REGIONAL

De quem é a praça, afinal?

Sem debate público, governo retirou 51 árvores sob o pretexto e melhorar o tráfego urbano. E a reação popular foi inevitável

De quem é a praça, afinal?

Auxiliar de cinema, Adriano Francisco critica obra na praça

Publicado em: 25 de setembro de 2021 às 02:57
Atualizado em: 28 de setembro de 2021 às 16:58

André Fleury Moraes

No setembro mais mortal para o Meio Ambiente de Bauru em décadas, o governo de Suéllen Rosim (Patriota) autorizou a retirada de 51 árvores da Praça Portugal, via de acesso à avenida Getúlio Vargas, numa obra que pretende desafogar o tráfego de veículos que passam pelo local.

O corte começou na primeira quinzena de setembro. A princípio foram retiradas 44 árvores e, duas semanas depois, outras sete.

A reação foi imediata. A retirada das árvores foi criticada não somente por ambientalistas, mas por uma parcela significativa da população bauruense — que, em protesto, chegou a acampar na praça no final de semana de domingo, 19.

Cruzes espalhadas pela praça após protesto

O governo afirma que o corte das árvores seguiu o rito legal e que vai melhorar a malha viária no entorno da praça. Diz ainda que a obra está sendo custeada por uma empresa de engenharia — a “Zopone” — através de contrato de concessão onerosa.

Em vídeo divulgado nas redes sociais, a prefeita Suéllen também diz que outras 550 mudas serão plantadas nas redondezas a fim de compensar o dano ambiental causado pela obra.

A negociação, entretanto, não aconteceu às claras. Foi feita sem debate ou audiências, e moradores da região da Portugal com quem o DEBATE conversou contam que foram horas de agonia nos dias em que o governo arrancou as árvores.

Em conversa informal, eles disseram que foram pegos de surpresa já no dia 8 de setembro, data do início das obras. Pela manhã, relatam, acordaram com centenas de mensagens em grupos de condomínios no WhatsApp. Todas críticas às obras na praça.

Enquanto isso, segundo disseram os moradores, outras várias pessoas corriam em direção à Portugal para retirar, às pressas, animais que ainda estavam no local e que poderiam ser mortos se ali permanecessem. Eram dezenas e dezenas de pássaros em cima dos quais, de acordo com eles, os tratores passaram.

Entre a sexta-feira, 17, e o domingo, 19, moradores e entidades protestaram em frente à praça e chegaram a acampar no local. Faixas e cartazes foram pendurados nas árvores que restaram. Dezenas de crucifixos brancos também acabaram pregados ao redor da obra.

O auxiliar de cinema Adriano Francisco, 37, mora em Bauru desde que nasceu e diz que nunca viu algo semelhante ao que aconteceu na praça. “É uma vergonha, uma decepção”, avalia. “A Portugal era o abrigo de muitos animais, e parte disso acabou”. Para ele, o governo deveria ter estudado outras alternativas antes de tomar a medida mais drástica.

O auxiliar de cinema Adriano Francisco, 37, durante visita à praça Portugal na terça-feira, 21

O mesmo entendimento tem o arquiteto e urbanista Adalberto da Silva Retto Júnior, 57. Professor no curso de Arquitetura da Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho (Unesp), Retto mora praticamente em frente à praça Portugal e não poupa críticas à obra feita no espaço. “Qualquer projeto urbano  com essas dimensões deveria passar por um debate público”, avalia.

“A característica da praça Portugal são seus espaços que apontam ao local para onde a cidade começou a crescer. E não precisávamos desfigurá-la”, diz.

Para Retto, o governo local deveria ter buscado alternativas antes de tomar a medida unilateral. “Se a ideia era desafogar o trânsito, por que não contratar primeiro um engenheiro de tráfego para discutir as opções?”, indaga. Ele também cita a necessidade de um biólogo a fim de avaliar os impactos no Meio Ambiente local depois da retirada.

“E depois, portanto, uma ampla discussão sobre as opções para a praça a partir de um arquiteto e urbanista. Era preciso pensar no espaço como um todo, e o desenho deveria ser universal e inclusivo”, explica. E complementa: era possível potencializar a área que envolve a Portugal.

Para ele, a elaboração de um parque no espaço da obra poderia ser uma alternativa atraente à cidade e a seus espaços.

Doutor em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo, a USP, e pós-doutor pelo Instituto Universitário de Arquitetura de Veneza, da Itália, Retto defende a praça como um bem público que deveria ser pensado como política pública.

Arquiteto, urbanista e professor da Unesp, Adalberto Retto durante entrevista ao jornal

“Existe uma quadra em um trecho da Portugal que é utilizada todos os dias por atletas, e isso traz segurança à população. Restava projetar as demais áreas conciliando o trânsito ao lazer, à cultura e à história do local”, pontua.

Até porque a valorização do espaço, prossegue o professor, ressignifica a área e cria um sentimento de pertencimento à população que, a longo prazo, contribui para a cidade como um todo.

Em Bauru há seis praças com nomes de países. E todas foram nomeadas a partir do contexto em que se inserem. É exatamente essa a valorização histórica a que Retto se refere. “É preciso pensar na cidade como uma construção coletiva”, defende. “Isso leva mais tempo, mas garante uma cidade melhor”.

Na Câmara Municipal, por outro lado, a vereadora Estela Almago (PT) foi a única a discursar contra a obra. Os demais, segundo o Jornal da Cidade de Bauru, defenderam a obra do governo. Na imprensa, o apresentador da Jovem Pan Alexandre Pittoli chegou a dizer que os manifestantes que protestaram contra a obra eram “todos maconheiros”.

O jornalista disse também, em tom misterioso, que “uma luz apagada e uma foice na mão [bastariam] para a gente se livrar de certas personalidades”. A petista Almaci interpretou a declaração como ameaça e registrou boletim de ocorrência contra o apresentador.

Na verdade, o alargamento de uma via de acesso entre a calçada e a Portugal é fruto de um estrangulamento de boa parte da praça, que foi destruída e será, muito em breve, asfaltada. O arquiteto Adalberto Retto adianta que, em vez da destruição total de parte do espaço, o simples corte de parte de uma calçada já poderia garantir maior fluidez ao trânsito. “Neste caso, seriam retiradas no máximo cinco árvores, e não mais de 50”, critica.

Em entrevista ao Jornal da Cidade, o secretário de Planejamento de Bauru contrapõe Retto e diz que a proposta do doutor em arquitetura em Veneza é “superficial”. Segundo ele, a ideia de Retto — transformar a Portugal em um parque — dificultaria o acesso a pedestres ao local.

Ao DEBATE, porém, Adalberto disse o contrário. É que a travessia de uma calçada a outra, segundo o projeto da obra que foi implementada, leva o pedestre, a princípio, a uma “ilha” em meio a duas ruas. “Isso torna a ida de um lado até o outro mais demorada e, portanto, mais perigosa”, diz o arquiteto.

A controvérsia envolvendo a obra é tanta que, na segunda-feira, 20, a Justiça de Bauru concedeu decisão liminar suspendendo as intervenções na praça Portugal. A decisão veio no âmbito de uma ação popular movida pelo advogado Edilson Rodrigo Nogueira Marciano, que acusa a prefeitura de não ter realizado estudos sobre o verdadeiro impacto ambiental da construção.

Obras na Portugal acompanhadas das cruzes instaladas em protesto

“A conduta apontada pela requerida, além de afrontar os princípios constitucionais inerentes à administração pública, ainda afeta de forma não adequada a cobertura vegetal e coloca em risco populações e espécimes diversos”, diz o advogado.

O município de Bauru se manifestou nos autos da ação  na quinta-feira, 23, e afirmou que a execução da obra demanda urgência e apresentou os documentos administrativos do processo de retirada das árvores. Na sexta-feira, 24, o Ministério Público concordou com os argumentos do governo e pediu a suspensão da liminar, e na segunda-feira, 27, a Justiça revogou a decisão e abriu caminho para a retomada das obras.

SANTA CRUZ DO RIO PARDO

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