Kennedy e a esposa Jacqueline estão no banco traseiro da limusine, minutos antes do crime; acenando ao público, está o governador do Texas
Publicado em: 17 de novembro de 2023 às 22:14
Atualizado em: 17 de novembro de 2023 às 22:38
Miguel Moyses Abeche Neto
Especial para o DEBATE *
O avião da Força Aérea norte americana, chamado “Number One”, que serve ao presidente dos Estados Unidos, acabara de pousar no aeroporto de Dallas, no Texas. O presidente John Kennedy olhou para a sua mulher e disse: “Acabamos de chegar na terra dos loucos”.
Exatamente quatro semanas antes, Adlai Stevenson fora a Dallas para uma reunião do “Dia das Nações Unidas”. A direita radical texana resolveu provocar uma reação à visita do embaixador dos Estados Unidos, realizando o “Dia dos Estados Unidos” na véspera, tendo o general Edwin A. Walker como o principal orador. O governador John Connally decepcionou os amigos da ONU, dando ao “Dia dos Estados Unidos” a sanção de uma proclamação oficial. Naquela noite, o general denunciou as Nações Unidas. No dia seguinte, cartazes com o retrato do presidente Kennedy de frente e perfil foram espalhados por toda Dallas: “Procurado por traição: este homem é procurado por atividades contra os Estados Unidos.
Na noite seguinte, parte dessa ultradireita radical esteve na conferência do “Dia da ONU”, vaiando e xingando Stevenson enquanto ele discursava. Cuspiram no rosto do embaixador e a todo esse festival de baixarias, estupidez e ignorância, Stevenson manteve a elegância com uma resposta perfeita: “Eu creio no perdão do pecado e na redenção da ignorância”.
Adlai Stevenson era um dos principais líderes dos Democratas, fora governador do importante estado de Illinois, candidato duas vezes a presidente da República, em 1952 e 1956. Era o democrata preferido de Eleanor Roosevelt, a mulher de Franklin Delano Roosevelt, principal liderança dos Estados Unidos, amado pelo povo e odiado pela direita americana, reeleito quatro vezes consecutivas no período de 1932 a 1945.
Esses fatos ocorreram em Dallas exatamente um mês antes da chegada de Kennedy à cidade. Eles foram relatados ao presidente pelo próprio Stevenson e reproduzido pela imprensa.
O embaixador pediu a Kennedy não ir ao Texas.
Prevaleceu a necessidade de pacificar o partido Democrata do Texas, que vivia uma luta fratricida entre o governador Connally e o senador Yarborough pelo comando da legenda no Estado. Kennedy queria o partido unido para disputar a reeleição em 1964. Para isso, chamou o vice-presidente Lyndon Johnson, texano que cresceu na política como o homem do “New Deal”, programa que tirou os Estados da grande depressão de 1930.
John Fitzgerald Kennedy foi o primeiro presidente católico dos Estados Unidos e o mais novo na história do país. De origem irlandesa, era filho de Joseph Kennedy, que ficou milionário com contrabando de whisky.
O roteiro no Texas previa passagem por Houston, San Antonio, Dallas e Austin. Em San Antonio, ganhou um chapéu texano que recusou colocar naquele momento, prometendo receber os texanos na Casa Branca usando o presente.
JFK foi bem recebido em Houston e San Antonio. Em 1960, venceu Richard Nixon, o candidato Republicano, por pequena margem de votos populares e no colégio eleitoral a decisão ficou por conta da vitória apertada no estado de Illinois. No Texas, venceu por pequena margem graças ao seu candidato à vice-presidente Lyndon Baines Johnson, texano que havia transitado do “New Deal” para a aliança com os homens do petróleo.
JFK havia lançado o programa “Nova Fronteira” e apoiou a luta pelos direitos civis aos negros, obrigando o governador do Alabama, George Wallace, a aceitar a ida de dois negros em escola frequentada por brancos, quebrando o isolamento dos negros no Sul americano.
Mas Kennedy também cometeu erros graves, como o início da escalada militar no Vietnã. Ao indicar Lincoln Gordon como embaixador no Brasil, se deixou envolver pelas informações que o embaixador mandava para o governo americano. Gordon se envolveu pessoalmente na campanha pela derrubada do presidente João Goulart.
O diálogo gravado entre o embaixador americano no Brasil e o presidente Kennedy é revelador e da maior importância para entender o grau de envolvimento do governo dos Estados Unidos na preparação do golpe de 1964. Na referida gravação, Lincoln Gordon pede a Kennedy US$ 10 milhões para comprar votos para os candidatos a governador, senador e deputado federal nas eleições de 1962. Kennedy avisa que a campanha presidencial americana de 1960 havia ficado em US$ 5 milhões, metade do que Gordon queria para as eleições brasileiras.
Mas o pedido do embaixador foi autorizado. Tamanha ingerência na política brasileira levou nossos estudantes a criarem o slogan: “Chega de intermediários. Lincoln Gordon para presidente!”. E estranha foi a mudança de Gordon como professor de economia em Havard e tido com Democrata liberal para se tornar o principal artífice da implantação da ditadura de 1964 no Brasil. Afinal, como tradição, com exceção de Franklin Roosevelt, os democratas sempre foram progressistas em política interna e conservadores na política externa.
O avião do presidente pousou em Dallas às 11h30. O presidente trajava um terno azul petróleo com uma camisa azul listrada branca. Jacqueline usava um conjunto de saia e casaco cor de rosa. Era sexta-feira, 22 de novembro, um dia ensolarado de outono.
Centenas de pessoas esperavam o casal Kennedy no aeroporto de Dallas. Espalhado pelas ruas por onde passaria o presidente, um grande público se aglomerava para ver o presidente e sua bonita mulher. Contrariando o serviço de segurança, o presidente optou por usar o carro conversível. Kennedy convidou o governador Connally e sua mulher para o mesmo carro. Logo atrás, em outro carro conversível, embarcaram o vice-presidente Lyndon Johnson, sua esposa Lady Bird Johson e o senador Ralph Yarborough.
Era exatamente 12h30, horário local, quando o carro presidencial fez a curva e entrou na rua que margeia a praça Dealey, que tinha ao fundo o Depósito de Livros Escolares do Texas. Nesse momento inicia-se a série de tiros. Três deles acertam a cabeça e o pescoço do presidente.
Abraham Zapruder, proprietário de uma fábrica de confecção feminina, filmava a passagem da caravana presidencial e fez o único registro de toda a tragédia. O veículo presidencial parte em grande velocidade e se dirige ao Parkland Hospital, o mais próximo no trajeto do carro. Além do presidente o governador também foi atingido. Os médicos que prestaram assistência médica a Kennedy nunca tiveram esperanças de salvá-lo. O quadro era desesperador.
As 13h, encerrava-se a trajetória de John Kennedy. O anúncio de sua morte chocou o mundo, pois era o quarto presidente americano assassinado. O primeiro católico a ocupar a presidência e o mais novo a exercê-la. Connally, o governador do Texas, foi operado duas vezes no mesmo dia e sobreviveu.
A segurança do presidente queria levar seu corpo imediatamente para Washington, mas a polícia e um promotor queriam segurar o presidente morto em Dallas. Houve uma imensa confusão, mas a segurança de JFK retirou o corpo à força do “Parkland Hospital” e levou-o para o avião da presidência. O vice Liyndon Johson tomou posse no mesmo avião. A polícia de Dallas prendeu Lee Oswald como assassino do presidente. Ele teria atirado do edifício do depósito de livros escolares do Texas. Dois dias depois, ele foi assassinado por Jack Ruby que, sem ser policial, estava dentro da cadeia e, na frente de todos os policiais, atirou em Lee Oswald.
As controvérsias e dúvidas sobre quem matou JFK permanecem até hoje, passados 60 anos do crime. Ao subir as escadas do avião presidencial, um dos seguranças mais próximos de Kennedy, com o terno ainda manchado de sangue e sentindo-se derrotado por não ter conseguido salvar a vida do presidente, desabafou: “Mas que lugar de merda para morrer”.
Tom Wicker e a grande reportagem
Miguel Moyses Abeche Neto
Especial para o DEBATE *
Além de grande interesse por política e por pessoas, o jornalista Tom Wicker possuía raciocínio rápido e capacidade de articular o que se passava em sua mente. Tal como muitos jornalistas americanos sulistas, costumava falar melhor do que escrever. E escrevia bem. Poderia ter sido um bom comentarista de televisão e se destacava em debates, expondo suas opiniões em longas frases “faulknerianas”, misturadas com metáforas e graças regionais, pronunciadas com sotaques da Carolina.
Apesar de todas as suas qualidades o sucesso inicial de Wicker no jornal “New York Times” deveu-se à sorte de estar no lugar certo e na hora certa.
Em geral isso vale para a maioria dos jornalistas que obtêm sucesso quando jovens. Tom Wicker acompanhou todo o drama e a tragédia da sexta feira, 22 de novembro, e foi o único jornalista do “New York Times” que viajou com John Kennedy para Dallas. Sua matéria sobre o assassinato ocupou mais de uma página do “Times” de 23 de novembro de 1963, uma obra notável de reportagem sobre fatos reunidos em meio à confusão. Ele conseguiu reconstruir o dia mais perturbador de sua vida, do desespero, da amargura e da descrença. Depois, pegou o telefone e ditou a matéria para Nova York, com uma voz que raramente se alterava com a emoção.
Naquele dia, Wicker estava sem sua caderneta de notas e teve de rabiscar o verso de um roteiro mimeografado da visita de dois dias de Kennedy ao Texas. Algum tempo depois, ele não conseguia ler muitas dessas anotações rabiscadas, mas no dia 22 de novembro elas estavam tão claras quanto um texto de página de um livro.
O jornalista escreveu a matéria com outros repórteres na sala de imprensa do aeroporto de Dallas, tendo chegado lá depois de uma corrida de quase um quilômetro enquanto arrastava a máquina de escrever e a mala, saltando uma cerca no caminho sem diminuir o ritmo. Ele se lembrou de quase tudo o que viu e ouviu depois que Kennedy foi alvejado, embora se recordasse muito pouco do que acontecera antes disso. Tom Wicker acompanhava a comitiva presidencial em um dos ônibus da imprensa. Não sabia nem qual era quando JFK foi atingido, pois não ouviu os tiros. Foi outro repórter que estava no ônibus quem alertou que o carro do presidente, que estava dez veículos à frente, partia acelerado.
Os ônibus da imprensa seguiram na mesma velocidade. Porém, as coisas começaram a mudar rapidamente. Wicker notou um policial de motocicleta saltar o meio-fio e sair correndo. Parecia haver alguma confusão na multidão de gente que estava parada ao longo da rua para ver o presidente. Os ônibus da imprensa pararam no lugar onde Kennedy faria um discurso. Wicker percebeu que as cabeças da multidão começavam a virar à medida em que a notícia avançava. Ele estava literalmente vendo um rumor acontecer ao vivo, como se um vento varresse um trigal. Então, um estranho agarrou-o pelo braço e perguntou: “Atiraram no presidente?” Wicker respondeu: “Acho que não, mas alguma coisa aconteceu”.
Wicker e os outros repórteres, cerca de 35, foram até onde Kennedy deveria discursar e foi ali que outro jornalista veio correndo com a notícia. Então, todos correram em direção ao ônibus da imprensa, que os levariam ao “Parkland Hospital”. Nas horas seguintes, os detalhes começaram a se acumular, os relatos das testemunhas oculares, os boletins médicos, as palavras do porta-voz da Casa Branca, as lembranças do jornalista que ouvira os tiros, a descrição de um repórter da televisão de Dallas que vira um rifle na janela do canto do quinto andar do Depósito de Livros Escolares do Texas.
Havia verdades, meias-verdades, erros, ilusões, rumores, relatos de segunda mão e outros de terceira mão. Tudo era passado para a imprensa. Os jornalistas circulavam livremente e havia pouco tempo para checar fatos ou alegações. Wicker e os outros tinham de se guiar pelo instinto, por sua experiência, seus insights, um senso especial que os só os bons repórteres desenvolvem e usam numa crise. E os instintos de Wicker foram de grande valia.
É provável que a matéria que Tom Wicker escreveu em Dallas naquele dia perdure mais do que qualquer romance, peça de teatro, ensaio ou reportagem que tenha escrito. Não é que tenha produzido um clássico. Não se trata disso. Ele fizera matérias tão boas quanto aquela, mais bem escritas até. No entanto, o teste em Dallas não tinha equivalente. Era o tipo de missão que podia consagrar um jornalista ou acabar com sua carreira em poucas horas.
Wicker estava escrevendo para a história naquele dia e sua matéria dominou a primeira página, em colunas duplas e corpo tipográfico maior que o usual, assim como sua assinatura. Era uma edição do “New York Times” que o leitor não iria jogar fora. No dia seguinte já seria um exemplar de colecionador, guardado durante décadas em sótãos ou armários, uma verdadeira relíquia do dia em que o presidente foi morto.
* Matéria baseada no livro “O Reino e o Poder”, do jornalista Gay Talese. Minha homenagem ao jornal DEBATE e seu diretor Sérgio Fleury, que cobre Santa Cruz do Rio Pardo e região há 46 anos. Tenho dezenas de edições que valem ser guardadas e que vão contar a história da nossa presença e tudo o que acompanhamos nesta terra de Santa Cruz.
LEIA MAIS:
Connally, que sobreviveu aos tiros, assinou
título de cidadão a professor de Santa Cruz
Voltar ao topo