Piraju já teve linha de bonde no passado

Sérgio Fleury Moraes

Piraju, a pouco mais de 50 quilômetros de Santa Cruz do Rio Pardo, tem uma história de vanguarda na região. Foi o primeiro município a decretar a libertação total dos escravos, quatro meses antes da princesa Isabel assinar a “Lei Áurea”. Além disso, implantou a energia elétrica bem antes da capital federal, na época o Rio de Janeiro. Mas o surpreendente é que a cidade já teve linhas regulares de bondes elétricos, inauguradas em 1913.

Aliás, Piraju foi uma das primeiras cidades brasileiras a contar com bondes elétricos. Pouco antes, porém, implantou um ramal ferroviário que ligava a Manduri. Na verdade, a exemplo do que aconteceu em Santa Cruz do Rio Pardo, o ramal foi totalmente financiado pela Câmara de Piraju, que tinha interesse no transporte do café pela futura Estrada de Ferro Sorocabana, que chegou à região em 1908.

Provavelmente em razão de sua topografia, a estação ferroviária foi construída na vila Tibiriçá, distante do centro da cidade por causa de um enorme vale. A estação foi inaugurada em abril de 1908, com a presença do governador Jorge Tibiriçá, daí a homenagem com o batismo da vila. Na mesma viagem, o governador também inaugurou a estação do ramal ferroviário de Santa Cruz do Rio Pardo e a avenida que liga o bairro ao centro foi batizada de Jorge Tibiriçá — hoje Ângelo Carnavale.

A distância dos moradores de Piraju para chegar à estação ferroviária da vila Tibiriçá deu início a um estudo para implantação de uma linha de bonde elétrico — na época também chamado de Trams. Esta história foi resgatada graças a estudos do pesquisador Allen Morrison, um estadunidense de Nova York que esteve em Piraju e percorreu várias cidades brasileiras, escrevendo um livro sobre o transporte elétrico no Brasil. Ele morreu em 2019 aos 90 anos de idade

Para gerar a energia necessária para o funcionamento do bonde, foi construída em 1913 a Usina Hidrelétrica Boa Vista, entre Piraju e Sarutaiá. O excedente de energia era usado na iluminação pública de Piraju.

Para implantar a linha de bonde elétrico entre a estação de Piraju e o centro, porém, faltava uma ponte sobre o rio Paranapanema. A obra ficou a cargo da “Companhia de Ferro Anglo-Brasileira”, cuja supervisão foi de Kermit Roosevelt, filho do 26º presidente dos Estados Unidos Theodore Roosevelt.

Kermit ficou anos em Piraju e foi visitado pelo pai Theodore, já ex-presidente dos EUA, em 1913, quando a linha do bonde já esteva sendo implantada. Na verdade, Theodore estava a caminho do Mato Grosso para se encontrar com o Marechal Cândido Rondon e iniciar uma expedição científica no coração do Brasil. A epopeia foi batizada de “Expedição Rondon-Roosevelt” e em Rondônia um rio foi batizado com o nome do ex-presidente dos EUA.

Depois que os bondes passaram a circular pelas ruas de Piraju, teve início o projeto para levar seus trilhos além da cidade, alcançando a zona rural e tendo sua linha final em Sarutaiá, numa distância de aproximadamente 26 quilômetros. Para o trajeto intermunicipal, o “tramway elétrico” operava com seis vagões de passageiros e dez de carga.

Em 1925 a linha do bonde elétrico foi vendida para a Companhia Luz e Força Santa Cruz, que tinha um projeto para uma expansão até Carlópolis, no estado do Paraná.

No entanto, os planos mudaram. Piraju começou a construir a barragem da atual Usina Hidrelétrica Paranapanema, pela Companhia Luz e Força Santa Cruz, e o bonde foi desativado em 1937.

Permaneceu o ramal ferroviário da Sorocabana, que foi extinto definitivamente em 1966, juntamente com o ramal de Santa Cruz do Rio Pardo a Bernardino de Campos.