O vereador José Carlos Camarinha em entrevista ao jornal em seu escritório, no início dos anos 1990
Publicado em: 22 de outubro de 2022 às 10:13
Sérgio Fleury Moraes
Miguel M. Abeche Neto
Ele morreu em 1998, mas seu nome ficou marcado na política de Santa Cruz do Rio Pardo, no magistério como professor e na engenharia civil como responsável pela construção de grandes obras em toda a região. Era José Carlos do Nascimento Camarinha, sobrinho do deputado Leônidas Camarinha e que foi vice-prefeito e vereador por várias legislaturas. Não conseguiu, porém, ser eleito prefeito numa única e disputadíssima eleição municipal para o Executivo.
José Carlos era filho da professora Percila Camarinha do Nascimento, imortalizada com seu nome na escola “Sinharinha Camarinha” de Santa Cruz do Rio Pardo.
Jovem entusiasta, era um brilhante engenheiro no início dos anos 1960, mas que jamais havia participado da política na cidade, embora o tio fosse um dos principais líderes de Santa Cruz havia décadas.
Leônidas Camarinha era deputado estadual desde 1947 e até 1959 não sabia o que era ser derrotado. Todavia, seu grupo foi dividido em 1958, por um atrito até hoje sem explicações mais detalhadas — a versão mais aceitável é que houve uma discussão entre políticos do grupo logo após a apuração dos votos das eleições estaduais de 1958.
Com a cisão, deixaram “Lulu” Camarinha nomes fortes do grupo, como Lúcio Casanova Neto, Onofre Rosa de Oliveira, Anízio Zacura e outros. Os dissidentes, então, se uniram à UDN de Alziro Santos e José Osiris Piedade — o “Biju” — e impuseram a Leônidas a primeira derrota eleitoral em muitos anos, elegendo o prefeito Onofre Rosa em 1959.
Na eleição seguinte, em 1963, a vitória era uma questão de sobrevivência para o grupo de Leônidas Camarinha, filiado ao PSD e ligado ao governador Ademar de Barros (PSP). Além da derrota na eleição municipal de 1959, “Lulu” perdeu as eleições para deputado estadual de 1962 para Lúcio Casanova em Santa Cruz do Rio Pardo. Foi a primeira vez em que ambos se confrontaram nas urnas e, embora Camarinha tivesse mais votos no Estado, ele perdeu por uma grande diferença em Santa Cruz.
Lulu e Lúcio não foram eleitos diretamente, mas logo assumiram seus mandatos em razão da cassação de um deputado e de vários outros nomeados para cargos no governo de Ademar de Barros em São Paulo. De suplentes, tornaram-se deputados até o fim de seus mandatos.
Com duas derrotas consecutivas, os “vermelhos” não podiam sequer pensar em perder as eleições de 1963. Leônidas, como o chefe político absoluto do grupo, investiu na candidatura do médico Samuel Martins Figueira, conhecido na periferia e que, na maioria das vezes, não cobrava as consultas ou atendimentos. Era uma espécie de “médico dos pobres”.
A indicação provocou euforia no grupo, que logo virou desânimo quando Samuel anunciou que não aceitaria o convite, alegando motivos profissionais. O grupo estava novamente sem candidato para enfrentar nas urnas os “azuis” de Onofre Rosa e companhia.
O nome de Carlos Queiroz surgiu quase por exclusão. Era um comerciante jovem e bem sucedido, o presidente que consolidou o antigo Clube dos Vinte e atuava em trabalhos assistenciais. Convidado, Carlos pediu um tempo para pensar.
O próprio grupo via com desconfiança a indicação, uma vez que Carlos era tido como desconhecido e muito calado. Além disso, era o genro do deputado santa-cruzense. Neste clima de indecisão, o grupo marcou uma reunião que foi realizada em 20 de junho de 1963 na casa de Leônidas Camarinha, na rua Marechal Bitencourt.
Foi aí que Carlos Queiroz surpreendeu a todos com sua desenvoltura ao confirmar que aceitava o desafio de ser candidato. E mais: contrariando as eleições anteriores, quando os nomes dos candidatos a prefeito e vice eram invariavelmente escolhidos pelo deputado estadual, foi Carlos quem anunciou que o engenheiro civil José Carlos Camarinha seria seu companheiro de chapa.
Houve um espanto geral, uma vez que José Carlos era sobrinho do deputado Leônidas Camarinha, o que daria à opinião pública uma impressão de chapa “familiar”. Mas Carlos insistiu: “É pegar ou largar”. Sem opção, o grupo aceitou.
Aos poucos, entretanto, Carlos mostrou que conhecia o povo, era um bom comunicador e tinha ao seu lado um jovem engenheiro que logo se tornaria popular. Ambos tinham apenas 37 anos.
E Carlos Queiroz também tinha um poderoso instrumento nas mãos. Ele era o dono da rádio Difusora em sua melhor época, com uma enorme audiência e programas populares como “Radio Clube Mirim”, “Programa do Estudante” e o sertanejo comandado por “Nhô Pinga”. Metódicos, Carlos e José Carlos escolheram como slogan de campanha a frase “Paz e Renovação”. Estavam prontos para enfrentar a máquina política comandada pelo prefeito Onofre Rosa, o deputado Lúcio Casanova e o cartorário “Biju”.
Promovendo reuniões com comerciantes, professores, estudante e mulheres, a dupla Carlos e José Carlos evitou ofensas pessoais na campanha. Além disso, Carlos Queiroz teve o frei Antônio Sônego como um de seus principais cabos eleitorais.
Os “azuis”, ao contrário, tentaram vincular os adversários ao deputado Leônidas Camarinha, um amante das gravatas borboletas. O vereador Fernando Santos, por exemplo, dizia nos comícios que, se Carlos e José Carlos vencessem, todas as crianças seriam obrigadas a usarem gravatas borboletas no uniforme escolar.
Mas o grupo de Carlos soube usar inteligentemente uma ofensa de Fernando Santos a favor dos “vermelhos”. O advogado disse num comício que a chapa de Carlos e José Carlos tinha “refugos” da UDN, citando o candidato a vereador Antônio Ribeiro Filho, o “Bulota”, tido como folclórico. “Se ele tiver mais votos do que eu, rasgo meu diploma de advogado”, disse Fernando Santos.
Pois a campanha de “Bulota” ganhou reforços de todos os lados e o humilde candidato adotou o slogan “o tostão contra o milhão”, comparando suas dificuldades à fortuna de Fernando Santos. Deu tão certo que ele seria o segundo mais votado naquelas eleições para a Câmara Municipal, só perdendo para Onofre Rosa de Oliveira — que se desincompatibilizou do cargo para disputar uma cadeira de vereador. Fernando Santos teve pouco mais da metade dos votos de “Bulota”, mas não cumpriu a promessa de rasgar o diploma.
Apesar da campanha nas ruas, o favorito era José Osiris Piedade (“Biju”), o candidato a prefeito dos “azuis”. O grupo dele levava muitos veículos e caminhões às ruas em passeatas, buzinando e demonstrando força. Carlos tranquilizava seus correligionários: “Automóvel e boi não votam”. Era uma alusão clara ao apoio dos pecuaristas a Biju e o vice Anízio Zacura.
A um mês das eleições, a vitória de Biju parecia tão tranquila que o jornal “O Regional”, vinculado à UDN, estampou em manchete: “Aposta-se 2 milhões de cruzeiros na vitória de Biju”. No programa eleitoral gratuito, o apresentador Tião da Vina começava assim: “Tá tudo com Biju”. As apostas corriam pelas esquinas e a questão era qual seria a diferença de votos pró-Biju.
Nos últimos comícios, Biju trouxe o deputado udenista Amaral Neto, da Guanabara, para uma grande manifestação na Praça da República (hoje praça deputado Leônidas Camarinha). Carlos e José Carlos, por sua vez, fizeram um comício na praça do bairro São Benedito com a presença do cineasta Mazzaropi.
A uma semana das eleições, estoura a greve dos lixeiros em Santa Cruz do Rio Pardo, a primeira na história do Brasil. Os trabalhadores estavam sem receber salários havia nove meses e o lixo se acumulou nas ruas da cidade. Nas esquinas, diziam que faltava dinheiro para pagar os lixeiros, mas sobrava para os salários dos altos funcionários da prefeitura.
Carlos e José Carlos sentiram a possibilidade de vitória e concentraram suas críticas na administração de Onofre e ao abandono de bairros e distritos. No dia 13 de outubro, com sol escaldante, nenhum eleitor deixou de ser abordado pelo menos duas vezes, uma pelos partidários de Carlos e José Carlos, e outra, pelos correligionários de Biju e Anízio.
Como os votos eram impressos, a apuração só começou no dia seguinte e todos voltaram seus ouvidos para a rádio Difusora. Numa contagem lenta, no primeiro dia Biju alcançou uma diferença de 350 votos sobre Carlos nas primeiras 24 urnas. Como o voto para vice era separado, José Carlos Camarinha perdia para Anísio Zacura por 400 votos.
No dia 15 de outubro, Carlos tirou a diferença, mas ainda perdia por 200 votos na sede do município. Em seguida, venceu em Caporanga por 11 votos, perdeu em Clarínia por apenas 15 votos e esmagou “Biju” em Espírito Santo do Turvo graças ao apoio do vereador Idarilho Gonçalves do Nascimento. Carlos vencia por 21 votos, faltando apenas as três urnas de Sodrélia.
Para surpresa de todos, Carlos e José Carlos venceram por 96 votos em Sodrélia, impondo aos adversários uma diferença final de 117 votos. Eram 15h da tarde do dia 15 de outubro de 1963 quando o locutor José Eduardo Catalano anunciou pelos microfones da antiga ZYQ-8: “Santa Cruz do Rio Pardo tem um novo prefeito. É Carlos Queiroz”. Nas ruas, populares cantavam: “Nhec, nhec, nhec. É 117!”
Como candidato a vice, José Carlos Camarinha disputou uma ferrenha eleição, vencendo Anísio Zacura por apenas 46 votos.
Carlos Queiroz e José Carlos Camarinha assumiram a prefeitura em janeiro de 1964, durante uma grande turbulência no País, às vésperas de um golpe militar. Em Santa Cruz, um grupo de ex-pedecistas tentou se aliar ao presidente João Goulart e fundou o PTB, com planos de conseguir a concessão de uma emissora de rádio. Já a UDN realizava reuniões sobre defender Santa Cruz de um fantasioso “ataque comunista”.
Mas veio o golpe militar e abril se tornou um mês de “caça às bruxas” e prisões. Bastava acusar alguém de ser “comunista” e a pessoa era detida pela polícia para averiguação. O músico Dário Nelli, por exemplo, um pacato cidadão de Santa Cruz, foi preso quando a polícia invadiu sua residência e encontrou um livro sobre Karl Marx. O professor Carmelo, que lecionava na escola “Leônidas do Amaral Vieira”, foi retirado da sala de aula e preso porque ensinava a língua tupi-guarani aos alunos. Cerca de 20 pessoas foram parar na prisão neste período de terror.
O caso mais emblemático foi a prisão do próprio vice-prefeito José Carlos Camarinha, três semanas após o golpe militar. A denúncia contra ele era de corrupção na construção do prédio dos Correios em Santa Cruz do Rio Pardo. José Carlos foi levado para Bauru, sem nenhum processo e nem ordem judicial. Ficou incomunicável durante quinze dias, até as autoridades perceberem que ele era inocente.
Logo em seguida a ditadura promoveu a campanha “Dê Ouro pelo Bem do Brasil”, cuja arrecadação foi feita no antigo Clube Soarema — hoje sede da prefeitura. Pessoas humildes entregaram alianças, joias e relógios, atraídas por uma campanha mentirosa de salvação nacional. O ouro sumiu, provavelmente fundido e levado para engordar no exterior as contas bancárias de muitos que participaram do golpe militar.
Mas, passada a tensão inicial do golpe militar, Carlos e José Carlos começaram a administrar. Talvez para apagar a má impressão da prisão, um grupo de militares de alta patente veio a Santa Cruz para homenagear prefeito e vice com a “Medalha do Pacificador” do Exército brasileiro. A cerimônia foi realizada no Clube dos Vinte.
Carlos e José Carlos fizeram um governo memorável, lembrado até hoje pelos fortes investimentos na educação e em inúmeras obras espalhadas pela cidade e zona rural. As construções tinham as digitais do engenheiro José Carlos Camarinha, o vice-prefeito, como a rodoviária, escolas, pontes, capela do cemitério, praça Expedicionários, a nova sede da prefeitura e centenas de casas populares. Para atender a demanda, o município criou até uma fábrica de blocos.
O mandato de Carlos e José Carlos foi prorrogado por um ano e facilitado por um pequeno “desmonte” da oposição — Onofre Rosa e Fernando Santos trocaram Santa Cruz por São Paulo. Isto fez com que Carlos Queiroz pudesse ter o apoio de vereadores da oposição.
Carlos Queiroz era um novo líder político e 1968 começa com uma articulação entre os dois grupos rivais para lançar um candidato único. O nome escolhido era o do pecuarista, professor e advogado Marcílio Pinheiro Guimarães. As conversas, porém, não seguiram adiante porque houve supostamente a intervenção do governador Abreu Sodré, que era simpático ao deputado Lúcio Casanova Neto.
Amigos próximos — como Pedro Queiroz, Idarilho Gonçalves e o sogro Leônidas Camarinha — sugeriram ao prefeito o nome do vice José Carlos Camarinha. Foi, então, que o próprio Carlos lançou seus candidatos num programa que comandava nas manhãs de domingo na rádio Difusora, quando prestava contas de seu governo, e anunciou o grito de guerra dos “vermelhos”: “É fogo, minha gente! José Carlos e Sebastião Botelho!”
Mas Onofre Rosa estava de volta a Santa Cruz e entrou na disputa. Ninguém duvidava da vitória de José Carlos, principalmente depois de uma passeata “monstro” a uma semana das eleições. Logo depois da inauguração da “Praça dos Expedicionários”, o grupo do candidato José Carlos Camarinha promoveu a maior manifestação pelas ruas da história de Santa Cruz. Havia centenas de veículos e pessoas cantando. Provavelmente, o prefeito Carlos Queiroz se esquecera de seu antigo conselho: “Automóvel não vota”.
No final da tarde de 15 de novembro de 1968, quando as seções eleitorais foram fechadas, houve uma nova “carreata” pelas ruas da campanha de José Carlos Camarinha e Sebastião Botelho. A vitória era certa e o engenheiro civil certamente seria o próximo prefeito de Santa Cruz.
Nem mesmo os primeiros números da apuração no dia seguinte, favoráveis a Onofre, desanimaram os “vermelhos”. Esperava-se que José Carlos começaria a vencer a partir da 10ª seção. No entanto, apesar de um equilíbrio a partir da 20ª sessão, Onofre ainda vencia o adversário, para desespero de José Carlos, Sebastião Botelho e Carlos Queiroz.
Encerradas as apurações na sede, Onofre Rosa estabelecia uma diferença de 250 votos. Mais uma vez, a disputa seria decidida nos distritos. José Carlos venceu em Caporanga e em Espírito Santo, fazendo a diferença cair para 118 votos. A decisão foi para Sodrélia, onde José Carlos também ganhou, mas por apenas 56 votos, insuficientes para mudar os números.
No final, o engenheiro e vice-prefeito perdeu para Onofre Rosa por apenas 62 votos de diferença.
A política de Santa Cruz mudou completamente após a morte de Carlos Queiroz em trágico acidente na rodovia SP-225, no dia 8 de outubro de 1969. José Carlos Camarinha, que tanto ajudou a administração do companheiro, retirou-se da vida pública e só voltou a disputar uma eleição em 1976.
A partir daí, foi eleito e reeleito vereador por quatro mandatos, de 1973 a 1996. Foi presidente da Câmara em dois biênios — 1989/90 e 1995/96 — e se destacou em várias legislaturas. Em 1981, quando populares depredaram o prédio da Câmara em protesto contra as altas contas de água, José Carlos Camarinha foi um dos críticos da Sabesp.
Nos anos 1980, quando Tancredo Neves fundou o Partido Popular (PP), José Carlos foi o primeiro em Santa Cruz a anunciar a adesão à nova legenda. Nunca foi um defensor intransigente do regime militar, mas um liberal voltado ao diálogo.
No entanto, a política tornou-se quase um hobby. José Carlos montou empresas em Ourinhos, foi sócio do ex-prefeito Aldo Matachana Thomé e responsável por uma série de obras em toda a região.
A caixa d’água dos bombeiros de Ourinhos, em formato futurista, tem a assinatura do engenheiro civil de Santa Cruz do Rio Pardo. O prédio do DEBATE também teve cálculos estruturais sob responsabilidade do engenheiro.
Em 1996, faltaram poucos votos para a reeleição de José Carlos como vereador. Dois anos depois, ele sofreu um grave acidente automobilístico. Recuperou-se lentamente, mas ficou com algumas sequelas.
No dia 28 de dezembro daquele ano, o coração de José Carlos do Nascimento Camarinha parou de bater. Tinha 71 anos. Foi sepultado com honras no cemitério de Santa Cruz do Rio Pardo. O novo prédio da Câmara Municipal foi batizado com seu nome.
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