Foto do coronel Antônio Evangelista da Silva, o ‘Tonico Lista’
Publicado em: 17 de julho de 2021 às 01:40
Sérgio Fleury Moraes
O assassinato do coronel Antônio Evangelista da Silva — o “Tonico Lista” — em julho de 1922 foi um dos fatos mais marcantes da história política de Santa Cruz do Rio Pardo. No entanto, o episódio é repleto de mistérios, acusações e, segundo descoberto agora, coincidências. O médico legista que fez a autópsia no corpo do coronel, no necrotério do cemitério do Araçá em São Paulo, tinha sido amigo de Tonico e fazendeiro em Santa Cruz. E mais: morou em São Simão-SP, cidade em que nasceu o coronel que foi chefe político absoluto durante mais de uma década.
O médico legista foi Carlos Gonzaga de Oliveira, irmão mais velho do fazendeiro Lisandro Gonzaga, o bisavô do advogado Renato Alvim Gonzaga de Oliveira, de Santa Cruz do Rio Pardo. O surpreendente é que Carlos foi legista do corpo de Tonico Lista aparentemente por pura coincidência, já que era plantonista naquele fatídico dia 8 de julho de 1922.
Renato Alvim conta que, segundo informações da família, Carlos Gonzaga já era fazendeiro em Santa Cruz muito antes da morte de Tonico. A propriedade ficava nas proximidades de Ipaussu, que no início do século 20 pertencia ao município. “Os irmãos mais novos, entre eles meu bisavô Lisandro, vieram de Resende-RJ para tomar conta da fazenda de Carlos”, explicou.
Lisandro se tornou vereador e comprou a loja “Rainha do Sertão” do coronel Tonico Lista. Anos depois, o comércio foi novamente vendido, desta vez para a família Campbell.
Algum tempo depois, Lisandro se transformou num dos maiores cafeicultores do Estado, sendo homenageado em várias ocasiões por publicações da época. Ele também foi um dos pioneiros de Londrina, onde doou parte de sua fazenda para a construção do campus da universidade UEL.
Outro irmão, Francisco Gonzaga de Oliveira, chegou a ser prefeito de Santa Cruz em 1947, ano da conturbada retomada democrática em que a cidade pelo menos oito prefeitos.
Outra coincidência: o comerciante santa-cruzense Roberto Gonzaga de Oliveira, pai do advogado Renato, é neto por parte de mãe do médico Pedro César Sampaio, um dos profissionais que acompanharam o agonizante coronel Tonico Lista no trem da Sorocabana, na busca por socorro médico em São Paulo.
Carlos Gonzaga formou-se em medicina no Rio de Janeiro e teve passagens por Ribeirão Preto e São Simão, exatamente a cidade em que nasceu Tonico Lista. Em 1893, segundo registros do “Projeto Compartilhar”, ele foi testemunha de um casamento naquele município. Tinha 30 anos.
Em agosto de 1897, era o intendente de São Simão, cargo equivalente a prefeito, e se envolveu numa confusão em meio a uma violenta pandemia de febre amarela. A Câmara, então, destituiu-o do cargo e ele recorreu à Justiça.
Para se afastar das contendas políticas, mudou-se para Santa Cruz do Rio Pardo em 1909. O nome dele aparece numa relação oficial do Estado de São Paulo como um dos profissionais que exerciam a Medicina na cidade. Há documentos de 1898 sobre o batismo de Cordélia, uma de suas filhas, sendo padrinhos o também médico Francisco de Paula Abreu Sodré e esposa.
Em 1916, Carlos Gonzaga de Oliveira aparece como proprietário de uma grande fazenda chamada “Thesouro de Brilhantes” e aparentemente não estava exercendo a medicina.
Tudo indica que ele deixou Santa Cruz do Rio Pardo nos anos seguintes, indo com a família para Jundiaí e depois São Paulo. Na capital, foi nomeado legista do “Gabinete Médico Legal”, como se chamava o órgão oficial na época.
Em 1922, por uma incrível coincidência, ele foi o legista que fez a autópsia do corpo do coronel Tonico Lista. Afastado de Santa Cruz do Rio Pardo, certamente ele não acompanhava a tensão política na cidade em que morou.
O clima para Tonico Lista, aliás, era terrível. Preso no ano anterior pela acusação de ser mandante de um crime, o chefe político de Santa Cruz do Rio Pardo foi absolvido graças a um recurso de renomados advogados — Júlio Prestes, Raphael Corrêa de Sampaio e Altino Arantes. Os adversários, então, decidiram que a morte era a única maneira de afastar Tonico da política.
O coronel, entretanto, não acreditava na hipótese de sofrer uma tocaia, apesar dos constantes alertas dos correligionários. Na manhã do dia 8 de julho de 1922, Tonico segue o seu ritual diário de ir até a venda de Mizael de Souza Santos, o “Zaéca”, para tomar café e conferir uma caderneta de um matador de formigas da prefeitura.
De repente, o soldado Francisco Alves, pertencente à tropa da Força Pública que estava de passagem em Santa Cruz, entra no estabelecimento e pede uma dose de pinga. Em seguida, vai ao meio da rua, volta e pede nova dose, que não chega a beber. Tonico percebe algo estranho, mas o soldado rapidamente saca dois revólveres calibre 38 e o atinge. O coronel, cambaleante, ainda consegue desferir tiros no soldado, que corria pela rua.
Ferido e preso, o soldado confessou que cometeu o crime por dinheiro, quantia oferecida pelos adversários do coronel.
Minutos após os tiros, uma multidão lota a esquina das ruas Saldanha Marinho e Conselheiro Antonio Prado, onde ficava a venda de Mizael. Tonico Lista foi levado para a residência do cunhado e todos os médicos da cidade se dirigem ao local para acudir o coronel.
Uma espécie de “junta” médica avaliou que ele deveria ser transportado rapidamente num trem especial para São Paulo em busca de uma medicina mais avançada.
Os médicos Pedro César Sampaio e Teodureto Ferreira Gomes acompanharam o paciente, mas o trem demorou horas para chegar. Além disso, a viagem foi retardada por um comboio de tropas federais. Nas proximidades de Mairinque — na época um lugarejo chamado Pantojo —, o coronel Tonico Lista deu seu último suspiro.
Foi, então, que seu corpo encontrou pela última vez o amigo Carlos Gonzaga de Oliveira, que naquele dia era o legista de plantão no necrotério do cemitério do Araçá, em são Paulo.
O “levantamento cadavérico”, que é o laudo médico assinado por Carlos, tem o seguinte texto: “Em dez de julho de 1922, nesta cidade de São Paulo, no necrotério do Araçá, se achava o doutor Carlos Pimenta, 5º delegado de polícia, e o médico legista doutor Carlos Gonzaga de Oliveira. Foi feita a autópsia de Antônio Evangelista da Silva”.
“Em um caixão envoltuário coberto de jancas pretas e galões amarelos, tendo as pernas em extensão e os braços cruzados sobre o peito, o cadáver de Antônio Evangelista da Silva, também conhecido como Tonico Lista”.
“Vestimento: paletó, calça e colete de casimira preto, camisa e ceroulas brancas, meias listradas de vermelho, gravata e botinas pretas e prendendo o maxilar inferior e amarrado sobre a cabeça, um lenço branco manchado de sangue. Causa da morte: hemorragia provocada por tiro de revólver, tendo sido atingido os rins e o estômago”.
Tonico Lista foi sepultado no Cemitério do Araçá, mas seu túmulo não existe mais.
O médico Carlos Gonzaga de Oliveira seguiu sua trajetória como profissional em São Paulo. No final de janeiro de 1930, a tragédia: a filha Georgina morre numa fazenda em Santa Cruz do Rio Pardo. Provavelmente o médico ficou angustiado e, poucos dias depois, uma nota do jornal “A Gazeta” anunciou o seu falecimento.
* Colaborou Toko Degaspari
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