CULTURA

Tupá, cidade que desapareceu, pode ter cemitério preservado

Vereador de Agudos, uma professora de Domélia e casal de historiadores de Santa Cruz defendem a preservação histórica do local

Publicado em: 11 de setembro de 2021 às 02:34
Atualizado em: 19 de setembro de 2021 às 21:04

Sérgio Fleury Moraes

São João de São Domingos, localizado entre Agudos e o distrito de Domélia, foi um povoado tão forte que chegou a ser chamado de “sentinela e fortaleza do sertão” entre 1835 e 1860. Mais tarde ficou conhecido como “São Domingos do Tupá” para finalmente, já em seus últimos anos, ser conhecido apenas pela palavra de origem indígena. Tupá teve comércio forte, lojas de tecidos, uma subdelegacia e até um cartório, antes de entrar numa decadência tão profunda que simplesmente desapareceu. Todas as construções foram demolidas e restou apenas o cemitério, abandonado em meio a um pasto e protegido por uma vegetação exuberante.

O antigo cruzeiro com inscrições indígenas, que estava no cemitério em 2004 quando o jornal fez sua primeira reportagem sobre São Domingos de Tupá, foi retirado e levado para o “Espaço Histórico Plínio Machado Cardia”, de Agudos. O objetivo é preservá-lo, uma vez que havia o risco de deterioração ou até roubo.

Nas últimas semanas, um grupo formado pelo vereador José Roberto Artioli Júnior (Solidariedade), de Agudos, pela professora de História Samara Gonçalves Zeferino e pelos historiadores Celso Prado e Junko Sato Prado, de Santa Cruz do Rio Pardo, iniciou um projeto ambicioso: preservar o cemitério de Tupá e revitalizar o espaço com objetivos históricos e turísticos.

Os quatro visitaram o antigo cemitério na quarta-feira, 8, para verificar as condições das ruínas que sobraram. Se conseguirem levar o projeto adiante, São Domingos do Tupá poderá deixar de ser apenas um mistério da “cidade” que desapareceu no turbilhão da história, com boas chances de resgatar sua trajetória e informações que já se perderam.

Celso Prado, Junko Sato e a professora Samara Gonçalves mostram tijolo do século passado, resto de túmulo já destruído

Nos últimos anos, graças às pesquisas de Celso Prado e Junko Sato Prado, muitas informações sobre Tupá foram descobertas. Afinal, o povoado teve grande importância para a Igreja Católica no século 19, a ponto de ser alçada à condição de “Comarca Eclesiástica”, que abrigava Santa Cruz do Rio Pardo nos idos de 1860.

No início do povoamento de Santa Cruz, batizados e casamentos só podiam ser registrados em São Domingos do Tupá e isto perdurou até 1862. O italiano Andrea Barras, que foi o padre responsável pela igreja de Tupá a partir de 1856, às vezes viajava até a incipiente Santa Cruz para celebrar as cerimônias. Barras foi o vigário pioneiro do sertão localizado depois das terras de Botucatu.

São Domingos certamente é a civilização mais antiga da região, antes dos índios, e chegou a ter um ramal ferroviário e um complexo canal de abastecimento de água, cuja construção muitos historiadores atribuem aos padres jesuítas que teriam uma fazenda em Botucatu. O sistema era um “rego d’água”, desviado de um pequeno córrego, que rasgava o centro da cidade para servir as residências e comércios. Havia, inclusive, leis locais para proibir qualquer tipo de contaminação do canal chamado de “água das pedras” e que percorria seis ou sete quarteirões.

Foto do início dos anos 1970, quando havia a igreja de madeira da antiga São Domingos do Tupá. Ela foi demolida anos mais tarde e, segundo moradores mais antigos, provocou uma crendice popular sobre “maldição”

O ramal ferroviário da Estrada de Ferro Sorocabana ligava os municípios de Borebi e Lençóis Paulista, passando em frente ao antigo povoado. Aliás, era Tupá o responsável pela lenha que abastecia a ferrovia na época das históricas locomotivas a vapor.

Em 2004, quando a reportagem esteve no que restou daquela civilização, o antigo Oficial do Cartório de Domélia — que pertenceu a Santa Cruz até 1937 — contou suas memórias sobre Tupá. Hoje com 94 anos, Henrique Dyna, um dos cidadãos mais respeitados de Domélia e região, se lembra com detalhes de uma época em que Tupá começou seu declínio. “Meu irmão foi dono de uma farmácia e ficou fico naquele lugar”, disse. Ele também contou que havia a “Loja do Barud”, que vendia tecidos, com um estoque maior do que a Pernambucanas de Santa Cruz do Rio Pardo.

Segundo ele, o cartório de Tupá fechou em 1928 e foi transferido para o recém-criado município de Gália. Para o pecuarista, “quando uma cidade perde o Poder Judiciário, perde também sua força”.

Mas o declínio teve outras causas. Em 1929, a crise mundial afetou os cafeicultores no Brasil e provocou quebras em todo o País. Tupá, de acordo com Henrique Dyna, tinha cerca de três milhões de pés de café e não resistiu quando Getúlio Vargas decretou uma moratória geral e determinou a queima dos grãos armazenados. Foi o início do fim da cidade misteriosa.

Suposto jazigo do padre Andrea Barras, assassinado a tiros em 1870

Entretanto, também há lendas sobre fatos que beiram o sobrenatural e que, segundo a crença de populares, maldições decretaram a decadência de Tupá. O primeiro fato é o assassinato do padre Andrea Barras, vigário de Tupá, noticiado com destaque pelo “Correio Paulistano” da capital. “Ouve-se um disparo de arma de fogo. Populares que estavam próximos do local correm até a residência e pasmam com o acontecido. O padre Andrea Barras está morto”, narra o início da reportagem de 16 de novembro de 1870.

O autor dos disparos foi um fazendeiro conhecido como “João Italiano”. Ele alegou motivos passionais, mas nunca se soube exatamente o que aconteceu entre os dois. O texto publicado pelo jornal paulistano cita o desabafo de outro padre sobre o crime: “Não seria abençoado por Deus um lugar em que um padre é assassinado”. Daí por diante, todos os acontecimentos negativos e Tupá foram atribuídos ao episódio e o desabafo daquele padre soou como profecia.

A outra crendice popular é mais recente e diz respeito à destruição da igreja de Tupá. Quando os imóveis começaram a ser demolidos, restou apenas o templo católico de madeira, construído em 1856 como igreja matriz. Quando a cidade desapareceu, a igreja ainda permaneceu durante algumas décadas, até que alguém se atreveu a destruí-la em meados dos anos 1970. Pronto, estava criada outra “maldição” que, inclusive, afastou moradores do cemitério durante muito tempo.

São Domingos de Tupá, na verdade, tinha status na época do Império. O pecuarista Henrique Dyna afirma que os pioneiros do lugar contavam que o sino da igreja foi enviado ao local por D. João VI, trazido a cavalo do Rio de Janeiro.

Maldições ou realidade, a verdade é que Tupá entrou em queda vertiginosa e foi uma das raras localidades brasileiras a simplesmente desaparecer. Henrique Dyna conta que presenciou um dos últimos casamentos celebrados na localidade, por volta de 1935, do casal Mário Alves da Silva e Zeferina Polidoro.

Sobre São Domingos de Tupá, ficaram as lembranças de um lugar muito prestigiado pelo Império brasileiro e as histórias que podem ser resgatadas por um audacioso projeto de revitalização e preservação.

 

Projeto tem foco na história e no turismo

Professora do pequeno distrito de Domélia, em Agudos, Samara Gonçalves Zeferino diz que a história de São Domingos do Tupá costuma fascinar seus alunos quando contada em sala de aula. A avó dela foi moradora da antiga localidade e narrava histórias que povoavam a imaginação de Samara na infância. “Sempre tinha um pessoal antigo na casa dela e eu ficava escutando. Quando minha avó morreu, continuei interessada por Tupá e, hoje, costumo contar aos meus alunos”, disse.

Claro que Samara se formou professora de História. E daquelas apaixonadas. Neste sábado, por exemplo, ela teria outro compromisso agendado: acompanhar um grupo de Agudos que está produzindo um documentário sobre São Domingos do Tupá. “Precisamos preservar esta história, que pode se perder ao longo do tempo”.

Samara lembrou que uma de suas alunas, que mora numa propriedade rural perto das ruínas do antigo cemitério, ficou tão encantada pelas histórias contadas na classe que pediu ao pai para levá-la às ruínas do que sobrou de Tupá. Quando o documentário estiver concluído, a professora quer exibi-lo aos estudantes de Domélia.

O casal de historiadores Celso Prado e Junko Sato Prado é sem dúvida o que mais realizou pesquisas sobre a antiga Tupá, resgatando informações que tinham se perdido no tempo. O avô de Celso, por sinal, nasceu naquele povoado. Na última quarta-feira, 8, antes de visitar o antigo cemitério, Celso e Junko realizaram buscas no cartório de Águas de Santa Bárbara para encontrar documentos da família.

“Carila” e Eunice, vizinhos do antigo cemitério, durante a visita do grupo. O casal está animado com a possibilidade de criação de uma “rota turística” que pode beneficiar famílias daquela região

Segundo Celso, a ideia de preservar as últimas ruínas de Tupá é importante para a história de toda a região. Afinal, diz, São Domingos foi o povoado pioneiro do sertão à frente da cidade de Botucatu.

De Agudos, José Roberto Artioli Júnior (Solidariedade), único vereador eleito pelo distrito de Domélia em 40 anos, é um dos entusiastas do projeto de resgate da história de Tupá. Ele já conhecia relatos sobre a antiga localidade, mas se aprofundou nos últimos tempos. “Na minha época de escola em Domélia os professores promoviam feiras cultuais e São Domingos de Tupá sempre foi um dos temas”, lembrou.

Artioli aposta numa revitalização histórica que pode impulsionar o turismo na região. Ele lembra que Agudos já é MIT (Município de Interesse Turístico) e faz divisa com a Estância de Águas de Santa Bárbara, que já explora o turismo há décadas. “Podemos criar uma rota turística incluindo os restos de Tupá”, explicou.

“Expedição” do grupo que defende a revitalização do local histórico, na última quarta-feira, 8

O vereador já está elaborando requerimentos sobre o projeto. Um deles será encaminhado ao prefeito de Agudos, no sentido de apoiar a revitalização do local onde existiu Tupá. O outro será para o proprietário da fazenda onde o cemitério está localizado. Artioli diz que o município poderá, inclusive, homenagear o dono da propriedade. “Afinal, o cemitério foi mantido durante décadas e nunca foi destruído pela ação do dono”, lembrou.

O incentivo ao turismo pode beneficiar famílias de um assentamento rural que existe nas terras próximas ao cemitério. É o caso do sergipano José Alexandre da Silva, o “Carila”, 66, que mora há dois anos com a mulher Eunice, 66, em uma pequena propriedade perto das ruínas. Para chegar ao cemitério histórico, aliás, é preciso passar pelas terras de “Carila”. Assim, o agricultor disse que, caso ocorra a revitalização, ele pode até abrir um pequeno negócio para alimentação. “Eu apenas ouvi as histórias sobre o lugar, mas sempre tem gente passando por aqui em busca do cemitério”, contou. 

 

Relíquias estão expostas num ‘museu’ particular
Não é apenas o cemitério em ruínas que sobrou de São Domingos do Tupá, Comarca Eclesiástica da qual Santa Cruz do Rio Pardo fazia parte no século 19. 

O cruzeiro com inscrições indígenas que ficava na entrada do antigo cemitério foi retirado em 2017 e levado para o “Espaço Histórico Plínio Machado Cardia”, um local aberto à visitação pública em Agudos. Mantido por Marilena Cardia, o espaço integra o roteiro turístico do município. 

Marilena Cardia e o altar da antiga igreja (Arquivo / JC Bauru)

O local também guarda o antigo altar da igreja de São Domingos do Tupá que, segundo consta, chegou a ser usado na catequese de índios no século 19. Além disso, há uma imagem de São Benedito escupida em argila cozida, possivelmente entre 1856 e 1864. O altar foi resgatado pelo cantor e tenor Emilson Carmo Barbosa em 1966, quando gostava de percorrer fazendas e encontrou a peça na igreja já abandonada. Em 1993, quando o espaço histórico de Marilena foi inaugurado, Emilson resolveu fazer a doação da peça histórica.

SANTA CRUZ DO RIO PARDO

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