CULTURA

João Zanata: Economia no divã

João Zanata: Economia no divã

Publicado em: 06 de junho de 2020 às 10:26
Atualizado em: 29 de março de 2021 às 21:04

Economia no divã

João Zanata Neto

Da Equipe de Colaboradores

— Aquele era o meu restaurante predileto. Todos os dias, sem faltar um só, eu estava lá, degustando, na minha opinião, a melhor gastronomia do país. Quiçá, a melhor do mundo. Não... tudo bem. É um pouco de exagero da minha parte. Bom, se não é a melhor, é uma das melhores. É uma apoteose culinária. Veja o cardápio. Frutos do mar, massas, carnes! Ah! E o serviço então! Garçons de primeira linha, tipo iate clube. O local sempre foi bem frequentado. A sociedade dava lá o ar da sua graça, desfilando nobreza. Todo mundo muito bem trajado, todos elegantes e corteses, uma verdadeira corte real. Essa gente toda endinheirada formava um grupo bem fechado, tipo os milionários alemães que são os mais discretos do mundo. Para estes, divulgar a fortuna não traz nenhuma vantagem. Eles se recusam à publicidade até da Forbes. De fato, ficar milionário no pós guerra mundial pode suscitar muitos questionamentos na Alemanha. Não... tudo bem. Saí um pouco do assunto, não é?! Aquele restaurante era o meu predileto porque restaurava em mim toda uma esperança, uma vontade de pertencer àquele mundo onde tudo podia ser maravilhoso. Pode até parecer infantil ou ingênuo dizer desta forma, mas era o que de fato eu sentia por estar ali desfrutando com toda aquela elite refeições memoráveis. Eu nunca morei de fato naquele bairro de gente grã-fina, mas lá me sentia um morador local. Eu me dei bem na vida, bons negócios e muita grana acumulada em pouco tempo. É a melhor forma de adquirir respeito. Para falar comigo hoje, tem que passar por quatro funcionários. Mas, eu não falo diretamente com ninguém. Me tornei um inalcançável. Há gente que nunca me viu ou sequer conversou diretamente comigo. Ter muita grana gera este distanciamento. Esta indiferença e frivolidade acompanha a nobreza como uma sombra. Os idealistas sociais tem verdadeiro ódio deste comportamento, mas o dinheiro faz isto com as pessoas. Creio que não seja adequado ou necessário ser desta forma, mas não estou aqui como uma pessoa isenta de parcialidade para julgar. Estou apenas dizendo como as coisas são. Pela lógica das coisas eu até poderia analisar o comportamento da nobreza, mas eu não desejo de forma alguma ser taxado de hipócrita. Na verdade, conto tudo isto, como fiquei ricaço, para justificar a minha presença naquele restaurante. Eu descobri depois de ganhar muita grana que me sentia um pouco solitário. Como é possível ser tão rico e se sentir deslocado? Eu precisava encontrar os meus semelhantes. Aonde estaria a elite desta sociedade? Então, este restaurante foi uma espécie de portal. Um dos meus poucos amigos milionários me deu esta dica: para encontrar os milionários é preciso desperdiçar dinheiro. Eu pensei muito sobre esta maldita frase. Digo maldita porque parece ser uma ideia correta. Eu trago comigo um certo pão-durismo que se opõe ao desperdício e por isto esta ideia tinha uma relutância em minha mente. Depois de relutar muito, resolvi seguir a dica. Comecei a frequentar o restaurante e torrar somas inconfessáveis. Lá tudo é muito caro. Paga-se muito por uma pequena porção. Cada prato, uma obra de arte insultantemente pincelada com mostarda e molho de tomate. É preciso aprender regras de etiqueta para lidar com tantos talheres e cristais. E tudo isto só para degustar uma pequena porção que eu denomino de intenção de paladar, algo que dá uma pequena noção do paladar. No final, valeu a pena. Agora faço parte daquela elite e sou muito paparicado por aquela gente. Eles me consideram como um gentleman no bom linguajar britânico. Na época, pertencer à elite me fez sentir pleno e aquela sensação de isolamento se foi. É muito fácil acostumar com esta vida boa. Depois de algum tempo desfrutando daquela elite, me senti parte daquele meio e me dei ao luxo de conhecer a cozinha do restaurante. Feito um nobre tripulante do Titanic que resolve conhecer a embarcação. Você nem imagina o desapontamento. Era um contraste muito grande entre os dois universos. Seria muito melhor não ter visto. Foi um trauma tão grande que me fez vir até aqui para lhe dizer. Quem sabe o melhor psicanalista do país poderá me dar uma luz ou uma explicação razoável?

— Eu me sinto honrado com a sua lisonja e espero poder lhe ajudar, mas... bom, em primeiro lugar, o seu trauma é tão semelhante àquela reunião ministerial que deixou a sociedade chocada. Nunca se viu tanta vulgaridade em pouco tempo, não é?! Mas... bom, normalmente os milionários não refletem muito. Eles possuem uma moral relativa. Eles normalmente só sentem um golpe nos delírios onipotentes quando perdem grandes somas. Mas... no seu caso eu vejo algo diferente que ainda não está bem claro. Mas... bom, conte-me mais.... 

* João Zanata Neto é escritor santa-cruzense, autor do romance “O Amante das Mulheres Suicidas”.



  • Publicado na edição impressa de 31 de maio de 2020




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