CULTURA

Memórias de uma ‘bolete’

Memórias de uma ‘bolete’

Publicado em: 11 de abril de 2017 às 16:15
Atualizado em: 18 de agosto de 2023 às 00:24

Moradora da vila Madre Carmem foi modelo, miss, fez filme

e ganhou destaque no antigo “Clube do Bolinha” na televisão

 

 

LEMBRANÇAS — Maria Klescke mostra capa de disco ilustrada com uma foto dela na década de 1970

LEMBRANÇAS — Maria Klescke mostra capa de disco ilustrada com uma foto dela na década de 1970

 


Sérgio Fleury Moraes

Da Reportagem Local

Era 1976 e a jovem mulher de 25 anos fazia sua estréia no “Clube do Bolinha”, um dos líderes de audiência da TV brasileira aos sábados e concorrente direto da “Buzina do Chacrinha”, da Globo. Não houve nenhum ensaio e ela sequer foi instruída a como se portar no palco. As pernas tremiam, já que o programa era ao vivo e a TV não tinha os recursos tecnológicos de hoje. Mas Maria Aparecida Klescke foi muito bem, agradou ao público e ganhou a simpatia do apresentador Edson “Bolinha” Cury. Hoje moradora em Santa Cruz do Rio Pardo, “Cidinha” tem 66 anos e muita história para contar da época em que experimentou a fama de artista.

Dona de uma beleza estonteante desde a adolescência, Maria Klescke se destacou na cidade onde nasceu, Paraguaçu Paulista, e logo recebeu convites para atuar como modelo em São Paulo, principalmente em eventos como o “Salão do Automóvel”. Durante um baile, um jornalista se encantou tanto com sua beleza que acabou inscrevendo Klescke no concurso de Miss Osasco. Ganhou sem nunca ter morado naquela cidade. Depois, venceu o “Miss Micareme” e foi terceira colocada no concurso Miss São Paulo.

Já era conhecida no meio artístico quando, durante uma recepção no Hilton Hotel, a amiga e atriz Matilde Mastrangi a apresentou ao ex-presidente Jânio Quadros e ao deputado e advogado Gastone Righi. Ambos estavam acompanhados de Pelé e, de repente, Maria Klescke estava na mesa das celebridades. “O Gastone foi direto: ‘Quero você na televisão no sábado, ao vivo’. Levei um susto”, contou. Ao seu lado, Jânio incentivou.

Assustada ou não, no sábado Maria estava nos estúdios da TV Bandeirantes para participar, ao vivo, do programa “Clube do Bolinha”, das 13h às 19h. Não houve nem teste. “Eu tremia, pois não era nem bailarina. Fui a telemoça, aquela que fica ao lado do apresentador, entregando o microfone ou os papéis do programa”, contou.

Exausta ao final do programa, Maria Klescke só respirou aliviada quando recebeu um elogio de Bolinha. “Ele me deu os parabéns e disse que fui 100%”, lembra.

 

 

 

 

Cidinha (direita) se diverte com Pelé no violão em reunião de amigos

Cidinha (direita) se diverte com Pelé no violão em reunião de amigos

 


Filme com Pelé

Cidinha virou “bolete” e ficou dois anos no “Clube do Bolinha”. Convivia com artistas que faziam sucesso na época — como Agnaldo Timóteo, Ovelha, Ângelo Máximo, Wando, Jerry Adriani, Gretchen e tantos outros. O programa, aliás, abriu muitas portas. Nas noites de sábado, horas após o “Clube do Bolinha”, Maria acompanhava grupos de bailarinas de Silvio Santos em shows por casas noturnas de São Paulo. Foi nesta época que também conheceu o dono do SBT.

Fez até uma “ponta” num filme cujo protagonista era aquele “rei” que estava naquela mesa da recepção do Hilton Hotel, anos atrás. Com Pelé e Paulo Goulart, Cidinha participou do filme “Os Trombadinhas”, de 1979.

Maria Klescke só não quis posar nua, conforme convite feito pela revista “Status”, a principal rival da “Playboy” na época. “Eu era solteira e não tinha problema nenhum. Mas não quis”, garante.

De repente, uma paixão fez Cidinha abandonar tudo para se casar. Dezessete anos e três filhos depois, a união não deu certo. Maria Klescke enfrentou depressão, doenças crônicas e a solidão. Hoje moradora na vila Madre Carmem, em Santa Cruz do Rio Pardo, é evangélica e diz ter reencontrado a felicidade. 

 

 

 

 


 

 

 

 

NO PALCO — Cidinha (à esquerda) ajudava o apresentador durante as tardes de sábados no “Clube do Bolinha”

NO PALCO — Cidinha (à esquerda) ajudava o apresentador durante as tardes de sábados no “Clube do Bolinha”

 

 

 

 

Maria recebe a coroa de Miss das mãos de Marlene Matheus

Maria recebe a coroa de Miss das mãos de Marlene Matheus

 


Bolinha viveu

auge do ‘brega’

A carreira de Maria Aparecida Klescke, que ganhou fama como telemoça do programa “Clube do Bolinha”, é uma história recorrente de uma época em que bailarinas e artistas do palco ficavam famosas numa época de glamour e improvisação da TV brasileira. Se hoje Faustão diz “quem sabe faz ao vivo”, este velho jargão devia funcionar mesmo nos anos 1970 ou 1980. Afinal, a tecnologia era muito inferior e até alguns capítulos de novelas chegaram a ser exibidas ao vivo.

 

 

 

 

FAMOSA — Cidinha mostra fotos da época de “bolete”, quando foi modelo

FAMOSA — Cidinha mostra fotos da época de “bolete”, quando foi modelo

 


Mas foi também o período em que o “brega” floresceu para, anos depois, virar “cult”. Os cantores de auditório eram os reis do “lado B” e dominavam os palcos desses programas da televisão.

Segundo Cidinha — “telemoça” do Bolinha que hoje mora em Santa Cruz do Rio Pardo —, os programas de auditório eram totalmente à base do improviso. “Era o Bolinha quem avisava quais os comerciais que seriam veiculados nos intervalos e como a gente deveria ficar no palco. Muitas vezes, dava bronca”, lembra. Não tinha nem ar condicionado no auditório.

Bolinha entrou no ar ainda na extinta TV Excelsior, em janeiro de 1967. Aliás, sua estreia aconteceu por acaso. O dono do horário era o consagrado Abelardo Barbosa, o “Chacrinha”, que horas antes do programa se desentendeu com os donos da emissora. A solução foi improvisar às pressas o novato Edson Cury — cujo nome verdadeiro era Edson Cabariti —, que na Excelsior apresentava flashes esportivos. Deu tão certo que o novo apresentador conseguiu até elevar a audiência.

 

 

 

 

Vencedora do concurso Miss Osasco, Maria desfila no evento

Vencedora do concurso Miss Osasco, Maria desfila no evento

 


“O Bolinha sempre foi muito autêntico. Na vida real, era igualzinho ao apresentador no palco”, conta Maria Klescke, relembrando os dois anos junto com ele no auditório. Aliás, no início da década de 1970 Bolinha chegou a comandar um programa direto de Santa Cruz do Rio Pardo, mas o jornal não encontrou informações ou fotos sobre este acontecimento.

O “Clube do Bolinha” foi obrigado a migrar para a Bandeirantes quando a ditadura militar fechou a TV Excelsior. Alvo de censura dos militares por apoiar a democracia, a emissora recebeu ordens seguidas para tirar programas rentáveis do ar e foi à falência.

O “Clube do Bolinha” ainda continuou na Bandeirantes até abril de 1994. Logo em seguida, Edson Cury passou a lutar contra um câncer no intestino.

Ele morreu em julho de 1998, 15 dias antes de completar 62 anos.

* Colaborou Toko Degaspari

 

 

 

 

NA TV — No auditório do “Clube do Bolinha”, Cidinha é a terceira, da esquerda para a direita

NA TV — No auditório do “Clube do Bolinha”, Cidinha é a terceira, da esquerda para a direita

 

 

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