Publicado em: 15 de agosto de 2021 às 02:22
Sérgio Fleury Moraes
Moradores do bairro rural do Lageadinho, onde está instalado o aterro sanitário de Bernardino de Campos, sofreram com dois incêndios no antigo “lixão” em apenas uma semana. Numa das ocasiões, o Corpo de Bombeiros foi acionado para debelar as chamas. Porém, a fumaça ainda permanecia na sexta-feira.
Os incidentes são um capítulo à parte da incrível história do “lixão”, que foi interditado por uma sentença judicial confirmada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo e com trânsito em julgado desde novembro do ano passado. Oficialmente, a prefeitura de Bernardino de Campos não pode mais utilizar o aterro, sob pena de multa diária de R$ 5 mil.
Entretanto, uma reunião realizada em maio, entre a juíza da comarca de Ipaussu, Raisa Alcântara Crunivel Schneider, o representante do Ministério Público e o gerente regional da Cetesb culminou num acordo que está permitindo ao município usar o aterro para o descarte de resíduos sólidos urbanos.
Além de ser questionável um órgão de primeira instância atropelar a decisão de desembargadores já transitada em julgado, a reunião não teve a participação de agricultores do bairro, que há mais de uma década reclamam estarem sendo constantemente prejudicados pelo lixão irregular.
Vários deles reclamam que, curiosamente, a Cetesb realiza vistorias no aterro imediatamente após o local ter sido “arrumado” por máquinas da prefeitura. Nos dias seguintes, a situação volta a ser a mesma, com lixo acumulado, a presença de urubus em todos os cantos e sacos plásticos e até garrafas invadindo as plantações vizinhas.
Nos dois dias, o fogo só não teve consequências piores porque o vento soprou na direção contrária a algumas propriedades. Além disso, agricultores agiram para impedir que as chamas invadissem terrenos.
É o caso de Mário Redondo, que além de sua pequena propriedade ser separada do “lixão” apenas por uma cerca, é ameaçado de ter suas terras desapropriadas pelo município para construção de um novo aterro. Em documentos, porém, a própria Cetesb já deixou claro a inviabilidade do empreendimento, uma vez que o atual aterro e as terras ao redor estão totalmente saturadas com o acúmulo do lixo durante décadas.
O local, praticamente um “lixão” a céu aberto, funcionou irregularmente durante muitos anos, atravessando várias administrações. Há contaminação do lençol freático de poço artesiano em propriedade vizinha e os agricultores reclamam até mesmo de ataques mortais de urubus aos animais. Pelo menos um casal residente no bairro aponta o aterro como responsável por doenças crônicas.
A situação piorou na administração anterior, do ex-prefeito Odilon Rodrigues (PSD), de quem o atual, Wilson Garcia (PSDB), era vice. O município foi seguidamente multado pela Cetesb por irregularidades no aterro e uma ação civil pública movida pelo Ministério Público obteve sentença favorável em primeira e segunda instâncias. O aterro finalmente foi interditado por uma decisão judicial.
Porém, Wilson Garcia — que tomou posse em janeiro deste ano — “reformou” o aterro nos primeiros dias de sua administração, transformando o aspecto do local, e voltou a solicitar a licença ambiental da Cetesb. Na prática, apesar da decisão judicial, a prefeitura de Bernardino de Campos nunca deixou de usar seu aterro sanitário.
Em maio deste ano, foi celebrado um acordo através do qual o município se compromete a comprovar o pedido de licença prévia para uma área lateral do mesmo espaço, contratar um profissional para estudar o passivo ambiental e a análise da contaminação da terra, tudo sob supervisão e inspeção de técnicos da Cetesb. Em troca, o município conseguiu o prazo até o final do ano para usar as faixas laterais do aterro para o descarte de lixo.
Os moradores do bairro rural estranham o acordo, já que a sentença que interditou o aterro transitou em julgado na segunda instância do Poder Judiciário. O município, por sua vez, apresentou um pedido de licença ambiental para manter o lixão numa área que, de acordo com os vizinhos, já era utilizada como aterro. De acordo com o pedido, a prefeitura acredita que a área ainda suporta o descarte de lixo por mais dez anos.
Se Bernardino de Campos consegue passar por cima de uma decisão judicial, a mesma sorte não teve Santa Cruz do Rio Pardo. Em 2017, o aterro da cidade, embora em condições melhores do que o da vizinha cidade, foi interditado pelo então secretário estadual do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
Não adiantaram os protestos do prefeito da época, Otacílio Parras, que também recorreu à Justiça. No entanto, o Poder Judiciário agiu de forma diferente e manteve o aterro de Santa Cruz do Rio Pardo interditado. Sem direito a qualquer tipo de acordo, Otacílio foi obrigado a levar o lixo do município para uma usina particular de Piratininga. O sistema de transporte funciona até hoje.
A reportagem procurou o diretor do Meio Ambiente de Bernardino de Campos, Denápole Felix. Ele ouviu a mensagem, mas não retornou.
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