileiros também improvisaram hospitais, cuidaram de doentes e distribuíram alimentos. São considerados heróis por todos os habitantes daquela região da Itália.

A dona do restaurante, de nome Rosella, lembrou que muitos habitantes de Montese foram mortos ou morreram de fome antes da chegada das tropas brasileiras na Segunda Guerra Mundial. “Ela me contou que o pai sobreviveu porque foi encarregado de jogar fora o lixo dos nazistas. E ele comia o que encontrava no lixo, como cascas de batata ou restos de alimentos”, disse.

“Eu sempre tive curiosidade para conhecer Montese. Sei, por exemplo, que eles promovem manifestações todos os anos, principalmente em escolas, para lembrar a batalha que envolveu os brasileiros da FEB. A população não deixa que esta história se perca”, contou Plínio.

 

O museu histórico sobre a Segunda Guerra Mundial de Montese destaca a participação das tropas brasileiras na libertação da cidade do exército nazista e mostra centenas de objetos usados pelos soldados da FEB
Jornal italiano publicado em português está em exposição no museu

 

A guerra feroz pela tomada de Montese pelas tropas brasileiras durou três dias — 14 a 17 de abril de 1945 —, mas os soldados ainda permaneceram cerca de 40 dias na cidade para evitar qualquer contraofensiva do 14º exército alemão. A vitória da FEB foi importante porque rompeu as linhas inimigas e permitiu que os aliados cercassem uma enorme divisão nazista, aprisionando cerca de 21 mil alemães.

A Batalha de Montese é considerada a mais sangrenta da FEB na Segunda Guerra Mundial. A estimativa é de que pelo menos 400 soldados brasileiros morreram naquela região de Itália. Depois da guerra, os corpos foram removidos para a cidade de Pistoia, onde há um cemitério exclusivo de pracinhas do Brasil. Em todas as incursões da FEB na Itália, morreram pelo menos 2.000 soldados brasileiros.

 

Museu mostra quepes, cantis e até granada usada por oficiais brasileiros; abaixo, monumento à FEB

 

O interessante é que a população de Montese, a princípio, se surpreendeu com a presença de negros na tropa brasileira. “Na verdade, grande parte da cidade nunca tinha visto um negro na vida. Mas o sorriso deles cativou Montese”, conta Plínio.

Os brasileiros, de acordo com as explicações de Hermínio Bernardi, diretor do museu, improvisaram capacetes como panelas para alimentar não apenas a tropa, mas a população de Montese. É que a cidade estava totalmente destruída pelo nazismo e não havia sequer utensílios domésticos.

O museu histórico fica na “frazione” de Maserno, uma espécie de distrito de Montese. Plínio só não quis ver as trincheiras usadas pelos soldados brasileiros, que fica a 700 metros do museu. “Deve ser um local pesado, já que morreram muitos soldados naquele local”, explicou.

Na porta do museu, há bandeiras da Itália, do Brasil, dos Estados Unidos e da União Europeia. O espaço também tem muitos objetos das tropas dos Estados Unidos, inclusive alimentos enlatados.

Durante duas horas, Plínio Rhigon disse que se emocionou com os objetos dos “pracinhas” brasileiros que estão em exibição no museu. Há uniformes, armas, jornal italiano publicado na língua portuguesa, símbolos da FEB, capacetes, fotos e muitas explicações sobre a participação da FEB nos combates em Montese.

“O museu é rústico e você pode tocar nos objetos. Fiquei imaginando se algum soldado de Santa Cruz do Rio Pardo lutou em Montese”, disse Plínio.

 

Acima, a imagem do santa-cruzense Biécio de Britto num filme feito pelo Exército dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial; abaixo, “Lilo” Abeche com as tropas brasileiras nos campos de batalha da Itrália

 

Santa-cruzenses podem ter participado
das batalhas de Monte Castelo e Montese

 

Na conhecida “Praça dos Expedicionários” (cujo nome oficial é José Eugênio Ferreira), há os nomes dos oito soldados da FEB que partiram de Santa Cruz do Rio Pardo em direção aos campos de batalha da Segunda Guerra Mundial na Itália. São eles Antônio Vidor, Antônio Inácio da Silva, Biécio de Britto, Edson Dias Brochado, José Bernardino de Camargo, Oswaldo Carquejeiro, Salatiel Dias e Valdomiro Eliseu do Nascimento. Não há, entretanto, informações adicionais sobre a participação deles nas batalhas contra o nazifascismo.

É possível que eles tenham combatido em frentes diferentes, como Monte Castelo e Montese. A primeira aconteceu entre novembro de 1944 e fevereiro de 1945. Já a guerra em Montese ocorreu logo em seguida, em abril de 1945.

Um dos pracinhas, por exemplo, entrevistado pelo jornal em 2015, contou que permaneceu dois anos nos campos de batalhas da Segunda Guerra Mundial. Ele foi o último vivo dos soldados santa-cruzenses, pois morreu em janeiro de 2017. Vidor contava ter participado da tomada de Monte Castelo e é provável que também tenha servido na batalha de Montese.

Em suas memórias, o ex-soldado da FEB Elias Moyses Abeche cita que esteve na guerra em Montese. Quando convocado, “Lilo” morava em Curitiba, mas depois da Segunda Guerra se casou com uma santa-cruzense e passou a ser um comerciante na cidade.

Abeche lembrava que um de seus amigos mais próximos na guerra era Biécio de Britto, santa-cruzense que durante muitos anos foi inspetor de alunos da escola “Leônidas do Amaral Vieira”.

Biécio, por sinal, aparece num filme feito pelo Exército dos Estados Unidos, em cujas imagens aparece o general estadunidense Mark Wayne Clark cumprimentando as tropas brasileiras da FEB em 1944. Quando a câmera aponta para os soldados da FEB, Biécio de Britto está olhando para o alto, provavelmente acompanhando aviões dos EUA.

Biécio morreu em 1982 e nunca viu o filme.

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