Foto publicada pelo jornal ‘O Estado de S. Paulo’ de 17 de novembro de 1946, mostra o sepultamento de Antonio Carlos de Abreu Sodré, no cemitério da Consolação
Publicado em: 21 de janeiro de 2022 às 18:32
Atualizado em: 22 de janeiro de 2022 às 04:52
Antonio Carlos de Abreu Sodré talvez seja uma das pessoas mais importantes nascidas em Santa Cruz. Filho do Doutor Chiquinho, que foi o primeiro prefeito daqui, era irmão de Roberto de Abreu Sodré, governador de São Paulo e Ministro das Relações Exteriores, este raspa do tacho, nascido em SP. Conheci-o por várias óticas. Nascido há mais de cem anos, faleceu sob a Constituição de 1946, que culminou sua importante luta contra a ditadura de Getúlio Vargas. Claro que não o conheci pessoalmente. Mas o vi por diversas óticas. Da minha vida familiar; sob o depoimento da família Mesquita, do Estadão, que, na entrada do jornal, conservam ainda hoje em destaque o retrato dele com Cesário Coimbra e Carlos Lacerda, campeões da democracia em épocas distintas da vida brasileira. Os dois primeiros, Coimbra e Antonio Carlos, que cuidaram dos interesses dessa importante família paulista e do Governador Armando Salles de Oliveira, quando exilados por Getúlio, após o golpe de Estado de 1937, um arremedo lamentável e repugnante do fascismo europeu, no Brasil.
Ouvi-o narrado por Rogê Ferreira (quase um santa-cruzense) e por todos os heróis da resistência contra Vargas, em São Paulo, nos anos de 1940, do qual ele foi líder inconteste. Por meu amigo Miguel Athi, mentor do Jurídico do Onze de Agosto, fundado por Antonio Carlos (ou simplesmente Carlos, como ele foi chamado em família), para assistência judiciária gratuita aos carentes; o primeiro projeto brasileiro para o trato dos direitos dos vulneráveis gratuitamente. Também pelo estimado companheiro Pedro Brasil Bandecchi, já falecido, mas o mais atual dos historiadores da Burschenschaft, a antiga associação secreta dos alunos do Largo de São Francisco, que nunca deixou nem deixará de influir para os melhores destinos do Brasil e da qual Antonio Carlos foi dirigente e membro dos mais destacados em sua importante história.
Mas as visões dele que mais me encantaram foram as de Antonio Cândido, o grande crítico literário brasileiro e de Carlito Maia, o publicitário, que criou Tremendão e Ternurinha para Erasmo Carlos e Vanderléia reciprocamente. E é uma brasa mora para Roberto Carlos, sem falar que Carlito Maia foi criador da estrela vermelha do PT. Fundadores do partido, Antonio Cândido e Carlito Maia aproximaram-se de Antonio Carlos Sodré. Nunca contemporizaram com déspotas e admiravam em Antonio Carlos sua religião pela Liberdade, a mesma dos que, como ele, nas Arcadas a tinham como uma deusa. Não a liberdade maluca de Bolsonaro para não tomar vacina. Mas aquela mesma de Antonio Carlos Sodré que professava-se cobrir, com a Liberdade, para destruição de todos os privilégios no Brasil. O que é uma máxima ainda importantíssima, na História brasileira.
Antonio Cândido, o homem mais educado, que conheci em minha vida, correto nos mínimos detalhes de um cavalheiro realmente nobre, referia-se a Antonio Carlos como um anjo, um ser de extremas virtudes sobre humanas e Carlito – que estimulou a mim e a João Piza a fazermos, com o apoio do Professor Vicente Marota Rangel, uma pira no Pátio das Arcadas, cujo fogo simbólico somente se apagou quando promulgada a Constituição de 1988 –, via em Antonio Carlos um guardião da Liberdade. Um São Miguel, dos desprotegidos e encarcerados por razões políticas.
Como Júlio Mesquita Filho, fundador, com Armando Salles de Oliveira, da Universidade de São Paulo, com quem Antonio Carlos de Abreu Sodré fez muito de sua melhor política e sem que tivessem qualquer viés comunista, ambos, doutor Julinho e Sodré, construíram contra Vargas, ditador, uma frente ampla que jamais marginalizou quem quer que fosse. Sem preconceitos ideológicos e composta por democratas, antigos perrepistas, socialistas e comunistas também, menos os fascistas, para organizar a União Democrática Brasileira, depois, União Democrática Nacional, simplesmente a UDN, da Esquerda Democrática, com nomes como João Mangabeira e Hermes Lima, dos maiores juristas brasileiros.
Certo que Roberto Sodré o seguira. Mas o Ato 5, vergonha da História Brasileira, encilhou Roberto, então Governador, de São Paulo. Mas muitos foram os desprotegidos de ditadura de 64, que o antigo Ministro das Relações Exteriores preservou das hostes ditatoriais, como meu amigo santa-cruzense, o Edjalma Gouvêa Dias, Geraldo Vandré e Aluísio Nunes Ferreira, dentre outros, que sei.
Antonio Carlos Sodré casou-se com sua prima, Eurídice Cerqueira Cesar, ambos netos do Deputado Constituinte, de 1891, Antonio José da Costa Júnior e irmão de Augusto José de Macedo Costa, nosso primeiro juiz de Direito, migrados para Santa Cruz, de Cacheira Paulista, no Vale do Paraíba, quase Rio de Janeiro, enquanto os Cerqueira Cesar, como apontam Satoprado, meus amigos historiadores, como esse Deputado Federal Costa Júnior, já estavam por aqui nos primórdios da República. Os Cerqueira Cesar, proprietários, parece-me, da Fazenda Guacho, já então a Niágara, parte em nosso Município e alguns deles moradores da área urbana de Santa Cruz. Sodré e Eurídice tiveram dois filhos, Antonio Carlos e Luiz Alberto, todos já falecidos.
Membro da Liga Nacionalista, nas Arcadas já em 1916, em que estudava Direito, Antonio Carlos foi, com Olavo Bilac, o poeta, e outros, defensor da educação primária e profissional, da educação cívica patriótica, do escotismo e do voto secreto e obrigatório e do serviço militar obrigatório, para garantia da defesa do Brasil, então ameaçado pela Primeira Guerra Mundial.
Nas Arcadas, foi presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, fundado por seu primo, José Carlos de Macedo Soares. Este, como Roberto Sodré, igualmente Governador de São Paulo e depois, Ministro das Relações Exteriores de Vargas e do grande JK. Consequentemente enquanto presidente do Onze, Antonio Carlos de Abreu Sodré foi Chaveiro da Burschenschaft, eleito em uma conciliação de forças políticas como pacificador em época que o presidente do Onze de Agosto era tão importante quanto o Governador de São Paulo ou o Presidente da República – alguns que compareciam a cada posse desses presidentes. Nunca conheci uma pessoa que desabonasse Antonio Carlos de Abreu Sodré, mesmo seus adversários políticos, que o estimavam bastante e o respeitavam como caráter íntegro.
Formado em Direito, Sodré entrou para o Ministério Público de São Paulo, inicialmente na comarca de Olímpia. Depois veio a ser Promotor de Botucatu em busca de bons ares que tratassem já de sua tísica. Moléstia que também trouxe seu pai, de Rezende, no Rio de Janeiro, para se tratar em Santa Cruz, que, à época deveria ter bons ares também. Luiz e José, sem falar em Roberto, falecido de problemas no pulmão, todos esses seus irmãos faleceram de moléstias respiratórias.
Fundador do Partido Democrata, dissidência chefiada por Antonio Prado e racha do antigo Partido Republicano Paulista, no PRP, em Botucatu Carlos desponta em eleição como o vereador mais votado de lá e ferrenho opositor dos Amando de Barros, tradicional e ilustre família de Botucatu, chefes políticos do Partido Republicano. Aliando-se ao grande advogado botucatuense, Dante Delmanto e a todos os irmãos dele, desta admirável família paulista. Também os Araújo Passos, concorrentes de Emílio Pedutti, esse, do PRP, depois ademarista. Neste grupo que militava contra o PRP, dos Amando de Barros.
Na Revolução Constitucionalista de 1932, Antonio Carlos Sodré foi um dos coordenadores do MMDC, movimento nuclear e vetorial da revolta armada contra Vargas, que resultou vencida pelo ditador, impondo-se a São Paulo, grandes restrições. Sendo MMDC o acrônico de Martins, Miragaia, Dráuzio e Camargo, alguns dos heróis paulistas assassinados pela polícia de Vargas, em comício passeata, na Praça da República, em São Paulo, que foi o estopim da Revolução, grande empenho também de Antonio Carlos.
Lutou contra as tropas legalistas, na divisa com Minas Gerais, em Itapira, na região da Mogiana, em companhia do advogado Prudente de Morais Neto e do poeta Menotti Del Picchia, também com o jurista Piza Sobrinho. Derrotado, foi exilado na Argentina.
Em 1933, pacificada a política brasileira, convocada por Getúlio Vargas, Antonio Carlos voltou ao Brasil e veio integrar o Partido Constitucionalista, tornando-se um dos mais importantes conselheiros de Armando Salles de Oliveira, então nomeado por Vargas para o governo de São Paulo como parte de um acordo político tendente à Constituinte, que elaborou a Constituição de 1934, a primeira fortemente social do Brasil.
Compôs então a Chapa Única pelo bem de São Paulo, que reunia toda a política paulista, em favor de São Paulo e do Brasil e para uma Constituinte, já que essa Carta, de 1934, foi consequência da Revolução de 9 de julho de 1932.
Candidato a deputado federal constituinte, Antonio Carlos de Abreu Sodré dobrou com Dante Delmanto, para deputado estadual e conta a tradição familiar, terem sido ambos dos mais ou os mais votados, entre os integrantes de sua chapa, pelo Partido Constitucionalista (em que se fundiram a Liga Eleitoral Católica, o Partido Republicano Paulista, o Partido Democrata, a Federação dos Voluntários, que congregava suboficiais e oficiais e soldados voluntários, que lutaram em 1932 e a Ação Nacional Republicana, um grupo dissidente do PRP) e à qual se integrou sua grande amiga, a médica Carlota Pereira de Queiroz, a primeira mulher a ser membro do Parlamento brasileiro e Carlos Morais Andrade, irmão de Mário de Andrade. A ver dentro de certos limites o progressismo dos paulistas já em 1933.
Nos anos em que foi deputado federal, Sodré foi o chefe político de nossa região, nomeando prefeito de Santa Cruz o Doutor Abelardo Pinheiro Guimarães, e o mineiro Silvestre Ferraz Igreja para prefeito de Ipaussu, antes morador em Manduri e com quem Antonio Carlos de Abreu Sodré fizera a campanha para sua deputação constituinte federal.
Lançada a candidatura de Armando Salles de Oliveira para a Presidência da República, Sodré foi o coordenador de sua campanha. Quando, em novembro de 1937, exercia a liderança da bancada paulista na Câmara dos Deputados, Vargas deu o golpe fascista do Estado Novo, fechando o Congresso Nacional, abolindo todas liberdades civis e sociais e extinguindo a Federação. Manteve-se ditador até ser deposto em 1945 pelos militares.
Sodré foi preso na Tribuna e ficou 60 dias desaparecido. Foi finalmente localizado no quartel da cavalaria dos Dragões de Independência, encarcerado como preso comum. Deprimido e afastado forçosamente da família, veio a ser consumido pela tísica, a cruel tuberculose, que cura então não tinha. A ordem de Vargas era para que ele fosse exilado a qualquer custo. Uma Junta Médica Militar que o examinou atestou sua morbidade e opinou contrariamente ao embarque em qualquer navio, pois ele sequer tinha condições de se locomover e sobreviver, tais haviam sido as condições de sua prisão.
Voltou, então, para São Paulo com a condição de não fazer política, sendo monitorado permanentemente pela polícia da ditadura, que semanalmente o prendia, a controlá-lo como líder da oposição nacional a Getúlio Vargas.
Sodré foi então morar em uma chácara no Tremembé, na Capital de São Paulo, em área serrana, ainda hoje rústica e de bom clima para curar-se do pulmão, ora melhorando, com sua saúde ora piorando. Quando, em 1940, foi às barras do Tribunal de Segurança Nacional, em que se sentaram, entre outros, Luiz Carlos Prestes e Harry Berger, que Sobral Pinto defendeu avocando a Lei de Proteção dos Animais, porque a polícia de Vargas o mantinha em condições desumanas, preso e trancafiado debaixo de uma escada.
O caso de 1940 envolvia, no Tribunal de Segurança Nacional, Sodré, Henrique Bayma, Presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo, o historiador Aureliano Leite, o empresário Cesário Coimbra e os professores catedráticos da então Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, Valdemar Ferreira e Francisco Morato. Alegava-se que eles intentavam nova revolução contra Vargas e que guardavam as armas na sede do jornal O Estado de São Paulo, fato que era do interesse da Ditadura comprovar, embora não fosse verdadeiro, mas para justificar a expropriação do jornal da Família Mesquita, depois a ela devolvido por gestões de José Carlos Macedo Soares e decisão judicial de José Frederico Marques.
As ditaduras corroem as liberdades e reduzem a cidadania na vilania dos que a ela se acomodam. Mesmo o Supremo Tribunal Federal nunca escapa da ignorância desses ditadores. Esse então denominado Corte Constitucional, no Estado Novo, composta por Bento de Faria, Carlos Maximiliano, Ataulpho de Paiva, Costa Manso, Octávio Kelly, Carvalho Mourão, Laudo de Camargo, Plínio Casado, Eduardo Espínola, Edmundo Lins e Hermenegildo Barros, até hoje dos maiores nomes de nosso direito, foi quem negou habeas corpus a Olga Benário, mulher de Prestes, para entregá-la à Gestapo de Hitler e morrer por ser judia e comunista em um campo de concentração. Em certo momento a Ditadura do Estado Novo foi simpatizante do regime de Hitler.
Vê-se então como era a Ditadura de Vargas, com seus presos políticos, em que Antonio Carlos amargou muitos dias em prisão carcerária constante. Antonio Carlos era preso na antiga Casa de Detenção de São Paulo, na Avenida Tiradentes, em frente à Rota, atualmente. Com ele presos por crimes comuns, todos juntos e, entre outros, Monteiro Lobato e Aureliano Leite.
A partir do escritório de Advocacia que tinha no Largo do Café, em São Paulo, com Francisco Mesquita, irmão de Júlio Mesquita Filho, o doutor Julinho, do jornal O Estado de São Paulo, então detido pela ditadura de Vargas, em sua fazenda de Louveira, Antonio Carlos comandou a política contrária à Ditadura em São Paulo e no Brasil, tendo sido um dos propagandistas e defensores da Constituinte de 1946. Não bastando ter sido à época um dos grandes advogados do Foro de São Paulo.
Fundou a UDN e foi membro líder de seu Diretório Nacional, em 1946.
Recorde-se que na UDN de então formavam os contrários à Vargas, igualmente a Esquerda Democrática Socialista, em articulação de Antonio Carlos, desde a volta de Armando Salles de Oliveira com a União Democrática Brasileira. Os quadros civis fiéis a Vargas e antigos militantes do Partido Republicano Paulista formaram com o PSD. Osvaldo Aranha que fora um dos condestáveis de Vargas no Estado Novo, ficou com a UDN de Sodré e dos mineiros, que, em 1942, assinaram o famoso manifesto contra o Ditador. A UDN era uma aliança forte em Minas, algo em São Paulo, na Bahia dos irmãos Mangabeira, alguma coisa no Mato Grosso e com um bastião em Santa Catarina, com a Família Bornhausen.
Pedro Moura Maia, importante membro da equipe do Ministro Delfim Netto, que fora Presidente do extinto Banespa, banco ainda poderoso, no Governo de Laudo Natel, primo do já referido Carlito Maia, vizinhos de Antonio Carlos de Abreu Sodré na Chácara do Tremembé em São Paulo, contou-me ter presenciado Osvaldo Aranha, em casa de Antonio Carlos, propondo-lhe, o apoio a Dutra e uma aliança com Vargas que o apoiaria a ele Sodré, a ser Governador de São Paulo.
Sodré gentilmente recusou, eis que já apoiava o Brigadeiro Eduardo Gomes.
Antonio Carlos de Abreu Sodré morreu em 18 de novembro de 1946. Vitimado pela tuberculose. Que não o impediu de lutar pela Liberdade, no Brasil.
Em São Paulo, na Praça da Liberdade, voltado para o Foro João Mendes e protegido pelas almas da Igreja de Santa Cruz dos Enforcados, por isto praça da Liberdade, há um monumento em homenagem a Antonio Carlos de Abreu Sodré, iniciativa de antigos alunos da hoje Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, dentre eles, Cláudio Lembo e Valdir Troncoso Peres. Sodré foi um dos dirigentes da Associação dos Antigos Alunos de nossa Faculdade. Atualmente presidida por José Carlos Madia de Souza, advogado e intelectual que bem representa a Casa da Liberdade, as Arcadas.
Estava neste monumento uma placa com a grande frase de um discurso de Antonio Carlos de Abreu Sodré:
Cobrir-se com a Liberdade, para destruir todos os privilégios!
Ainda é tempo! Termino assim, minha homenagem à moça das colinas, Joia da Sorocabana, hoje, da Castelo Brando, que é Santa Cruz do Rio Pardo, alegre vivaz e muito progressista, no dia de seu aniversário. Esta é a história de um santa-cruzense, líder político nacional. Fundador e dirigente de um partido político de âmbito nacional, herói de 1932, campeão de lutas pela Liberdade, constitucionalista, advogado e jurista, quase governador de São Paulo, que não foi porque fiel à sua palavra e a suas origens. Antonio Carlos de Abreu Sodré é bisavô de meus filhos, Adriana, Rodrigo e Mariana. Trisavô de meus netos Guilherme e Francisco, para que amem eternamente a Liberdade e o Brasil.
Voltar ao topo