CULTURA

Pascoalino S. Azords: "Os fantasmas de Ocalina"

Pascoalino S. Azords:

Publicado em: 03 de fevereiro de 2021 às 11:46
Atualizado em: 25 de março de 2021 às 22:08

Os fantasmas de Ocalina

Pascoalino S. Azords

Quando chegou ao Paraná para abrir uma farmácia no patrimônio de Ocalina, em sociedade com o finado Adail, meu pai estranhou a quantidade de fantasmas que infestava o lugar. Com 22 anos de idade ele não atinava de onde vinha aquilo. Se de trás da igreja velha, se das ruas por iluminar, se do assoalho das casas penduradas – o mundo era de madeira e sombras – ou de baixo da terra roxa que ele pisava pela primeira vez com seus pés leves de farmacêutico. Na dúvida, meu pai comprou um revolvinho 22 para as injeções a domicílio e as incursões noturnas até a casa do nhô Du, que viria a ser seu sogro no próximo janeiro. Faça-se justiça ao bom comportamento dos noivos: eu nasci de 12 meses, só no janeiro do outro ano.

Minha mãe era a filha do meio de um time misto que meus avós puseram no mundo, sendo sete mulheres e quatro homens escalados na defesa. Com onze alqueires para formar, o nascimento de cada filha mulher era não só a pior notícia que a parteira podia dar ao meu avô como a desculpa que ele precisava para não voltar ao quarto da senhora minha avó nos próximos meses – pelo menos enquanto durasse o resguardo. Os dois eram espanhóis da Andaluzia e assim se desentendiam bem.

Aos 20 anos de idade minha mãe era dona de uma beleza destoante. Para estar na sua presença meu pai ia por aquelas ruas de lama até o fim e depois descia pelo cafezal mal assombrado que se erguia vertical na divisa com o vilarejo. O basalto fértil ia grudando na sola do coturno emprestando-lhe preciosos centímetros na estatura que depois ele tinha que deixar em uma enxada virada de cara pra cima na porta da casa. Não vou dizer que para estar com a noiva meu pai atravessaria um oceano. Essas metáforas românticas não diziam respeito àquela paisagem encardida onde alguns anos depois situaram o norte pioneiro do Paraná. Sem falar que, desde o seu aquário amniótico, meu pai só sabia nadar “cachorrinho”.

Naquele tempo os fantasmas de Ocalina eram uma certeza. Em outras palavras: os fantasmas eram uma dessas coisas que ninguém vê, mas que muita gente jura que existe. Como uma câmara de vereadores, só que ainda mais inútil. Sim, porque apesar de não se colocar em dúvida a existência dos fantasmas, nunca se soube direito para o que eles servem. Quando ali voltei alguns anos depois, ainda se sentia o bafo do além no fundo das serrarias, da sacristia, e na conversa das minhas tias. A única privada de buraco, redentora, ficava no quintal e para chegar até ela as mulheres tinham que driblar as cólicas e umas luzes que as seguiam feito vagalume que não pisca. Uma noite, toda a casa correu até a varanda da cozinha para ver uma luz pálida que vinha vindo da bica na direção do matadouro, a uns dez metros do chão, acesa como um artefato pirotécnico. Quando pude avistar, a luz já vinha sobre o pasto, na altura da casa do tio Carlito. E depois, sobre o curral, e depois sobre o forno onde as galinhas chocavam, para desaparecer atrás das bananeiras que escondiam os lagartos teiús que o tio Zelão não conseguia matar com o parabelo do meu avô.

As assombrações talvez fossem a companhia indesejada, mas necessária, das pessoas solitárias até o advento da televisão. Do andarilho, da mulher esquecida pelo marido, do falido abandonado pelos amigos, enfim, de todos aqueles que precisavam sentir alguma coisa fisgar para se convencer de que ainda estavam vivos. Tem gente que se belisca, mas a maioria vê coisas.

Naquela Ocalina onde o motor da serraria só fornecia a luz até às 10 da noite, os fantasmas tinham invariavelmente uma aparência luminosa. Isso até que é fácil de compreender. Mas, por que aquela mesma conversa na casa de meu avô? Por que só falar de fantasmas se ainda não tínhamos nenhum morto na família? Sim, naquele tempo todos estavam ali muito bem encarnados e falando alto. Até o finado Adail ainda era vivo!



  • Publicada em 27/02/2011 e reproduzida na edição impressa de 24 de janeiro de 2021


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