Teruko Sakoda, conhecida em Santa Cruz do Rio Pardo como “Maria”, completou um século de vida em fevereiro
Publicado em: 28 de fevereiro de 2023 às 17:47
Sérgio Fleury Moraes
O nome de batismo é Teruko Sakoda, mas em Santa Cruz do Rio Pardo era ficou conhecida como Maria — praticamente todos os imigrantes japoneses adotavam um nome em português. No último dia 20, a matriarca da família Sakoda completou 100 anos de idade, incrivelmente bem de saúde e com a memória afinada. Maria e o marido Torazo (“Mário”, que morreu em 1992) formaram uma influente família na sociedade de Santa Cruz do Rio Pardo.
Maria nasceu em Hiroshima em 1923 e veio para o Brasil aos cinco anos de idade. Ela mal poderia imaginar que a cidade natal seria destruída por uma bomba atômica pouco mais de vinte anos depois, durante a Segunda Guerra Mundial.
A vinda de imigrantes japoneses para o Brasil atendeu a interesses dos dois países, no início do século passado. Enquanto o Brasil necessitava de mão de obra para trabalhar nas fazendas de café, o Japão vivia uma tensão social pela explosão demográfica.
O marco do início da imigração foi a chegada do navio “Kasato Maru” no porto de Santos, em junho de 1908, quando 781 japoneses desembarcaram dispostos a cumprir o acordo estabelecido entre Japão e Brasil. Deixaram para trás famílias e sonhos para se aventurar num País diferente, com outros costumes e idioma.
Durante aproximadamente vinte anos, milhares de japoneses desembarcaram nos portos brasileiros. Foi assim que Maria e seu futuro marido chegaram.
Aliás, houve uma série de coincidências que uniram Teruko e Torazo. A família dela, na verdade, precisava ter outros membros acima de 15 anos, pois a imigração era destinada exclusivamente a aumentar a força de trabalho nas lavouras brasileiras. Assim, famílias apenas com crianças não serviam.
O grupo foi coordenado pelo pai de Maria, que teve dificuldades para obter a autorização porque os filhos eram menores de dez anos. Foi, então, que ele “completou” o grupo com Torazo, um garoto conhecido que já tinha 15 anos. Todos viajaram no mesmo navio.
No Brasil, o grupo seguiu para a Alta Araraquarense. “Meu pai começou a trabalhar numa fazenda chamada Santana”, lembra vagamente Maria, que ainda era uma garotinha. “Depois de três anos ele foi liberado para seguir uma vida independente”, contou. Pelo acordo entre os dois países, os japoneses precisavam trabalhar este período para pagar as despesas da imigração antes de serem “liberados”.
A família, então, veio para a região de Taquaritinga e, depois, Piratininga. Começaram a plantar verduras e, em seguida, algodão. O garoto Torazo tomou outro rumo e, curiosamente, voltou a encontrar a família da futura mulher quando os pais de Maria já estavam num patrimônio próximo de Santa Cruz do Rio Pardo. Ela tinha um pouco mais de dez anos.
Por pouco, Torazo não voltou para o Japão. É que um tio, que deixou dívidas em seu país, juntou um pouco mais de dinheiro e queria voltar para pagar os credores. “Na última hora, Torazo desistiu de acompanhar o tio. Por coincidência, meu pai estava procurando terras para arrendar e reencontrou Torazo, que morava com uma tia. Novamente ele ficou com minha família”, contou Maria. “Era o destino”, completou.
Já em Santa Cruz do Rio Pardo, Maria e Torazo se casaram na antiga Igreja Matriz de São Sebastião, pouco antes da Segunda Guerra Mundial. Quando o conflito envolveu o Brasil, o casal teve dificuldades, pois os japoneses precisavam de uma espécie de “salvo-conduto” para se locomover, inclusive para sair da zona rural e fazer compras na cidade. É que o Japão fazia parte do “Eixo”, as forças nazifascistas de Hitler, Mussolini e Hiroito.
“Meu pai contava que precisava avisar o delegado sobre suas visitas à cidade. Ele morava no bairro da Onça e precisava de autorização para vir ao comércio de Santa Cruz”, contou Márcio Sakoda, um dos filhos de Maria. A polícia expedia um documento que autorizava a locomoção dos imigrantes.
Com o fim da guerra, o casal resolveu empreender. Torazo comprou uma fábrica de colchões que ficava no antigo Largo de São Benedito, cujos produtos eram feitos com crina vegetal. A indústria prosperou e, seis anos depois, Maria e Torazo venderam o negócio e se aventuraram numa torrefação de café.
O nome “Café Sakoda” ainda está na memória dos santa-cruzenses. Na verdade, o nome original era “Café São Benedito”, mas uma indústria de outra cidade reclamou do registro da marca. O produto, então, ganhou o sobrenome da família.
O ramo era bom, mas o café só podia ser comprado do IBC — Instituto Brasileiro do Café — e havia cotas para cada indústria. A solução foi cada empresário adquirir pequenas outras indústrias para aumentar a cota. Os Sakodas, por exemplo, compraram o “Cafézinho”, uma pequena torrefação que existia em Santa Cruz.
Anos depois, a torrefação foi vendida para a família Brandini, que também comprou a marca “Tobergil” da cidade de Duartina.
Maria e Torazo, então, partiram para o ramo de padaria. Surgiu a “Panificadora Q-Joia”, um imponente estabelecimento que fez história nas primeiras quadras da rua Conselheiro Dantas. A padaria teve o professor José Luciano como sócio no início, até que ele assumiu o cargo de diretor de escola no magistério e precisou deixar a empresa.
A “Q-Joia” foi uma das maiores padarias de Santa Cruz durante mais de uma década. Aliás, a família Sakoda inovou ao assar pães quatro vezes ao dia — na época era comum apenas duas fornadas nas padarias. Nesta época, o casal já tinha a ajuda dos filhos — Márcio, Benedito, Tutomu e Kazuê.
Foi a época romântica das padarias, que possuíam uma rede de carroceiros terceirizados que percorriam as ruas da cidade anunciando pães.
Torazo e Maria frequentavam o clube japonês que existia em Santa Cruz, o “Kaikan”. Aos 100 anos, Teruko acredita que “a vida mudou para melhor”, lembrando que não tem restrição alimentar. “Posso comer de tudo que nada me faz mal”, garante. No entanto, admite que tem muitas saudades da época em que trabalhava com o marido.
‘Foi um horror,
uma tristeza para
todos no Brasil’
Maria Sakoda e o marido Mário já estavam em Santa Cruz do Rio Pardo quando a Segunda Guerra Mundial começou. Eles precisaram cumprir uma série de restrições de locomoção, determinada a todos os japoneses em solo brasileiro quando o presidente Getúlio Vargas declarou guerra aos países do Eixo, incluindo o Japão.
Mas a grande agonia aconteceu no dia 6 de agosto de 1945, quando os Estados Unidos lançaram a primeira bomba atômica sobre Hiroshima, cidade natal de Maria. O objetivo era forçar a rendição as tropas do imperador Hirohito. Três dias depois, uma outra bomba caiu sobre Nagasaki, selando o fim do conflito mundial.
Claro que a notícia da primeira bomba demorou alguns dias para chegar a Santa Cruz do Rio Pardo. Maria conta que perdeu muitos familiares que deixou em Hiroshima quando veio para o Brasil. “Foi um horror, uma tristeza muito grande para todos nós”, lembra.
Desde que chegou ao Brasil, Maria sempre sonhou em rever a casa onde nasceu em Hiroshima. “Eu me lembrava de alguma coisa, como uma terra molhada onde a gente plantava arroz e um pequeno rio”, disse.
Em 1994, já viúva, Teruko viajou para o Japão para passar algumas semanas, a convite do filho Tutomu Sakoda, que trabalhava numa agência do antigo Banespa em Hiroshima. Ela, então, viu, pela primeira vez, o que apenas imaginou na Segunda Guerra: as ruínas deixadas pela bomba atômica, que foram preservadas como um museu a céu aberto.
Maria acabou ficando um ano no Japão e só voltou ao Brasil por insistência dos filhos. Queria ficar.
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