ABANDONO — Antiga estação ferroviária, abandonada há décadas, pode ser reformada para o turismo
Publicado em: 08 de janeiro de 2022 às 02:09
Atualizado em: 08 de janeiro de 2022 às 05:29
Sérgio Fleury Moraes
A antiga estação ferroviária do distrito de Sodrélia, que está abandonada há décadas, pode ser reformada pela atual administração de Santa Cruz do Rio Pardo. Pelo menos é este o desejo do prefeito Diego Singolani (PSD), que anunciou planos para fomentar o turismo rural no município, incluindo Sodrélia e suas características históricas. O prédio foi construído em 1908, no mesmo ano em que foi inaugurada a estação da Sorocabana de Santa Cruz do Rio Pardo. A promessa já foi feita por outros prefeitos, já que o Poder Público costuma “esquecer” Sodrélia. É um grupo de moradores, inclusive, que está revitalizando a antiga fonte do distrito.
As duas estações ferroviárias faziam parte do ramal que ligava a sede do município a Bernardino de Campos. Os 24 quilômetros de trilhos foram bancados pela própria prefeitura e depois doados ao Estado. Isto provocou uma dívida gigantesca, que afetou financeiramente o município durante décadas.
O ramal foi desativado em 1966 e, desde então, as duas estações que existiam entre Santa Cruz do Rio Pardo e Bernardino de Campos foram abandonadas e começaram a se deteriorar. Em 2011, no governo da prefeita Maura Macieirinha, a estação de Santa Cruz foi totalmente restaurada e se transformou no “Museu Municipal Ernesto Bertoldi”.
Mas o prédio de Sodrélia continuou abandonado, sendo invadido continuamente por famílias carentes. Hoje, segundo informações de moradores do distrito, dois irmãos idosos aposentados moram na antiga estação. Há ligações de água e luz no local, mas o prédio tem problemas no telhado, que está caindo num dos cantos, algumas rachaduras graves e portas e janelas com sinais de podridão. A estrutura, porém, parece estar em condições ainda razoáveis.
A reportagem não conseguiu entrar no prédio, pois na quinta-feira, 6, não havia ninguém no imóvel. Na área ao redor, há móveis velhos e entulhos espalhados pelo chão, além de um Volks Fusca abandonado.
O prefeito Diego Singolani diz que pretende usar verbas repassadas exclusivamente para o turismo, por Santa Cruz ser um MIT (Município de Interesse Turístico) para reformar o casarão. Ele foi procurado na quinta e sexta-feira para dar mais detalhes sobre o projeto, mas não retornou às ligações e ao pedido feito diretamente à secretaria de Comunicação.
Mas enquanto o Poder Público ensaia novamente um interesse em resgatar a memória de Sodrélia, um grupo de moradores trabalha há anos na revitalização da pequena fonte que existe no centro do distrito. O projeto foi iniciado em 2019, quando uma peça da antiga fonte abandonada foi localizada e restaurada por Flávia Soares.
A base de cimento, que só pode ser movimentada por um trator devido ao peso, é a única parte que sobrou do ornamento da antiga fonte, que também tinha uma bacia e uma estátua de anjo na parte superior. A peça restaurada possui desenhos de peixes, por onde jorrava água, além de um tridente simbolizando o deus Netuno da mitologia grega. Os detalhes artísticos lembram o mundo das águas.
Na verdade, a obra de arte ficava na praça principal de Santa Cruz do Rio Pardo até o início dos anos 1960, quando uma reforma implantou uma fonte luminosa na atual praça Leônidas Camarinha — que antes se chamava Praça da República. A obra foi realizada no governo de Carlos Queiroz e a antiga fonte, então, foi transferida para o distrito de Sodrélia.
No entanto, os moradores lembram que um grupo de jovens quebrou a fonte nos anos 1980. Anos depois, a base foi retirada e a fonte, aterrada. Em 2019, os amigos Vinícius Cassiolato e Mauro Mioto, moradores de Sodrélia, com a ajuda da restauradora Flávia Soares, iniciaram o projeto de devolver a fonte ao distrito. A base foi restaurada e o grupo está adquirindo uma bacia e uma estátua de anjo para adaptar na estrutura.
O problema, segundo Vinícius Cassiolato, é a falta de interesse do Poder Público. “A nossa parte nós já fizemos, com a restauração da peça e a preparação da fonte. O que falta é vontade da prefeitura, pois ficaram de providenciar a colocação de um poste, puxar a energia e proteger o trânsito do local com vários acabamentos no chão“, disse.
Outro problema, segundo Vinícius, é a falta de interesse da própria população. “Só os mais velhos ainda defendem a importância de se preservar a memória. O restante não dá valor”, reclamou.
Segundo ele, a iniciativa de restauração partiu de um grupo de moradores do distrito porque foi o próprio Poder Público quem abandonou a peça histórica. Vinícius disse que deu outras sugestões ao município, como o plantio de ciprestes italianos ao redor da fonte, mas não obteve sequer resposta.
“Algumas melhorias representam investimentos pequenos, mas são ignoradas”, afirmou Cassiolato, lembrando que todas as obras na fonte até agora foram feitas pelos próprios moradores. “Estamos tentando salvar uma memória importante. Afinal, a fonte de Sodrélia é praticamente uma miniatura da existente em Santa Cruz, com o mesmo desenho”, disse.
Sodrélia é um dos dois distritos de Santa Cruz do Rio Pardo. Segundo o historiador Celso Prado, o lugarejo surgiu no início do século passado com a chegada dos trilhos da Estrada de Ferro Sorocabana. Foi quando o ramal passou pelas terras do médico e político Francisco de Paula Abreu Sodré e construiu-se uma “gare” — nome dado às estações ferroviárias.
No início, a estação foi batizada de “Francisco Sodré” e, com o tempo, tornou-se popularmente conhecida como “Sodrélia”. O local foi distrito policial e em 1929 transformou-se em distrito de paz. O ramal da Sorocabana impulsionou Sodrélia a ponto de lideranças políticas reivindicarem, em 1935, a construções de novos barracões para armazenamento da safra antes do embarque nos vagões de trem.
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