O prefeito Márcio de Jesus do Rego, o 'Burguinha', na noite de terça-feira, 9
Publicado em: 13 de março de 2021 às 04:31
Atualizado em: 29 de março de 2021 às 07:16
André Fleury Moraes
O prefeito de Chavantes Márcio de Jesus do Rego (PSDB) estava visivelmente abalado na noite de terça-feira, 9, quando recebeu o DEBATE em sua própria casa. Acompanhado de um assessor e de um amigo, o tucano se debruçava sobre uma extensa mesa de madeira no quintal de sua residência. Um pouco mais cedo, havia concordado em dar entrevista ao jornal.
Não havia dormido direito naquela noite, já que no dia anterior a Câmara, por 6 votos a 2, recebera uma denúncia e instaurara uma comissão processante contra ele. Os vereadores também decidiram afastá-lo enquanto durasse a comissão — no mínimo 180 dias.
O objeto da denúncia é a suposta manipulação de pareceres e fraude a licitação dentro do governo de ‘Burguinha’.
Conforme já mostrou o DEBATE, o ex-secretário de Administração José Sabino foi gravado numa conversa com dois munícipes em que explica como é feita a fraude nos pareceres da procuradoria jurídica do município.
“Se você mudar o cabeçalho... Eu conversei com o procurador e eles fazem dessa forma. Tem uma que está no orçamento de vocês. Quando for apresentar o orçamento de outra pessoa, muda a fonte. Em vez de pôr romana, coloca outra. Para não dar nenhum blecaute”, teria dito Sabino, que foi demitido na semana passada pelo prefeito ‘Burguinha’.
A política de Chavantes foi incendiada com a notícia do afastamento, e o foco em outros setores acabaram apagados. É preocupante, por exemplo, a confirmação de que um médico da cidade foi infectado pela variante de Manaus da Covid-19 — potencialmente mais letal e contagiosa.
Mas tudo isso ficou em segundo plano, e Burguinha, sem o poder da caneta, tinha um objetivo apenas: recuperar na Justiça o seu mandato.
Ainda na tarde de segunda-feira, a informação de que a Câmara o afastaria já era sondada nos corredores da prefeitura. Mas Burguinha não acreditou. Terminado o expediente, foi fazer caminhada e, na volta, soube da votação. No dia seguinte, voltou à administração e, às 15h, foi notificado para deixar o cargo.
Ele se reuniu com o advogado Carlos Alberto Pedrotti de Andrade naquele mesmo dia. E ouviu que havia a possibilidade de reverter o afastamento. De fato, Pedrotti estava correto. Na quarta-feira, o prefeito entrou com mandado de segurança na Justiça.
Dois dias depois, na manhã de sexta-feira, 12, a juíza Lêda Maria Sperandio Furlanetti concedeu a medida liminar e reconduziu Burguinha ao cargo. Na decisão, a magistrada argumenta que havia perigo evidente no afastamento e diz que a medida, extrema, não possui amparo legal.
“[O afastamento] foi indevidamente criado pela Câmara Municipal de Chavantes, sendo de rigor o reconhecimento de sua ilegalidade”, diz a decisão da juíza. Ela salienta, no entanto, que a volta de Burguinha ao cargo de prefeito não interfere nas investigações da comissão processante.
A decisão da magistrada contrariou até o parecer do Ministério Público, para quem o recurso não tinha requisitos legais para ser deferido.
Às 13h de sexta-feira, Burguinha já havia retomado a cadeira administrativa. Chegou à prefeitura acompanhado de sua mãe e de seu filho. Religioso, dizia a todo momento que devia a Deus o retorno ao cargo. “Ele sabe o que faz”, disse o prefeito.
Assim que entrou no prédio — cujo atendimento está restrito ante a piora do cenário da pandemia —, passou de sala em sala cumprimentando os funcionários da administração. A reportagem acompanhou a chegada do tucano no prédio.
“Só você mesmo, hein, Burguinha? Tive momentos de dúvida sobre a decisão da Justiça”, admitiu uma servidora. “Pois é, minha amiga, mas Deus é grande”, respondeu o prefeito. “Pede para alguém imprimir a decisão da juíza porque vamos gravar uma live [vídeo ao vivo]”, emendou. Mas garantiu à reportagem que não gravaria sem antes conversar com o DEBATE.
Ele viveu um turbilhão de acontecimentos nos últimos quatro dias. Segundo Burguinha, o dia mais triste da semana foi a quinta-feira, 11. “Acordei desanimado, sem querer fazer nada”, afirmou. A quebra de rotina foi aquilo que mais estranhou. “Trabalho desde os 10 anos, nunca parei”, conta. E viu, de uma hora para outra, perder o poder da caneta.
O prefeito afastado passou os últimos dias dentro de casa. Mexia nas redes sociais, respondia apoiadores e diz que pôde passar mais tempo com a família.
Para Burguinha, a Câmara articulou um “verdadeiro golpe” ao afastá-lo do cargo. “A oposição influenciou os vereadores”. Burguinha garante que não guardou mágoas daqueles que votaram por seu afastamento — inclusive parlamentares que se elegeram por seu grupo.
Em conversas reservadas, porém, diz que “pôde ver quem é quem” e reclama que muitos vereadores aproveitaram a “onda eleitoral” do ano passado para chegar à cadeira na Câmara. Aquele com quem mais se indispõe é o presidente da Câmara Rafael Lopes Garcia — seu correligionário no PSDB.
Ainda nos bastidores, diz que foi traído e que a relação com os parlamentares será apenas profissional. A exceção se dá para os dois vereadores que votaram contra o afastamento, alegando que a medida seria autoritária.
Burguinha afirma ser favorável à investigação, mas que o ato da Câmara foi autoritário e arbitrário. “O ideal é instaurar uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) ou uma CEI (Comissão Especial de Investigação) primeiro. Depois, a depender das provas, aprovam uma CP (Comissão Processante)”, disse.
Já de volta ao gabinete, afirma ter plena confiança em seu vice, o ex-vereador Luiz Filipe Jacinto. Prefeito interino, Filipe prorrogou o pagamento de taxas municipais e a medida, segundo Burguinha, será mantida.
“Voltamos a nos preocupar com a situação da pandemia no município e também com o problema da água”, ressalta. Chavantes vive racionamento há mais de três meses, desde que a principal bomba de captação estourou dentro de um poço. A licitação para a abertura de um novo poço está prevista para o final de março.
Enquanto não é julgado em definitivo o mandado de segurança de Burguinha, ele também pretende entrar com uma ação declaratória para anular a sessão da Câmara que aprovou a criação da CP. “Foi tudo atropelado”, diz. O Ministério Público também instaurou inquérito para apurar o caso. “Estou tranquilo”, garante.
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