CULTURA

Pascoalino: ‘Plínio Marcos em Santa Cruz'

Pascoalino: ‘Plínio Marcos em Santa Cruz'

Publicado em: 06 de janeiro de 2020 às 17:10
Atualizado em: 30 de março de 2021 às 07:08

Plínio Marcos

em Santa Cruz

Pascoalino S. Azords

Da equipe de colaboradores

Muito eucalipto adulto escaparia do corte se todo aquele que escreve se perguntasse: será que isso vai interessar a alguém? Escrever é meio como colocar filho no mundo ou sair com mulher casada: se pensar muito, a pessoa acaba não fazendo nem uma coisa nem outra. É claro que ser lido faz parte do jogo literário. Mas duvido que os grandes autores tiveram essa preocupação antes de baixar a primeira palavra no papel. Plínio Marcos, por exemplo.

No final dos anos 1960 devido ao sucesso de seu personagem (Vitório, o bom mecânico) na novela Beto Rockfeller, Plínio foi parar num álbum de figurinhas de artistas da TV. Um dia, ao ver dois meninos jogando bafo, ele se aproximou para experimentar pela primeira vez a sensação de ser figurinha. Viu que na hora de casar, um deles queria empurrar um punhado de Plínio Marcos repetidos. Viu também quando o outro, para mostrar que aquelas figurinhas não valiam nada, rasgou a sua cara de artista fácil. O verdadeiro Plínio Marcos contava essas coisas sem revelar até onde ia a mentira ou a verdade. No caso das figurinhas, por exemplo, dizia que antes de ser reconhecido pelos moleques, foi saindo de fininho para ir chorar sozinho pelas ruas de São Paulo.

Em 1995 Plínio Marcos participou do Festival do Teatro Amador de Ourinhos. Vinha com uma nova mulher e já convertido aos sorvetes e refrigerantes diet. Mantinha-se fiel, no entanto, à vocação de figurinha fácil. Não escolhia mesa para sentar no Dona Maria, ele que tinha mesa cativa no Gigetto, a maior referência gastronômica do teatro brasileiro. “Um dia recebi a visita de umas estudantes da Escola de Artes Dramáticas da USP no hospital — contou ele no Dona Maria. ‘Seu Plínio, nós vamos fazer uma homenagem pro Nelson Rodrigues, pro Paulo Pontes, pro Vianinha e pro senhor. A gente queria saber se o senhor vai’. Eu pensei: porra, será que eu já morri também aqui no hospital? E respondi: tudo bem, meninas, se eles forem, eu vou”.

Há uns trinta anos, Plínio Marcos apresentou em Santa Cruz do Rio Pardo um monólogo de sua autoria no Cine São Pedro. Apesar de santo para todo lado, o pessoal sabia que o palavrão ia comer solto no palco. O espetáculo estava marcado para as oito da noite (para começar às nove), e talvez se chamasse “O humor grosso e maldito das quebradas do mundaréu”. Oito em ponto, tudo nos conformes: bilheteiro, porteiro, pipoqueiro na calçada... Só faltava o respeitável público. Dez minutos depois da missa acabar, os promotores do espetáculo contabilizavam meia dúzia de ingressos vendidos. Não compareceram nem os felizes proprietários de um aparelho de TV que conheciam o ator, mas preferiram ficar em casa vendo Beto Rockfeller em branco e preto pela Tupi.

Os promotores do espetáculo foram dar a má notícia ao artista que aguardava a sua hora escondido atrás da tela do velho cinema. Envergonhados, chegaram a sugerir que a apresentação fosse cancelada. Plínio Marcos não concordou. Disse que representaria mesmo que houvesse um único espectador na plateia. E, de quebra, autorizou que a bilheteria fosse liberada.

Enquanto o Baiano do Cinema escolhia uma entre mil poltronas vazias para se sentar, Hélio Brizola caçava as pessoas que passavam na rua para assistir a uma peça de teatro por conta da casa, ou pelo amor de Deus — o que naquela situação dava no mesmo. O Hélio não levava nenhuma vantagem naquilo, coitado. Ajudava apenas para que o artista não levasse uma péssima impressão de uma cidade que nem era a sua. Ele vinha de Ipauçú e, quando acontecia de perder o último ônibus, dormia no quartinho dos fundos da bela casa da sua madrinha Genoefa.

O segredo de quem escreve honestamente não é produzir obras primas, mas dar um passo à frente quando tudo ao redor parece gritar “meia volta, volver”. Se um dia Plínio Marcos adivinhasse o futuro da peça que alguns anos depois ele se disporia a representar para um único espectador em Santa Cruz, talvez não escrevesse aquela peça. Nem os livros que ele vendia sobre um caixote nas ruas do centro velho de São Paulo: “Olha o livro. É ruim, mas é barato. Eu mesmo que escrevi”.

Nota: A crônica estava nesse ponto quando li no Estadão de quinta-feira (28/02/2002) que Plínio Marcos está de novo na moda. O que estaria acontecendo? A demolição do Carandiru? Em 1969, Nelson Rodrigues dizia que não conhecer Plínio Marcos (representado em cinco teatros ao mesmo tempo) era “uma vergonha indesculpável”. Pena que nenhum dos dois esteja vivo para ver que hoje Plínio Marcos tem sete peças em cartaz na cidade de São Paulo! 

* Publicado originariamente em 03/03/2002
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