Publicado em: 02 de outubro de 2021 às 02:52
Atualizado em: 02 de outubro de 2021 às 02:58
Sérgio Fleury Moraes
O prefeito de São Pedro do Turvo Marco Aurélio Oliveira Pinheiro (PSDB) gastou R$ 159.775,00 de recursos do município no aluguel de “cabines de desinfecção por ozônio” anunciadas como “desinfetantes” para proteger moradores contra o coronavírus. O equipamento começou a ser alugado em julho do ano passado, pouco mais de um mês depois da Anvisa — Agência Nacional de Vigilância Sanitária — emitir alerta informando que não reconhecia qualquer eficácia das cabines ou túneis de ozônio.
Pelo menos duas cabines foram instaladas em São Pedro do Turvo e bancadas com dinheiro público. O contrato com a empresa Asolo Engenharia custou R$ 20.400,00 por cabine a cada 90 dias e foi continuamente renovado por praticamente um ano. O prefeito autorizou o aluguel de pelo menos duas cabines, em períodos distintos e cuja informação não foi fornecida pela administração.
Na sexta-feira, em nota encaminhada ao jornal, Pinheiro defendeu a eficácia da cabine e disse que o sistema implantado em São Pedro — e já retirado — é diferente daqueles noticiados pela imprensa. Ele não respondeu aos questionamentos do jornal (leia mais abaixo).
O sistema funciona com a pulverização da pessoa que entra na cabine com um jato de ozônio aquoso. A primeira unidade em São Pedro foi instalada em frente ao principal posto de saúde da cidade. A recomendação era de que funcionários e pacientes deveriam passar pela cabine todos os dias. A estrutura, porém, também estava disponível “gratuitamente” para uso da população.
Embora tenha sido apresentado como produto inovador no combate à Covid-19 no início da pandemia, em maio de 2020 a Anvisa emitiu nota afirmando que não havia qualquer comprovação científica sobre a eficácia do ozônio contra o coronavírus. A agência explicou que a pessoa contaminada carrega o vírus principalmente nas vias aéreas e que a aplicação de desinfetante no corpo ou na roupa não tem utilidade.
A agência, por sinal, alertou sobre os riscos da exposição humana ao ozônio e às substâncias utilizadas nas referidas cabines, uma vez que há um limite de tolerância no seu uso. De acordo com o documento, estes produtos podem causar “lesões na pele, nos olhos, nas vias respiratórias e alergias“. Em situações mais graves, a substância pode provocar, inclusive, um edema pulmonar.
Apesar de São Pedro do Turvo manter as cabines até julho deste ano, em 2020 o Ministério Público de vários estados já agia contra a ineficácia destes sistemas. Em junho do ano passado, por exemplo, vários municípios de Goiás retiraram as cabines por recomendação do MP, sob pena de uma ação civil pública.
No mesmo período, a Justiça de Boituva-SP concedeu liminar ao Ministério Público e determinou a retirada do mesmo sistema, sob pena de multa diária de R$ 5 mil. A prefeitura obedeceu.
Em julho deste ano, as cabines estavam abandonadas em São Pedro do Turvo, sem utilização pela população, mesmo com os pagamentos em vigor. Este fato fez com que a Câmara Municipal enviasse um ofício especial ao prefeito solicitando a retirada imediata dos equipamentos.
O documento alertou o prefeito de que uma das cabines, instalada na garagem municipal, nem estava funcionando. Foi somente nesta data que a prefeitura resolveu retirá-las — e às pressas.
Fato contraditório, foi também Marco Pinheiro, na qualidade de presidente da Ummes, quem posteriormente assinou um pré-contrato para compra de R$ 26 milhões em doses de vacina AstraZeneca para as cidades integrantes da entidade. Seriam 500 mil doses a serem fornecidas pela empresa Hilal Group, com sede na Turquia.
No entanto, uma série de reportagens publicadas pelo DEBATE — e depois pela “Folha de S. Paulo — revelou que o negócio continha indícios de fraude.
A própria AstraZeneca disse desconhecer a Hilal Group e recomendou às autoridades que denunciassem o caso à polícia.
Na época, uma nota assinada pelo presidente da Ummes atacou o DEBATE e disse que jornal publicava “notícias falsas”. Alguns prefeitos da região — como Diego Singolani de Santa Cruz e Sergio Guidio de Ipaussu — criticaram a nota e não assinaram o documento. Semanas depois, Marco Pinheiro foi obrigado a desistir do negócio.
‘Nosso sistema é diferente’, alega Pinheiro para defender o ozônio
O prefeito Marco Aurélio Pinheiro (PSDB), de São Pedro do Turvo, acordou cedo na sexta-feira. Às 6h20 ele já havia lido a mensagem em seu telefone encaminhada pelo jornal, solicitando informações sobre a polêmica “cabine de ozônio”, utilizada pela prefeitura no combate ao coronavírus. No mesmo instante, ele escreveu: “Saiu um negócio da Anvisa de São Paulo orientando não usar as cabines de desinfecção. Não proibiram, só orientaram”.
Na verdade, a Anvisa é um órgão do governo federal e a nota foi emitida em maio do ano passado, alertando sobre a ineficiência do ozônio no combate ao coronavírus.
No início da tarde, o prefeito ocupou os microfones da rádio Band-FM para comentar o assunto e criticar opositores sobre denúncias que, segundo Pinheiro, seriam “oportunismo político”. Na Band, disse que era coisa “do partido do PT”.
No período da tarde, Marco não apenas encaminhou as respostas por mensagem como “protocolou” a nota na sede do jornal. O texto, porém, não responde aos questionamentos, como informações sobre o tempo do contrato com a fornecedora, seus aditivos, se houve licitação, qual o profissional responsável pela contratação e seus respectivos pareceres e o motivo pelo qual o município manteve as cabines ativas ao público mesmo após nota de alerta emitida pela Anvisa.
Segundo escreveu o prefeito, as ações empreendidas pela prefeitura tiveram sua eficácia reconhecida regionalmente, “principalmente porque os danos sofridos em São Pedro estão abaixo da média das cidades vizinhas”.
Ele lembrou que a locação das cabines foi feita tendo como justificativa um estudo científico da Unicamp de Campinas. Além disso, afirmou que o sistema implantado em São Pedro ”é diferente” porque não usa o gás ozônio, mas “água ozonizada” que seria “natural”.
Este suposto estudo da Unicamp é usado por várias empresas que comercializam cabines ou túneis de desinfecção. Entretanto, segundo reportagem do site G1 da Globo, de junho de 2020, nunca houve apresentação prática ou testes dos estudos fornecidos pela Unicamp.
Na nota, o prefeito sustenta que o setor de Saúde não registrou nenhum caso de reação alérgica ou dermatológica ao produto entre os moradores de São Pedro do Turvo. Ele disse que várias prefeituras e redes de supermercados disponibilizam as cabines, citando o município de Osasco e o Carrefour. O jornal entrou em contato com o gabinete da prefeitura de Osasco e descobriu que o sistema foi retirado há um bom tempo.
O Carrefour esclareceu que não disponibiliza cabines de ozônio em suas 700 lojas espalhadas por todo o País. A empresa explicou que há apenas um sistema para desinfecção das compras que usa luz UV (ultravioleta), cujo equipamento piloto está em testes em Osasco. Se aprovado, será estendido a todas as unidades.
Segundo o Carrefour, a cabine de UV não significa um tratamento contra a covid, mas um recurso a mais oferecido aos clientes para desinfectar suas compras. A empresa esclareceu que o mesmo sistema é utilizado pelos hospitais. “É um complemento para a higienização dos produtos”, explicou a empresa, salientando que as medidas contra a covid, de uso de máscaras e álcool em gel, são obrigatórias nas unidades.
O sistema do Carrefour, aliás, é uma máquina onde apenas o carrinho com as compras é introduzido. Em seguida, as portas são fechadas para proteger as pessoas da radiação emitida pela luz UV.
Na nota de Marco Pinheiro, além de afirmar que as denúncias partiram da oposição “por oportunismo político”, o prefeito sustenta que que a pandemia ainda é um evento inusitado “do qual a ciência ainda não tem conclusões bem definidas e concretas”. E acrescentou: “Tanto que o governo federal defendia — e ainda o faz — o uso preventivo de hidroxicloroquina e ivermectina, entre outros, enquanto parte considerável da Ciência atesta a ineficária dos fármacos”. Supreendentemente, Marco Pinheiro garantiu a eficácia do ozônio: “Não é o nosso caso”.
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