Publicado em: 27 de novembro de 2021 às 02:59
Atualizado em: 27 de novembro de 2021 às 03:02
Sérgio Fleury Moraes
Oitava mais votada nas eleições do ano passado para a Câmara de Piraju, a vereadora Fernanda Carrara (PTB), 44, a primeira parlamentar transexual da região, sabe que rompeu preconceitos numa região historicamente conservadora. Em 2018, por exemplo, Bolsonaro abocanhou mais de 70% dos votos em Piraju, a mesma cidade que, dois anos depois, aceitou eleger Fernanda como uma de suas representantes. Na verdade, foi a segunda tentativa de Fernanda, pois ficou na suplência em 2012, na época filiada ao DEM.
Cabeleireira e nascida no bairro Tibiriçá, Fernanda tem sete irmãos, entre eles dois gays, mas sempre foi acolhida pela família. A mãe, aliás, segundo Fernanda contou à revista “Piauí” no ao passado, ajudava a costurar meias para fazer o “enchimento” no busto.
“O gênero sexual é uma opção minha e me orgulho de seguir um caminho sério, sem afetar ninguém e respeitando a todos”, explicou. Fernanda se descobriu mulher a partir dos oito anos e hoje a única dúvida dela é quanto à filiação partidária, uma vez que o PTB é um partido aliado de Bolsonaro, que não apoia.
A entrevista com a vereadora Fernanda Carrara foi feita na Câmara de Piraju na última terça-feira, após a sessão legislativa em que ela abordou, entre outros assuntos, a necessidade de o município receber equipamentos de hemodiálise.
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Fernanda, como a sra. conseguiu entrar num universo tão preconceituoso como a política?
Na verdade, a gente faz política no dia a dia, não necessariamente num partido. Em 2012, uma amiga me convidou para participar de uma reunião partidária e eu resolvi me filiar ao DEM e disputar a eleição, ficando como suplente. Anos depois, deixei o partido por não estar de acordo com algumas situações e me transferi para o PTB. Por ser trans, acredito que tive uma excelente votação. Hoje, por exemplo, muitas pessoas contam que se arrependeram de não terem votado em mim. E ouvir isto é muito bom.
Sua transição de gênero é antiga? Foi tranquila?
Acredito que isto não é uma escolha, mesmo porque é uma vida de sofrimento na maioria das vezes. Aliás, não faço disso um sofrimento constante, mas procuro transformá-lo em vitória e luta. Nunca abaixei a cabeça e me sinto uma mulher desde criança. Não tive problemas na minha família, mas é claro que enfrentei preconceitos na cidade, que é conservadora. Aos poucos, fui quebrando tabus e acabei sendo aceita. Na verdade, tem gente que acha que ser gay significa promiscuidade, mas isto não é correto. Escolhi um lado sério e corri atrás das oportunidades que apareceram. Tenho o salão de cabeleireira há 25 anos e uma grande satisfação foi receber cumprimentos, após eleita, até do padre da cidade.
Por ser trans, qual sua maior dificuldade na vida pública?
Acho que foi a aceitação. O mundo político é realmente muito machista e basta olhar que não há muitas mulheres nas câmaras. Como costumam dizer equivocadamente, é coisa para homem. Então, fico feliz por Piraju hoje possuir três vereadoras mulheres, sendo uma trans. Este número já é uma coisa inédita, mas minha eleição colocou um novo olhar sobre gays, transexuais e o público LGBTQ+. Eu tive muito apoio, especialmente deste público, como minha amiga Zoraide. São pessoas sérias que lutam pelo bem da população e da cidade. E todas acreditaram em mim.
Caiu a ficha sobre sua responsabilidade neste momento, ao quebrar tabus e chegar à Câmara?
Sim, tenho esta consciência. Sei que me tornei um exemplo para muitas pessoas e isto é bom. Procuro demonstrar muita coerência e passar por cima de algumas situações. Na verdade, a vida me ensinou a enfrentar determinadas ocasiões. Sei, também, que estou — e não “sou” — vereadora neste momento e procuro analisar todas as situações. É por isso que a população começa a entender que este público GLS existe, tem valor, trabalha, emprega e pensa. Todos precisam de visibilidade, mas nem precisava ser assim. Na política, não me considero oposição ou situação e tenho consciência de que tenho um peso muito grande nas minhas costas.
Esta bandeira você procura levar para a Câmara?
Sem dúvida. Este é um ano atípico e muitas coisas não podem acontecer. Entretanto, minhas propostas são no sentido de defender as mulheres e os gays. Afinal, sou uma trans e não tem como não lutar por tudo aquilo que acredito.
Mas você pertence ao PTB, vinda de outro partido conservador, o DEM. Sua atual legenda apoia o presidente Bolsonaro, cujo grupo não é sensível a este tema. Como fica esta situação?
Não me agrada nem um pouco. Eu já fui procurada por advogados que me contaram sobre situações de homofobia envolvendo o PTB. Estou analisando tudo isto com muita cautela, pois não posso estar um partido que condena a mim ou à minha classe. Mas preciso estudar meus futuros passos do ponto de vida da legislação eleitoral. É uma situação que preciso resolver logo.
A sra. apoia o presidente Jair Bolsonaro?
Não.
Fernanda, já existem comentários sobre a possibilidade de a sra. disputar a prefeitura, até pela visibilidade que conquistou neste ano.
Imagina! Não penso em nada disso neste momento, pois meu desejo é fazer um bom trabalho. Quero terminar meu mandato ajudando minha cidade. Se eu conseguir fazer uma ou outra coisa para mudar a vida das pessoas, já estarei me sentindo realizada.
Nos últimos dias, uma denúncia causou muita repercussão em Piraju, sobre o envolvimento do atual prefeito em dois casos de assédio sexual, sendo um deles uma mulher que era menor de idade na época. Como também é uma um tema recorrente na sua luta, qual sua opinião sobre este caso?
Claro que minha bandeira também é lutar contra o assédio. Aliás, já sofri muito assédio na minha vida na condição de trans, inclusive na infância. Era uma pessoa que frequentava a minha casa e permaneci muito tempo em silêncio, transformando este trauma em força. Até que não aguentei e resolvi contar, mas a pessoa nunca recebeu qualquer punição.
No caso do prefeito, creio que é preciso aguardar as investigações, pois não sou psicóloga e nem membro da polícia. Acredito em cautela neste momento para evitar julgamentos precipitados. Mas é claro que estou de olho neste caso, assim como todos os vereadores da Câmara.
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