CULTURA

O ‘conterrâneo’ de Leonel Brizola

O ‘conterrâneo’ de Leonel Brizola

Publicado em: 14 de junho de 2020 às 13:00
Atualizado em: 30 de março de 2021 às 10:29

Com quase 92 anos, aposentado de Santa Cruz conta como conviveu com o ex-governador Leonel Brizola no Rio Grande do Sul

Sérgio Fleury Moraes

Da Reportagem Local

Ele ainda tem o sotaque gaúcho, apesar de ter deixado Carazinho-RS há quase 40 anos. E também mantém o apelido de infância, “Deco”. Morador em Santa Cruz do Rio Pardo desde que ficou viúvo e deixou Carazinho-RS aos 56 anos, ele é conterrâneo de Leonel Brizola, o único político brasileiro que foi governador de dois estados. Aliás, acompanhou a trajetória política do garoto que perdeu o pai ainda bebê. “Nunca deixei de votar nele e no Getúlio, no João Goulart”, conta. Hoje, surpreendentemente, ainda acredita em Bolsonaro.

Francisco Xavier vai completar 92 anos no próximo dia 20, com uma memória incrível. Ele nasceu em 1928 em Cruz Alta, mas logo estava numa fazenda em Carazinho, onde Leonel Brizola ainda era um menino. “Eu fui criado tirando leite de vaca e trabalhando no campo”, diz. Pouco tempo depois, a família montou um açougue.

Francisco conheceu toda a família de Leonel Brizola e convivia com ela. Alguns irmãos do político ele conheceu já adolescente. “Eu ia na zona com o Jesus [de Moura] e o Sadi”, conta, rindo. Com este último, jogou muita bola.

Leonel Brizola, segundo o amigo, perdeu o pai quando tinha apenas um ano de idade. “O José era um agricultor revolucionário e foi assassinado”, afirma. De fato, livros da história do Rio Grande do Sul contam que uma guerra deflagrada entre camponeses e grupos políticos já havia terminado quando o pai de Leonel foi morto à beira de um rio.

Francisco ainda se lembra que a mãe de Leonel, Oniva de Moura, se casou novamente com o agricultor João Gregório Estery que, como ela, também tinha cinco filhos e era viúvo. Com a grande família, as dificuldades eram imensas. Mas não para Leonel Brizola, garante. “Ele era muito inteligente. Foi carteiro da prefeitura e aluno muito aplicado. Eu sempre conversava com ele na praça em frente a prefeitura”, conta. Xavier e o pai cuidaram do padrasto de Brizola, que já tinha uma idade avançada.

Em foto com a mulher, que morreu jovem, Xavier usa a tradicional bombacha gaúcha (Foto: arquivo pessoal)



Leonel partiu cedo para Porto Alegre. Ganhou um bolsa de estudos do prefeito da cidade natal para cursar Engenharia. De Carazinho, entretanto, Francisco acompanhou a trajetória política do “conterrâneo”. “Todo mundo votava nele”, lembra.

Em 1945, quando estava na universidade, Brizola começou sua militância política. Filiou-se ao PTB — partido de Getúlio Vargas — e teve a missão de organizar a ala jovem da legenda. Saiu-se tão bem que dois anos depois foi eleito deputado estadual. Foi nesta época que ele conheceu Neusa Goulart, irmã do também deputado estadual João Goulart, que se tornaria presidente da República. Casou-se em 1950, sendo que Getúlio Vargas foi um dos padrinhos.

Francisco afirma que Brizola tinha uma habilidade incrível na política. Em Carazinho, por exemplo, as coisas não andavam bem para o PTB dele. A oposição do Partido Libertador (PL), da elite — “era o grupo dos ricos, chamado de Colorado” —, ameaçava a hegemonia de Leonel na sua cidade natal. “Pois ele resolveu voltar à cidade, reuniu o povo e fez um discurso na sacada da prefeitura. O resultado foi a união de todo mundo. Ele não tinha mais adversários em Carazinho. Bastou um discurso”, conta o aposentado.

Choro na rua

Brizola tornou-se um líder gaúcho. Em 1958, com o voto de Francisco e de centenas de milhares de rio-grandenses, foi eleito governador. Ao falar sobre o governo de Leonel, Francisco faz uma pausa para se recompor, pois os olhos ficam marejados. “Nunca haverá um governador como ele. Foi uma administração memorável, mudou o Rio Grande”, conta.

MEMÓRIA — Em Carazinho, Francisco participa de evento com a família (Arquivo pessoal)



Não era para menos. Leonel Brizola revolucionou o Rio Grande do Sul, construindo quase 7.000 escolas, que ficaram conhecidas como “Brizoletas“ em razão do baixo custo da obra. Implantou uma reforma agrária no Estado e ele próprio chegou a doar mais de 1.000 hectares para famílias cooperadas. Além disso, encampou várias empresas estrangeiras que detinham o monopólio de serviços essenciais.

Em 1960, seu governo já chamava a atenção do País. Foi quando o cunhado João Goulart foi eleito vice-presidente e, no ano seguinte, assumiu a presidência com a renúncia de Jânio Quadros. “Jango”, como era conhecido o cunhado, teve a posse ameaçada pelos militares, mas Brizola criou a “Campanha da Legalidade”. Seus discursos eram transmitidos a todo o País e, na verdade, o governador acabou adiando um golpe militar que era tido como certo. Ele viria, de forma violenta, em 1964, com a deposição de Jango.

Carteira de Xavier da associação de Assistência à Família de Carazinho-RS, também a terra natal do ex-governador Leonel Brizola



Em 1962, foi eleito deputado federal pelo antigo estado da Guanabara com uma votação consagradora — um quarto dos eleitores. No ano seguinte, lutou para a definição do sistema de governo como presidencialista. Mesmo assim, chegou a romper com o cunhado presidente e passou a ser visto pelos militares como “radical de esquerda”.

Em 1964, veio o golpe que implantou uma ditadura militar. Brizola ainda tentou resistir no Rio Grande do Sul, tentando convencer militares a reagir. Na Câmara de Porto Alegre, fez um discurso exortando os suboficiais a “ocupar quartéis e prender os generais”, despertando o ódio na ditadura. Em maio, fugiu para o Uruguai e permaneceu muitos anos no exílio.

Francisco conta que o povo de Carazinho chorava nas ruas. Não havia internet e a imprensa começava a ser censurada pelo regime militar. “A gente não sabia onde estava o Brizola. Todos estavam assustados e preocupados e aquele momento deu para perceber o quanto ele era querido. Aquele foi um patriota”, disse.

Em 1985, Francisco sofreu a maior perda de sua vida. Com a morte da mulher, ele deixou o Rio Grande, ficou um breve período no Paraná e chegou a Santa Cruz do Rio Pardo. “Construí esta casinha aqui e não saio mais”, diz, rindo.

Mesmo assim, continuou seguindo a carreira de Leonel Brizola. “Quando eu deixei o Sul, ele já era governador do Rio de Janeiro”, lembra. Curiosamente, Brizola repetiu no Rio os planos que implantou quando no governo gaúcho, como a construção dos Cieps, escolas que ficaram conhecidas como “Brizolões”, com educação em período integral.

“Este homem deveria ter chegado à presidência. Era muito honesto. Quando comandou o povo gaúcho, ele levou um amigo de Carazinho para trabalhar no governo. Porém, descobriu que o homem estava roubando. Demitiu na mesma hora, dizendo que amigo não podia ser ladrão”, lembra Francisco.

Para o aposentado, o Brasil sente falta de políticos como Getúlio Vargas e Leonel Brizola. “Hoje ninguém tem mais vergonha. Tem corrupção em tudo. Antigamente o respeito a tudo o que é público era muito maior”, reclama.

Apesar da idade, Francisco Xavier só tem um pequeno problema no joelho, que o obriga a usar uma bengala. E só. O segredo? “Acho que é comida forte. Fui criado tomando leite da vaca e comendo banha. Só pode ser isto”, diz, reclamando dos remédios que os filhos vivem recomendando.

‘BRIZOLISMO’ — Leonel Brizola foi um líder nacional de grande expressão



Nacionalista, Brizola foi

um dos grandes líderes do País


Ele foi engraxate e quase chegou à presidência da República

Sérgio Fleury Moraes

Da Reportagem Local


Poucos políticos foram tão carismáticos, questionadores e patriotas como Leonel de Moura Brizola. O gaúcho de Carazinho-RS foi o único político brasileiro que se elegeu governador pelo voto direto em dois estados, aliás duas vezes pelo Rio de Janeiro. Nos dois estados, revolucionou a educação, com a construção de milhares de escolas. No Rio de Janeiro, por exemplo, o “sambódromo” mais popular do País atende, depois do Carnaval, milhares de crianças em período integral.

Antes de se transformar em líder político, Brizola foi engraxate, graxeiro e ascensorista até se formar engenheiro civil graças a uma bolsa de estudos.

Sua inspiração foi a carta-testamento de Getúlio Vargas. Por isso, foi considerado herdeiro não apenas de Getúlio, mas do cunhado João Goulart, deposto pelo golpe militar de 1964.

Lutou contra conglomerados estrangeiros que sempre ameaçaram a soberania brasileira. Defendeu como poucos a necessidade de reforma agrária, a mesma implantada em vários países democráticos. Chegou a fazê-la parcialmente, quando era governador do Rio Grande do Sul.

Foi Brizola quem impediu que o golpe militar acontecesse três anos antes, quando Jânio Quadros renunciou à presidência. A “linha dura” dos militares não queria dar posse ao vice, João Goulart, temendo suas posições mais à esquerda. Brizola, então governador gaúcho, comandou a “campanha da legalidade” que contagiou o País e a democracia foi preservada.

Quando a ditadura finalmente foi implantada, em abril de 1964, Brizola tentou resistir, em vão. Fugiu para um longo exílio no exterior e voltou em 1979 para um recomeço que o levaria ao governo do Rio de Janeiro e a candidato presidencial.

Aliás, em 1982 Brizola denunciou um escândalo de manipulação da contagem de votos, envolvendo a empresa Proconsult e a Rede Globo. A apuração paralela iria derrotá-lo, mas a Justiça agiu e Brizola foi eleito.

Imbatível numa tribuna, Brizola soube ser conciliador quando necessário. Aceitou ser o candidato a vice de Lula em 1998, o mesmo que batizou, anos antes, de “sapo barbudo”. Em 1989, faltaram poucos votos para levá-lo ao segundo turno contra Collor de Mello, no lugar de Lula.

Morreu em 2004, vítima de infarto agudo. Foi sepultado em São Borja, no Rio Grande do Sul, debaixo de honras do governo e da população que tanto o amou. 

Colaborou Toko Degaspari



  • Publicado na edição impressa de 7 de junho de 2020


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