Placa da Estação mostra Chavantes grafada ainda com X, e Ipaussu, com Ç
Publicado em: 17 de abril de 2021 às 02:52
Sérgio Fleury Moraes
André Fleury Moraes
Retrato de um passado que representou um pujante desenvolvimento agrícola, a estação ferroviária de Chavantes está totalmente abandonada.
Entregue aos pombos e a usuários de drogas que dominam o espaço há anos, a arquitetura do prédio destoa das antigas estações da Estrada de Ferro Sorocabana da região porque foi construído em outra época.
A primeira, de 1909, era pequena, mas foi refeita em 1927 com uma arquitetura de nítida influência neocolonial.
Todo o acervo ferroviário — incluindo a estação, alguns barracões, a casa do chefe da ferrovia e até uma praça — foi tombado pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo) em 2016, quando já estava abandonado e, inclusive, desocupado.
A estação, aliás, foi um fator decisivo para a emancipação do município. Até o início do século XX, era Irapé o distrito de Santa Cruz do Rio Pardo que deveria receber a linha tronco da Estrada de Ferro Sorocabana.
Por razões topográficas, a ferrovia foi construída alguns quilômetros antes, ou uma “chave antes”, como dizem alguns historiadores para justificar o nome do município — para outros, a origem da grafia é indígena.
Assim, em torno da estação começou a surgir um novo povoamento com o nome de Chavantes. Em 1922, o então distrito emancipa-se de Santa Cruz do Rio Pardo e se torna a sede do município, com Irapé figurando como distrito.
Em 1927, a estação passa por uma profunda reforma e, sob um estilo neocolonial, torna-se um prédio exuberante.
O trem foi desaparecendo aos poucos. Hoje, o mato que cobre os trilhos, em trechos que eles ainda existem, é um retrato do descalabro da privatização das ferrovias, que sepultou sonhos e projetos de desenvolvimento em detrimento do transporte rodoviário.
A Rumo, concessionária que substituiu a ALL Logística, não respeitou o contrato de privatização e abandonou toda a malha ferroviária da região, sem qualquer tipo de punição por parte do governo federal.
O descaso impôs o fim definitivo àquilo que foi crucial para o desenvolvimento econômico de Chavantes. O tema foi estudado em tese de doutorado da santa-cruzense Franciele Pereira Dias.
Segundo ela, ainda durante a pujância do café, a ferrovia servia como escoamento do produto e também como transporte dos milhares de trabalhadores que vagavam de estação em estação em busca de emprego.
O declínio das ferrovias, diz Franciele, coincidiu com o advento da cana de açúcar — embora o produto ainda seja transportado pelos vagões. Mas o fato é que representou também o fim do transporte humano nos trens.
A Estação Ferroviária de Chavantes era importante porque foi parte da linha “tronco” da estrada de ferro, considerada a principal do trajeto. A “linha tronco” se expandiu até Presidente Epitácio.
Até meados dos anos 2000, entretanto, o prédio da estação ainda estava bem conservado e servia como sede da Polícia Militar de Chavantes. Em 2006, na gestão do ex-prefeito Luiz Severino de Andrade, o prédio passou a abrigar o Museu Histórico de Chavantes.
O curioso é que todo o acervo ferroviário de Chavantes ainda pertence à União.
O município não conseguiu a transferência dos imóveis, a exemplo do que aconteceu com Santa Cruz do Rio Pardo, Ourinhos, Ipaussu e Bernardino de Campos. Entretanto, houve autorização para uso da prefeitura.
Santa Cruz reformou sua estação antes que o prédio ruísse e a transformou no “Museu Municipal Ernesto Bertoldi”, em homenagem a um ex-ferroviário. O local, porém, foi fechado no governo Otacílio Parras para reformas. Bernardino de Campos, por sua vez, instalou a Câmara Municipal em sua antiga estação.
Em Chavantes, porém, o prédio que abrigava a antiga estação ferroviária da Sorocabana foi se deteriorando ao longo dos últimos anos.
Hoje os portões frontais estão abertos e, no saguão onde antigamente funcionava a venda de passagens, há um cheiro forte de urina e sinais de fogueira nos cantos. O lixo se acumula em todos os lugares.
Ao menos ainda existem as placas originais que indicavam aos trens que aquela era a estação de “Xavantes” e que o destino a seguir seria Canitar ou “Ipauçu” — também na antiga grafia. No entanto, a ferrugem já corrói as partes metálicas.
Os pombos tomaram conta do telhado, o principal problema estrutural da antiga estação.
Basta andar pela plataforma ou corredores que os pássaros surgem de todos os buracos e fazem companhia a cachorros e gatos abandonados. Há fezes de animais espalhadas por toda a área.
O que um dia foi o banheiro da Estação hoje está entregue às traças. Um mau cheiro toma conta do lugar e piora a cada passo dado.
Por todos os cantos é possível avistar bitucas de cigarro, garrafas de plástico e de vidro, restos de marmitas e destroços do que já movimentou toda a estrada de ferro da Sorocabana.
Ali o trem já não passa mais. Uma pequena trilha é mantida por munícipes que usam o espaço para cortar caminho quando precisam cruzar o local para ir ao supermercado — um deles fica muito próximo à Estação.
Maria Helena Cadamuro, que durante muitos anos foi a responsável pelo Museu Histórico de Chavantes, contou que os danos no telhado começaram a ameaçar o acervo da instituição.
“Começou a chover em armários e até computadores. Era uma aflição”, disse. Cadamuro contou que, para preservar os objetos e documentos, começou a transportar o acervo para o Centro Cultural.
Mas parte ainda continuou no museu, segundo confirmou o prefeito Márcio Jesus Burguinha do Rego (PSDB). “Existe alguma coisa lá dentro, como móveis e peças do acervo que são mais pesadas. A maioria nós retiramos”, disse.
O prefeito lamentou que o município não conseguiu a transferência de propriedade do prédio. “Mas já temos autorização para reformar a antiga estação”, disse. O prefeito explicou que deve começar a reforma, com recursos do próprio município, em no máximo 90 dias. “Não é só o telhado. Precisamos fazer tudo”, afirmou.
Burguinha disse que pretende implantar no museu, depois da reforma do prédio, um setor dedicado à história rural. Ele citou, por exemplo, máquinas agrícolas antigas que têm relação com a alfafa ou café, culturas que desenvolveram o município.
“Nós faremos o mesmo com o teatro de Irapé. Vamos deixar tudo lindo”, garantiu.
Mas há obstáculos, como o tombamento histórico da estação ferroviária, o que implica em restauração do imóvel e não uma simples reforma.
Já o teatro de Irapé — construído em 1921 e o primeiro no Oeste paulista — chegou a ser cogitado para tombamento no Condephaat, mas o processo foi arquivado pela inércia das autoridades do município.
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