CULTURA

Pascoalino: 'Da noite pro dia'

Pascoalino: 'Da noite pro dia'

Publicado em: 25 de abril de 2020 às 08:33
Atualizado em: 28 de março de 2021 às 09:45

Da noite pro dia

Pascoalino S. Azords

Da equipe de colaboradores

Esta é uma crônica em dois tempos. Se logo nas primeiras linhas você reconhecer um causo conhecido (a mesma história, só que com outras palavras), salte seis casas e avance para o penúltimo parágrafo.

Era uma vez um homem em dificuldades. Desesperando, ele resolveu procurar um guru que dava consultas espirituais na edícula em que morava, pra baixo da linha. Na primeira visita, o consulente reclamou da vida, da grana curta e da casa — pequena demais para ele, a esposa e os dois filhos que não saíam da Internet. Ao término das lamentações, o guru receitou: “Leve a sua sogra para viver com vocês. Retorne dentro de um mês”. O desafortunado arriscou um “mas”, mas o guru foi mais rápido: “Ide e faça o que estou mandando”.

Decorrido o prazo, o infeliz voltou ao consultório, todo descadeirado. A sogra tinha ocupado o quarto do casal e ele passou o mês dormindo no sofá. A velha ligava para a filharada longe (a qualquer hora do dia, a qualquer dia da semana) e a conta do telefone veio mais salgada que pizza de aliche. “Chame um cunhado para viver com vocês”, receitou o guru. Antes que o torto abrisse a boca, a autoridade arrematou: “E volte daqui a dois meses”.

Cinquenta dias depois o pobre diabo retornou à edícula. Mentiu que se confundiu com as datas e exibiu a sua chaga: o cinto da calça apertado dois furos pra dentro. “Sete quilos mais magro”, revelou. Reclamou da sogra (apelidada por ele de sócia da Telefonica) e do cunhado, um assaltante de geladeira inveterado. O pateta, que nunca tinha avançado o limite do cheque especial, já estava devendo a metade do salário do próximo mês. Seu filho mais velho, obrigado a ceder a cama para o tio folgado, ameaçava sair de casa. “Quer dizer, sair do apartamento”, corrigiu o merda. “Recolha, então, dois cachorros de rua no apartamento. E só volte daqui a três meses”, prescreveu o guru.

A outra metade do salário quase que não deu para as despesas da clínica. Remédios para sarna, carrapaticidas, vacinas, vermífugos e muita ração. O síndico o ameaçou de despejo e a própria mulher, num momento de sinceridade, sentenciou: “Se é por causa dos cachorros, pode se mudar com eles”. No que foi apoiada pela sogra, o cunhado e os dois filhos, que preferiam não deixar o apartamento — e a Internet, claro.

Setenta dias depois, lá estava o Tiradentes ruim de matemática de volta ao consultório. “Como estão as coisas agora, filho?”. O Cristo só não partiu pra cima do guru porque lhe faltavam forças até para as necessidades fisiológicas. Experiente, o guru lhe passou então a receita final: “Volte pra casa, expulse a sócia da Telefônica, o folgado do cunhado e solte os cachorros na periferia — pobre gosta de adotar animais de estimação”. Incrédulo, o zumbi ainda permaneceu naquela edícula abençoada o tempo suficiente para ouvir: “E volte daqui a três dias”.

Obediente, o Mané voltou no dia marcado. “E então, como está a sua vida agora?”, perguntou o guru. “Uma maravilha! Parece que estou no céu, parece que estou no céu!!”.

Lembrei-me dessa história moral na semana que se seguiu à eleição municipal. Súbito, a cidade me pareceu maravilhosa. “Eu estou vivendo no paraíso”, pensei. Há pouco, naquela mesma avenida eu tinha me sentido exatamente no centro do inferno. Só faltava um diabo de colante vermelho, rabo e tridente — peça que os marqueteiros ainda não tiveram a ideia de colocar nas ruas. O resto tinha. Mas agora eu me sentia no céu e perguntando: onde estariam estacionados todos aqueles carros de som? O que faziam, nesse momento, as moças que ontem agitavam bandeiras e entregavam santinhos? E as musiquinhas dos candidatos? E as carreatas dando uma mãozinha para o trem acabar de avacalhar com o nosso trânsito? Os homens-placas, os foguetórios, aquela papelada deixada no para-brisa dos carros? Cadê? E o lixo deixado na porta da nossa casa, cadê?

Súbito, a cidade me pareceu o paraíso. Sem sair um milímetro do lugar, sem avançar um passo, sem inverter a direção de uma única rua, sem proibir nem liberar.

* Publicada originariamente em 26/10/2008



  • Publicado na edição impressa de 19/04/2020


SANTA CRUZ DO RIO PARDO

Previsão do tempo para: Sexta

Períodos nublados
21ºC máx
11ºC min

Durante todo o dia Céu limpo

COMPRA

R$ 5,41

VENDA

R$ 5,41

MÁXIMO

R$ 5,41

MÍNIMO

R$ 5,39

COMPRA

R$ 5,44

VENDA

R$ 5,61

MÁXIMO

R$ 5,45

MÍNIMO

R$ 5,43

COMPRA

R$ 6,36

VENDA

R$ 6,38

MÁXIMO

R$ 6,37

MÍNIMO

R$ 6,35
voltar ao topo

Voltar ao topo