CULTURA

O adeus a Alberto Dines

O adeus a Alberto Dines

Publicado em: 31 de maio de 2018 às 00:16
Atualizado em: 30 de março de 2021 às 15:14

Criador do “Observatório da Imprensa” apoiou o jornal

de Santa Cruz contra ameaças à liberdade de imprensa

O Brasil perdeu na última terça-feira, 22, um de seus mais importantes e corajosos jornalistas. Alberto Dines morreu aos 86 anos, em plena atividade, vítima de uma pneumonia. Fundador do “Observatório da Imprensa”, que tinha uma edição para a televisão, passou pelas redações dos jornais “Última Hora”, “Tribuna da Imprensa” e “Jornal do Brasil”, do qual foi editor chefe a partir de 1962.

Defensor ácido da liberdade de imprensa, Alberto Dines entrevistou o diretor do DEBATE, Sérgio Fleury Moraes, em 1996, quando o jornalista foi preso por resistir a uma censura judicial e permaneceu 19 dias numa cela especial em Santa Cruz do Rio Pardo. O caso teve repercussão nacional e Dines, ao lado do jornalista Heródoto Barbeiro, entrevistaram Fleury no programa “Opinião Nacional”, da TV Cultura.

No “Jornal do Brasil”, nos primeiros anos da ditadura militar, Alberto Dines foi mestre em resistir à censura através de subterfúgios inteligentes. Em 14 de dezembro de 1968, por exemplo, um dia após a promulgação do AI-5, todos os jornais do País estavam sob forte censura. Profissionais dos serviços de informação do regime militar permaneciam nas redações lendo todos os textos que seriam publicados no dia seguinte — muitos deles, aliás, vetados.

Censura proibiu manchete e fotos sobre

Chile e Dines cumpriu com maestria



Naquela edição, Dines resolveu dar um recado ao leitor num canto do jornal que passou incólume ao censor. Era um pequeno quadro com a previsão do tempo, que trouxe o seguinte texto: “Tempo negro. Temperatura sufocante. O ar está irrespirável. O país está sendo varrido por fortes ventos. Máx: 38º, em Brasília. Mín: 5º, nas Laranjeiras”. A ousadia entrou para a história do jornalismo brasileiro.

Outra capa do “Jornal do Brasil” que se transformou num marco de resistência contra a censura foi publicada em 1973, no governo do ditador Emílio Garrastazu Médici, o mais “linha dura” do regeime militar. Aconteceu em setembro, quando o general Augusto Pinochet implantou uma ditadura militar no Chile, num golpe que culminou com a morte do presidente socialista Salvador Allende. Imediatamente os censores do regime brasileiro alertaram todos os jornais que estava terminantemente proibido publicar manchetes sobre a notícia, inclusive fotos.

Dines protagonizou uma capa espetacular, sem manchetes ou fotos. Mas um enorme texto narrou o golpe militar e a morte de Allende. A ousadia, porém, custou-lhe o cargo, pois Dines foi demitido três meses depois por “desobediência”. Segundo consta, foi um pedido dos generais do governo à direção do jornal.

O jornalista Alberto Dines foi editor chefe do “Jornal do Brasil” nos “anos de chumbo” da ditadura, onde driblava a censura com maestria; na edição que noticiou o AI-5, ele publicou no canto superior: "Ontem foi o dia dos cegos"...



Olhar crítico

Com o jornal

censurado, Dines colocou texto

num pequeno quadro sobre a “previsão do tempo”



Desafios não faltaram para Alberto Dines. Em 1975, ele dirigiu a “Folha de S. Paulo”, mas saiu em 1980 para um novo trabalho: colaborar com o histórico “Pasquim”, jornal que usava o humor na luta contra a ditadura e pelo restabelecimento da democracia no Brasil.

Dines sempre teve um olhar crítico inclusive em relação à imprensa. Foi autor de 15 livros, entre eles “O Papel do Jornal”, que aborda a imprensa na sociedade contemporânea.

Tal preocupação fez com que Alberto Dines fosse o fundador do “Observatório da Imprensa”, em 1994, que se tornou praticamente uma entidade para acompanhar o trabalho na mídia brasileira. O “Observatório” chegou a ter um programa da TV Cultura, apresentado pelo próprio Dines.

Criado como um projeto da Unicamp — Universidade Estadual de Campinas —, o “Observatório da Imprensa” apoiou o DEBATE toda vez que o jornal de Santa Cruz do Rio Pardo se viu ameaçado por decisões judiciais que afrontaram a liberdade de imprensa.

Com a morte de Alberto Dines, o País perde um de seus mais antigos militantes do jornalismo independente, comprometido com as liberdades democráticas e de imprensa. O corpo do jornalista foi sepultado na quarta-feira, 23, no Cemitério Israelita de Embu das Artes, na Grande São Paulo.
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